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UFRJ discute crise da aviação no Brasil

 
Componentes da mesa, e/d:
Respício Espírito Santo, Felix Mora
Camino, Anderson Ribeiro Correia, 
Elnio Borges Malheiros e Elton
Fernandes.
 

A crise do setor aéreo brasileiro segue com força nos veículos de mídia nacionais e internacionais, motivada pelo recente acidente da TAM em Congonhas, que resultou em 199 mortes. Com o intuito de debater a crise, o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ) recebeu especialistas das áreas de transporte e aviação para um seminário, que ocorreu nesta segunda-feira, dia 9 de agosto.

O evento foi mediado pelo professor Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe. Estiveram presentes Felix Mora Camino, professor da École Nationale de l’Aviation Civile da França; Elton Fernandes, professor do Programa de Engenharia de produção da Coppe; Anderson Ribeiro Correia, professor do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e presidente da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Transporte Aéreo (SBTA); Respício Espírito Santo, professor colaborador da Coppe; e o comandante Elnio Borges Malheiros, presidente da Associação dos Pilotos da Varig.

De acordo com os especialistas, o governo brasileiro é o grande responsável pela situação de caos em que se encontra a aviação civil brasileira, junto à ausência de mais pesquisas e planejamento relacionados ao setor aéreo. Além disso, para os presentes no debate, também falta articulação entre os órgãos responsáveis pela regulação do setor – como a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a Infraero e o Conselho de Aviação Civil (Conac).

Excesso de tráfego
Desde a quebra da Varig e a desregulamentação do setor de transporte aéreo no início da década de 90, houve um aumento significativo do movimento nos aeroportos, resultando em uma sobrecarga nas demais empresas que absorveram esse contingente de passageiros, sobretudo em Brasília e em Congonhas.

“O governo é culpado pela crise, uma vez que possui a delegação da sociedade para cuidar de problemas como esse. Não consigo culpar as empresas, por exemplo, de otimizar suas operações, em São Paulo e em Brasília, a fim de aumentar seus lucros. Essas condições são permitidas e cabe ao governo as evitar, regular e impedir”, declarou Elton.

Para Elnio, com a ausência da malha de vôos da Varig, essa concentração da demanda para as linhas TAM e GOL intensificou o uso de equipamentos e causou uma sobrecarga das rotinas de manutenção. “Desde 1990, o Estado brasileiro se tornou omisso com relação ao transporte aéreo. A desregulamentação do setor aéreo foi feita com total afastamento do Estado da atividade, inclusive usando isso como pretexto para deixar de investir em infra-estrutura”, afirmou o comandante. 

O Código Brasileiro de Aeronáutica, através do Artigo 188, dá permissão ao Estado para intervir nas concessionárias de transporte aéreo por razões econômicas (financeiras) ou operacionais, as quais possam colocar em risco a continuidade dos serviços, a segurança do transporte e a sua eficiência, que são os três pilares de interesse da sociedade.

Embate entre técnica e política
Em 30 de outubro de 2003, na reunião do Conac que aprovou um conjunto de resoluções para a aviação civil no Brasil, os comandos da Aeronáutica já manifestavam extrema preocupação com o esvaziamento do setor em termos de recursos financeiros e humanos. Já eram citados problemas de capacitação dos profissionais, de contingenciamento das verbas federais, entre outros.
 
Desde então, o conselho não voltou a se reunir novamente e todos os prazos estabelecidos naquele ano para a execução das resoluções foram descumpridos. “O que vemos no Conac de 2007 são ainda mais prazos. Eu fiz as contas, são mais de 1300 dias onde nada foi feito. Das duas uma: ou existe uma completa ignorância com relação à importância da aviação civil para a sociedade e economia brasileiras, ou uma total falta de vontade política com relação ao setor. Eu ficaria com as duas opções”, declarou Respício.  

Segundo o professor, a nomeação de cargos da Anac foi feita erroneamente por critérios políticos, resultando em uma ignorância técnica das autoridades passadas e presentes. “Desta forma, qualquer um aqui nesse auditório, com exceção dos especialistas sentados à mesa, poderia ser diretor da Anac”, provocou. Segundo Respício, o Supremo Tribunal Federal já declarou que o presidente da república possui poderes para destituir a diretoria da agência. E ele reforçou: “Questões técnicas não podem ser resolvidas pelas vias políticas e vice-versa”.

Faltam pesquisas
Para Elton, o setor aéreo possui uma quantidade grande de informações que, no entanto, são pouco analisadas ou estudadas. “A crise, o aumento do risco aéreo, tem origem na nossa ignorância”, afirmou ele. Na literatura internacional, por exemplo, há vários estudos na área. No Brasil, por outro lado, poucas pessoas têm acesso a dados sobre incidentes, registros de acidentes etc. Anderson acrescentou: “falta conhecimento, planejamento e pesquisa”.

O professor do ITA citou como exemplo as discussões sobre a construção de um novo terminal no aeroporto de Congonhas. Segundo ele, desde 2002, estudos do Instituto já mostravam que não é possível operar um terceiro terminal sem uma terceira pista.

“Seria inútil um terminal a mais sem uma nova pista, Congonhas se tornaria um depósito de pessoas que não conseguiriam ser transportadas”, explicou Anderson. Para ele, a Infraero parece não ter dado ouvidos aos especialistas à época e apenas agora, após o acidente com o vôo da TAM, é que a empresa resolveu construir a terceira pista.