A expansão de estudos que pretendem promover o aproveitamento integral dos alimentos, em especial dos vegetais, é notória. Diversas análises vêm comprovando que muito do que é descartado pode desempenhar, no cardápio diário, papel fundamental como fonte alternativa de nutrientes indispensáveis à saúde humana. Testada pela professora da UFRJ, Maria Cristina Freitas, do Instituto de Nutrição Josué de Castro, em conjunto com Matilde Pumar, professora da UERJ, além de alunos de graduação e pós-graduação, a semente de abóbora saiu do lixo para os laboratórios, revelando-se rica em fibras alimentares e minerais, o que a coloca no grupo de alimentos que, antes desperdiçados, hoje não apenas enriquecem a refeição do brasileiro, carente de fibras, mas auxiliam na prevenção e tratamento de inúmeras patologias.
Não é novidade a importância nutritiva da abóbora, que já denotava inúmeros benefícios, contendo fibras em sua casca e carotenóides em sua poupa. Porém, descobriu-se que ela pode ser um alimento completo, nutricionalmente falando, e que uma fração saudável do fruto não era aproveitada.
— A abóbora (Cucurbita máxima, L) possui a polpa alaranjada, sendo rica em um pigmento natural denominado carotenóide — de cor amarelo-alaranjado presente em algumas frutas, legumes e vegetais verdes escuros. É a provitamina A, participando no processo visual, manutenção do tecido epitelial, manutenção do crescimento e reprodução, mecanismos imunológicos, além de ter ação antioxidante — destaca Maria Cristina Freitas.
O uso de sua semente já era conhecido na medicina popular como anti-helmíntico, ou seja, no tratamento de vermes, embora haja ressalvas na literatura científica. Mas seus benefícios vão além, como demonstraram as pesquisas, realizadas há mais de 13 anos e que geraram, além de duas teses de mestrado, dezenas de trabalhos em Congressos de Nutrição e de Ciência e Tecnologia de Alimentos. No estudo liderado pela nutricionista Maria Cristina Freitas, focado na análise de fibras alimentares sob os aspectos tecnológicos, nutricionais e educacionais, a semente foi verificada por configurar-se como fonte naturalmente rica em fibra alimentar e por possuir aroma característico de amendoim, após torrefação, com potencial aplicação em produtos ou preparações alimentícias.
A semente, consumida geralmente como petisco em sua forma torrada, temperada com sal, passou a ter nova configuração, sendo triturada para tornar-se farinha, permitindo agregá-la ao consumo de outros alimentos, enriquecendo-os. A nutricionista identificou grande vantagem em utilizar a farinha de semente de abóbora (FSA), em detrimento da farinha tradicional.
— A semente de abóbora apresenta alto teor de fibra alimentar (acima de 23%), e também elevado teor de minerais (4,0%). Observa-se assim que a farinha de semente de abóbora tem maior teor de fibra que o feijão, lentilha e outras leguminosas e também maior quantidade de minerais que as farinhas tradicionais, sobretudo as refinadas, muito utilizadas no fabrico de produtos — explica a pesquisadora.
Vantagens da fibra alimentar
A presença de fibras na semente da abóbora foi constatada em grande quantidade, como observou a nutricionista, e essa é uma das principais razões para ela complementar o prato do brasileiro. Isso porque a fibra alimentar pode atuar na prevenção de doenças intestinais, como constipação, doença diverticular, hérnia hiatal, e até mesmo câncer de cólon.
— A fibra alimentar pode exercer efeitos fisiológicos como ação laxante, proporcionando aumento do bolo fecal, pode atuar na redução do colesterol e da glicemia sangüínea. Animais submetidos a dietas com FSA apresentaram maior excreção de fezes, redução da glicemia sérica e triacilgliceróis, comprovando os efeitos já descritos na literatura para as fibras alimentares de outras procedências vegetais — exemplifica a professora.
Ela também pode ser considerada coadjuvante no tratamento e controle do sobre peso e obesidade, já que promove sensação de saciedade. O consumo adequado de fibras também vem sendo associado à redução do risco de doenças crônico-degenerativas não transmissíveis, como doenças cardiovasculares, diabetes e dislipidemias, ou seja, alteração de lipídeos.
O zinco, mineral encontrado na semente da abóbora, também proporciona melhorias na saúde do homem, já que influencia muito nos sistemas e funções corporais, incluindo crescimento, formação de ossos, desenvolvimento fetal, função sensorial, mecanismos imunes, cicatrização de feridas, estabilidades de membranas e em função enzimática
Fácil obtenção
O processo de obtenção da farinha à base de semente de abóbora é bastante simples. A semente deve ser separada do fruto, sendo seca e torrefada em fogo brando por dez minutos até apresentar cor ligeiramente dourada e desprender aroma característico. Depois é deixada em temperatura ambiente para resfriar, triturada em liquidificador doméstico e, após, passada em peneira, tendo seu resíduo novamente passado em liquidificador até obtenção de uma farinha fina.
— A farinha de semente de abóbora (FSA) pode ser aplicada em produtos alimentícios conferindo maior teor de fibra alimentar. Assim, substitui a farinha de trigo nas formulações. O grupo elaborou vários biscoitos, bolos, brevidade, panetone. Todos com excelente aceitação pelo consumidor — garante Maria Cristina Freitas.
Novas fontes
Atualmente já é feito um trabalho com outra farinha naturalmente rica em fibra obtida da entrecasca da melancia e de talos de hortaliças. “Foram feitos testes biológicos onde os animais mantiveram o crescimento ponderal adequado e reduziram o nível de colesterol e triacilgliceróis. Eles apresentaram aumento do bolo fecal, o que é benéfico à saúde das células do intestino grosso e do ambiente luminal. Agora estamos elaborando produtos alimentícios”, encerra a especialista.