Foto: Agência UFRJ de Notícias |
O psiquiatra Miguel Chalub abre a
rodada de perguntas
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Foi realizada nessa sexta-feira, 27 de julho, mais uma sessão do Centro de Estudos do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, coordenada pelo doutor Elie Cheniaux (professor da UFRJ e UERJ) que discutiu o tema: “O Transtorno Esquizoafetivo realmente existe?”.
O professor iniciou a palestra pontuando a história dos critérios psiquiátricos para a classificação do Transtorno Esquizoafetivo (TE). Explicou que o Research Diagnostic Criteria – RDC classificava o TE como a presença de um sintoma esquizofrênico somado a uma síndrome afetiva simultânea, mas o ponto principal era outro: “O importante é que o Transtorno Esquizoafetivo se classificava em dois sub-tipos: o Principalmente Esquizofrênico, em que o sintoma esquizofrênico continua presente mesmo na ausência de uma síndrome afetiva; e o Principalmente Afetivo, em que o sintoma esquizofrênico e afetivo estavam presentes concomitantemente”, afirmou Cheniaux.
Elie relatou que no Composite International Diagnostic 9 – CID 9, o TE era apenas considerado um sub-tipo de esquizofrenia. Já no CID 10, tornou-se uma categoria nosológica independente e seus critérios assemelharam-se aos do RDC, preservando a divisão entre Principalmente Esquizofrênico e Principalmente Afetivo: “Embora o Transtorno Esquizoafetivo tenha se destacado de outras patologias mentais no CID 10, ainda ocupava o mesmo grupo dos Transtornos Psicóticos, e não um capítulo separado como os Transtornos de Humor (TH)". O professor prosseguiu dizendo que no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders III – DSM III, de 1980, não havia critério diagnóstico para TE, embora houvesse essa categoria incluída na classificação: “Estava estipulado que quando não se conseguia enquadrar os sintomas nas características da Esquizofrenia, nem em Transtornos de Humor, classificava-se como Transtorno Esquizoafetivo, mas sem critérios específicos”, disse o doutor.
Para o médico, a importante novidade no DSM III é que caso houvesse uma síndrome afetiva com sintomas psicóticos incongruentes com o humor — por exemplo, a mania com idéia de perseguição e não apenas idéia de grandeza — a classificação seria TH. O coordenador destacou que no DSM III-R e no DSM IV (atual), o TE possui critérios diagnósticos específicos e é muito semelhante aos do RDC Principalmente Esquizofrênico, porque exige a permanência de sintomas esquizofrênicos para a constatação da patologia: “Mas o Transtorno Esquizoafetivo Principalmente Esquizofrênico do RDC, passa a ser o Transtorno de Humor do DSM IV”, explicou Elie.
Na conclusão das pesquisas psicopatológicas que envolvem o TE, o psiquiatra observou que, independentemente da classificação utilizada, a fidedignidade do diagnóstico é muito baixa, ou seja, o grau de concordância entre inúmeros avaliadores que examinam um mesmo paciente é pífio.
Segundo Cheniaux, os estudos sobre TE discutem se este é meramente um sub-tipo de Esquizofrenia; um sub-tipo de TH; Esquizofrenia e TH simultâneos; uma psicose independente; se os pacientes esquizoafetivos formam um grupo heterogêneo, do qual fazem parte tanto pacientes esquizofrênicos quanto com TH; ou se haveria um continum entre esquizofrenia e TH, sendo o TE somente um ponto intermediário nesse modelo dimensional. Porém o professor deixa bem clara a improbabilidade do TE ser uma forma de Esquizofrenia: “Embora existam estudos mostrando que alguns pacientes esquizoafetivos não se distinguiram dos esquizofrênicos, houve muitos estudos em que se distinguiram sim e outros em que a indistinção era relacionada ao Transtorno de Humor. O mesmo serve para a possibilidade do Transtorno Esquizoafetivo ser uma forma de Transtorno de Humor.”, explicou o médico.
O professor também afirmou que o desenvolvimento e a manifestação do TE são impossíveis sem histórico de transtorno mental prévio: “O paciente que recebe um diagnóstico de TE agora, provavelmente recebeu alguns no passado e receberá outros no futuro. É quase certo que futuramente acabe evoluindo para uma patologia crônica — Esquizofrenia, por exemplo. Esses pacientes não permanecem muito tempo esquizoafetivos, há uma grande instabilidade, os sintomas se alteram e mudam o diagnóstico”, declarou o doutor. Porém Cheniaux esclareceu que o que acontece entre o TE e outras doenças mentais são alternâncias; o TE jamais é gerado ou gera outras patologias.
Segundo as pesquisas do coordenador, os estudos genéticos têm falhado em distinguir TH de Esquizofrenia, especificamente o Bipolar — apresentação de um Episódio Maníaco ou Episódio Misto, com possibilidade de ocorrência para Episódios Depressivos Maiores — apesar dos dados mostrarem que realmente existe uma diferença muito grande entre Esquizofrenia e Transtorno Bipolar. Portanto, é praticamente impossível constatar o TE através de exames genéticos, já que se trata de uma patologia mental tão semelhante a outras.
Elie Cheniaux finalmente respondeu a pergunta tema da palestra: “O Transtorno Esquizoafetivo não existe como patologia, e sim como uma denominação para um conjunto de sintomas — assim como a Esquizofrenia e os demais transtornos — é apenas um conceito”, explicou. O professor completou dizendo que o paciente não precisa se preocupar com o diagnóstico, pois o tratamento é orientado pelos sintomas. Caso ele esteja apresentando TE Principalmente Afetivo, será tratado como o paciente que apenas possui TH, devido a proximidade sintomática. Para o doutor, o importante é classificá-lo como não esquizofrênico, visto que a Esquizofrenia e a esquizoafetividade Principalmente Esquizofrênica possuem tratamentos distintos.
O coordenador não acha desnecessária a denominação “Transtorno Esquizoafetivo”, mas fez uma sugestão para a Comissão Psiquiátrica Internacional: “Seria essencial que no lançamento dos próximos DSM e CID estejam especificadas as variações Transtorno e Episódio Esquizoafetivos”, disse. Elie explicou que atualmente, sem essa diferenciação, a maioria dos casos esquizoafetivos tratados como transtorno, são na verdade episódios, o que impossibilita um aprofundamento no estudo do TE e seus reais sintomas.
A Esquizofrenia, segundo o doutor, ainda possui maior número de casos que o TE. Mas essa prevalência se deve em grande parte à dificuldade de diagnóstico: “Muitos psiquiatras evitam constatar o Transtorno Esquizoafetivo devido a polêmica que envolve o processo classificatório”, afirmou Cheniaux.
O psiquiatra declarou que a pré-disposição para o TE, assim como algumas doenças mentais, tem origem hereditária. Estudos comprovaram que um paciente que possui muitos casos de esquizofrenia na família, tende a manifestar o TE. Mas não é certo que haja desenvolvimento da doença, assim como nos casos de Diabetes ou Pressão Alta.