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Indústria da saúde é tema de palestra do Ministro da Saúde na UFRJ

  

O Ciclo de Conferências Vesalius, que ocorre em todas as primeiras sextas-feiras de cade mês no auditório do bloco F do Centro de Ciências da Saúde, no campus do Fundão, trouxe na mais recente edição um palestrante ilustre: o Ministro da Saúde José Gomes Temporão. Na tarde do dia 03 de agosto, seguindo a lógica da conferência, na qual o Programa de Pós-Graduação em Ciências Morfológicas da UFRJ propõe aos convidados que fujam de temas específicos da ciência, o ministro do governo Lula e médico formado pela UFRJ expôs algumas de suas considerações sobre vertentes polêmicas no setor de saúde: o concentrado complexo produtivo que abrange indústrias farmacêuticas e as estratégias de publicidade de produtos e serviços de saúde.

Temporão discutiu o tema “Saúde, Cultura e Desenvolvimento”. “É sempre bom sair da rotina de ministro e poder conversar sobre outros assuntos”, revelou o também doutor em saúde pública pela Fundação Oswaldo Cruz. Os temas escolhidos para a conferência foram estudados por Temporão em sua dissertação de mestrado e em sua tese de doutorado e, segundo ele, são centrais na nova política de saúde brasileira que pretende apresentar ao presidente Lula:

– A saúde pública brasileira passa por um momento de grande vulnerabilidade. A grande dependência do Brasil em relação a fármacos, medicamentos e vacinas para o mercado externo é preocupante e configura um quadro que necessita ser revertido – explicou Temporão. Segundo ele, há 20 anos, o Brasil detinha 60% da produção de fármacos, as matérias-primas para remédios, que circulava no mercado nacional. Já hoje o país é responsável por apenas 20%, o que para ele representa uma perda de competitividade no setor.

As regras de produção, financiamento e distribuição vigentes no capitalismo, para o ministro, hoje também se aplicam a saúde, “visivelmente mercantilizada”. O panorama do complexo produtivo da saúde também se alterou significativamente em virtude de avanços tecnológicos, de mudancas demográficas e da reconfiguração do parque empresarial, a partir de aquisições, fusões e internacionalizações de indústrias e serviços de saúde. Sobretudo, houve – e ainda há – uma crescente “medicalização da vida cotidiana”, segundo Temporão: cada vez mais o “olhar médico” se faz presente em diferentes aspectos da rotina da população, inclusive abrangendo questões políticas, econômicas, de hegemonia de poder e de culturas.

A principal razão apresentada por Temporão para a defasagem do complexo produtivo nacional da saúde, que engloba desde vacinas, hemoderivados e reagentes para diagnósticos, até equipamentos médicos e prestadores públicos, privados e filantrópicos de serviços de saúde, é o hiato tecnológico existente entre o Brasil – e outros países em desenvolvimento – e os blocos econômicos da União Européia e do Nafta (Estados Unidos, Canadá e México).

– Metade da indústria de fármacos e imunobiológicos mundial se encontra somente nos EUA. A baixa capacidade de inovação em saúde dos países mais pobres acirra ainda mais o abismo presente no mercado internacional. Se aparentemente esse mercado se mostra fragmentado, em virtude da existência de diversas indústrias, é bom saber que somente quarenta produtores detêm 80% do mercado. É uma concentração brutal. Trata-se de um oligopólio cujos gastos exorbitantes são direcionados ao lancamento de novos produtos, aos cuidados com a proteção patentária e, principalmente, ao marketing.

Esse marketing, dentro do qual a publicidade se inclui como estratégia primordial, também mereceu a atenção do ministro na Conferência Vesalius. Para ele, mídia, saúde e cultura estão intimamente ligadas e os diferentes tipos de publicidade na área de saúde, que compreendem remédios voltados para médicos e para o público consumidor em geral, além dos planos de saúde, das propagandas institucionais do governo e as implícitas de laboratórios, têm crucial importância no consumo dos produtos à disposição no mercado:

– A publicidade é o cimento, a amálgama que interliga a produção ao consumo. As propagandas médicas, assim como as outras, seguem o que Karl Marx já dizia há quase dois séculos: criam novas necessidades de consumo, incitando a afeição do sujeito pelo objeto. A demanda de produtos e serviços médicos realmente é influenciada pela propaganda: uma pesquisa revela que, dentre os medicamentos mais difundidos junto ao público, cerca de 50% de sua venda é direta, sem indicação de médicos – enumera. A internet é uma ferramenta poderosíssima nesse processo de difusão da publicidade de saúde, segundo Temporão.

A política que pretende implementar baseia-se na instauração de um novo marco regulatório no setor de saúde, que aproveite estrategicamente o poder de compra do Estado e que altere parâmetros de negociação – o caso do medicamento Efavirenz é emblemático nesse sentido: para dar sustentabilidade ao eficiente programa brasileiro de tratamento da AIDS,  o governo apelou para o licenciamento compulsório e passou a comprar o genérico, feito na Índia, atingindo uma economia anual de 30 milhões de dólares. O ministro visa também estreitar as esferas de pesquisa – na qual se incluem as instituições acadêmicas como a UFRJ – e as de produção e patentes, visando sobretudo o aumento da competitividade da indústria nacional.

– O que dá consistência a todo esse complexo é o saber médico, o conhecimento gerado pelas instituições acadêmicas. Daí sua enorme importância. É necessário aproximar o mundo da pesquisa, no qual o Brasil se posiciona relativamente bem, em 10º no ranking, com o da produção efetiva de insumos e medicamentos – revela, acentuando a necessidade de investimentos no setor acadêmico. De acordo com o ministro, “a Anvisa necessita rever seus critérios para investir em fármacos desenvolvidos pelas universidades, para que o gigantesco potencial que elas têm seja aproveitado e não esbarre em questões burocráticas e estruturais”.

“Uma mudança de paradigma é fundamental”, sublinhou Temporão, ao afirmar que o modelo de gestão pública hospitalar existente hoje no Brasil é “quebrado”. Segundo ele, o fato de especialistas não poderem ser contratados por unidades hospitalares porque seus cargos são inexistentes na administração governamental e de medicamentos perderem seu prazo de validade evidenciam a falência do sistema, contra o qual ele vem se empenhando. “Não sou um ministro polêmico. A realidade, sim, que é polêmica. Não ficarei passivo diante dela, vim para tentar mudar alguma coisa”, concluiu Temporão, inevitavelmente com ares de ministro.