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Pesquisadores discutem o Humanismo e a barbárie da pós-modernidade

 O Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFRJ – CFCH, com o patrocínio da Fundação Universitária José Bonifácio – FUJB e do Banco do Brasil, realizou nessa quarta-feira, 22 de agosto, o seminário “Humanismo em questão: Impasses em tempos de barbárie”, que contou com a presença de Marcelo Corrêa e Castro, decano do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFRJ – CFCH; Pedro Paulo Oliveira, professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFRJ; Joel Birman, professor do Instituto de Psicologia – IP/UFRJ e Marildo Menegat, professor da Escola de Serviço Social – ESS/UFRJ; como debatedores da mesa.

O decano Marcelo Castro disse que a idéia para o tema surgiu após uma entrevista que deu para o Jornal da UFRJ, em fevereiro de 2007, sobre o papel das ciências humanas na universidade: “Propus que se fizesse um seminário que relacionasse o humanismo e a barbárie de forma mais diversificada e abrangente”, declarou. O decano também comentou a importância das ciências humanas em uma universidade como a UFRJ, que quer se transformar em uma instituição mais aberta e inclusiva.

O professor Pedro Paulo Oliveira disse que o Humanismo geralmente é pensado como um movimento literário filosófico que nasceu basicamente na Itália no final do século IV. A partir daí se difundiu para os demais países da Europa, tornando-se base da cultura moderna: “Em uma outra perspectiva, podemos pensar o Humanismo como qualquer pensamento filosófico que tenha como fundamento a natureza humana, seus limites e interesses”, observou Pedro. Mas o Humanismo, para o professor, também pode ser tecnologizante: “Há duas vertentes: uma do homem como explorador da natureza através da técnica; e outra do homem histórico, que enfatiza todos os estudos e disciplinas que fundaram as ciências humanas”, afirmou.

Segundo Pedro Paulo, o homem vive uma eterna dualidade: “Sartre dizia que o homem é fundamentalmente o desejo de ser Deus. Nessa idéia temos, ao mesmo tempo, o homem divinizado e o divino humanizado”, declarou. O que é importante nessa vertente existencialista, de acordo com o professor, é pensar que o homem é, ao mesmo tempo, o problema e a solução para este problema.

O professor afirmou que na civilização ocorre um contínuo processo de pacificação, que em função de uma série de transformações sociais, tem a possibilidade de pacificação civil através do Estado: “Nas minhas pesquisas sociológicas sobre violência e consumo de drogas, constatei que nossa sociedade civilizada reúne uma série de elementos contraditórios que representam a dicotomia civilização-barbárie. Portanto, podemos classificar algumas formas de dominação internas das cidades como pré-modernas” concluiu Pedro.

O professor Joel Birman contou que nos anos 1950 a palavra Humanismo foi banida do vocabulário pela chamada Revolução Estruturalista, por ser classificada como uma ideologia atrasada e marxista. Segundo o professor, a palavra barbárie está na moda, logo é essencialmente moderna quando passamos a caracterizar a pós-modernidade como marcada pela barbárie.

Para Birman a nova idéia sobre a dicotomia é que a barbárie se torna interior à civilização, e não exterior: “Foi sendo construída uma autonomia da técnica em relação a qualquer outro tipo de pensamento e desconstruindo a idéia de civilização como progresso propriamente dito”, observou o psicólogo.

Ao tratar sobre a figura do refugiado, Joel afirmou que o refugiado não é mais somente aquele indivíduo que perdeu o reconhecimento da cidadania pelo Estado de origem: “Atualmente somos todos refugiados, porque todos nós perdemos os direitos e fomos segregados pelo planejamento estatal. Constituiu-se uma civilidade com um processo de barbárie que produz refugiados e, potencialmente, o processo de globalização nos transformou mais ainda em refugiados. Podemos perder nosso lugar social a qualquer momento, temos uma vida útil que está começando aos 30 anos, não temos um funcionalismo penal que garanta nossos direitos. Vivemos em uma sociedade de risco.”, lamentou Birman. O professor também comentou que os refugiados não são apenas os moradores de comunidades carentes, mas também um novo “personagem” criado pela pós-modernidade: o homem sem caráter: “Quando digo ‘homem sem caráter’ não é ‘mau caráter’, é o sujeito que perdeu a espinha dorsal de certos valores porque ele é obrigado a se virar para se readaptar aos fluxos e refluxos do mercado e garantir sua sobrevivência”, explicou Joel.

O psicólogo afirmou que a sociedade se insere em relações interpessoais de animalidade onde uma das conseqüências é a eliminação dos ‘indesejáveis’ (pobres, fedorentos, mal-educados): “Perspectivas? Não sei. A única coisa que sei é que eliminamos pela criminalização e fortalecemos o Estado Penal em escala internacional”, disse Joel Birman.

Já para Marildo Menegat, o campo do Humanismo é legado dos gregos; e foi na tragédia grega que se evidenciou a relevância da morte, a força da natureza sobre o homem e, principalmente a afirmação do direito que todos têm de chorar pelos seus mortos e enterrá-los.

O professor utilizou as “pietá” – classificação de arte barroca que coloca Jesus Cristo totalmente distante do seu instrumento de morte, a cruz. – como discurso para a relação de Humanismo e morte: “A separação entre Jesus e o instrumento de morte é importante porque a cruz representa o sacrifício humano, ela sempre significou meio de adoração ao sacrifício. Esse sacrifício pode ser interpretado como a imposição ao ser humano das formas sistêmicas de trabalho”, concluiu Menegat. Segundo Marildo, a palavra trabalho vem do grego tripari que significa sacrifício. Portanto a cruz pode ser tida como uma ferramenta de adestramento religioso ao trabalho: “A intenção das ‘pietá’ no período renascentista era mostrar que separando Cristo da cruz, o homem agora estava livre para escolher a sua forma de trabalho”, disse o professor.

Em seguida, Marildo mostrou uma coleção de imagens de “pietá” famosas, para constatar suas conclusões: “Nas ‘pietá’ não se chora o Filho de Deus e sim um homem morto. Algumas ‘pietá’ possuem ao fundo da pintura uma cidade que sugere a força da natureza como morte inevitável, porém os homens também podem matar”, disse Menegat enquanto comentava as imagens.

Segundo o professor, Michelangelo foi um grande destaque entre autores de “pietá” e ousou até esculpir uma ‘pietá’ em que ele próprio aparava o Cristo morto, para não deixar dúvidas de que aquele Cristo era humano.

Marildo Menegat afirmou que a barbárie é constitutiva da sociedade: “Nenhuma civilização atravessou a história livre de barbáries. Atualmente a barbárie se tornou a regra, porque a pós-modernidade perdeu a medida”, lamentou.

No ápice do seminário Menegat conseguiu comover toda a platéia: “Qual não foi meu espanto ao ver a máquina de guerra do Estado apontada para o Complexo do Alemão e no meio do massacre encontrei uma ‘pietá’”, Marildo mostrou uma foto publicada na imprensa de moradores carregando um corpo envolto em um lençol branco e ensangüentado: “Essa ‘pietá’ nos prova o contrário do que o governo e a imprensa tentam nos convencer, de que lá nada humano existe. Nesse dia morreram 19 pessoas, que foram classificados como ‘todos bandidos’ pelo governador e pelo chefe de polícia. Em um show da cantora Marisa Monte o secretário de segurança do Rio de Janeiro foi aplaudido de pé durante cinco minutos. Eram aplausos para a barbárie” relatou Menegat.