O brasileiro está preocupado com a Previdência Social. Diariamente, a grande mídia ajuda a corroborar essa preocupação: reportagens que alardeiam a necessidade de o país aumentar o número de contribuintes a fim de diminuir o déficit nesse sistema de seguridade social são cada vez mais comuns.
O que a imprensa nacional não divulga ou divulga pouco é a ausência de consenso entre os especialistas sobre a situação da previdência brasileira. Denise Gentil, docente do Instituto de Economia da UFRJ, realizou um estudo que, ao incluir tributos como a Cofins, a CPMF e a Contribuição sobre o Lucro Líquido no cálculo dos saldos previdenciários, contrariou a versão oficial do governo federal e concluiu que, em vez de ser deficitária, a Previdência Social funciona com superávit no Brasil.
Em entrevista ao Olhar Virtual, Denise Gentil afirma que a mídia trata os assuntos relacionados à seguridade social de forma pouco esclarecedora e superficial, agindo em concordância com as intenções das seguradoras e dos fundos privados de aposentadoria complementar que desejam dividir o mercado e, para isso, propagandeiam a falência da Previdência. Confira abaixo as demais opiniões da professora sobre o tratamento dispensado pela grande mídia ao tema da Previdência Social.
Olhar Virtual: Como a Sra. avalia a abordagem da mídia sobre a Previdência?
Denise Gentil: A grande mídia age de forma pouco esclarecedora. O tema comporta várias interpretações, mas não se abre espaço para o pluralismo das idéias, optando quase sempre pela apresentação unilateral de uma abordagem. O resultado disso é uma visão parcial e superficial, às vezes até mesmo grotesca, de um tema da mais alta relevância para a vida das pessoas e que merece um tratamento mais responsável por parte dos formadores de opinião.
Olhar Virtual: A mídia, no geral, omite dados importantes? Quais seriam eles?
Denise Gentil: Não se trata meramente de omitir dados. Trata-se se sancionar determinados discursos que atendem a interesses muito particulares. No caso da Previdência, por exemplo, a grande mídia, recorrentemente, dá divulgação maciça, sem o menor espírito crítico, a um discurso favorável à reforma da previdência como se fosse o caminho único, definitivo e irrefutável para resolver as mazelas do problema fiscal da economia brasileira. A mídia dá amplo espaço para que se generalize a idéia de que temos um sistema previdenciário recheado de privilégios e injustiças, assim como endossa a noção de que vamos nos defrontar com um dramático problema demográfico de envelhecimento da população no futuro próximo, para o qual temos que nos preparar desde hoje, fazendo reformas que, na essência, implicarão no cerceamento de direitos que hoje asseguram a preservação, ainda que precária, da cidadania. O tema da reforma da previdência está, entretanto, longe de ser consensual. Essa é apenas uma das interpretações que se pode dar ao sistema previdenciário. Existem outros discursos que contrariam essa visão, mostrando que temos um sistema previdenciário com uma arquitetura financeira sólida e diversificada e que tem atuado como um mecanismo importante de suporte de renda a uma vasta parcela da população. A questão demográfica também pode ser perfeitamente contornada pela sociedade e sequer constitui-se num problema. Uma mídia séria optaria por expor a polêmica diante da sociedade, de forma clara, quase pedagógica, para que a sociedade tome sua posição diante dos reais problemas que enfrenta.
Olhar Virtual: O que, na sua opinião, leva a mídia a tratar o assunto da maneira como o trata? Que interesses estariam envolvidos nessa abordagem?
Denise Gentil: Há uma luta por conquista de mercados, estabelecida por parte das seguradoras e dos fundos privados de aposentadoria complementar, para capturar uma parcela de consumidores que hoje é atendida pelo governo federal. Essas empresas do setor financeiro fazem campanha para denegrir a imagem da Previdência e querem dividir o mercado. Para elas, o ideal seria o Estado ficar com a assistência dos mais pobres dentre os pobres, concedendo benefícios de nível muito baixo, deixando para o mercado o atendimento da fatia dos assalariados de renda média e alta, a mais lucrativa. Para fundos e seguradoras, não é preciso privatizar integralmente a Previdência, como fez o Chile na década de 1980 e que não deu certo, aliás. No nosso caso, basta dificultar o acesso aos benefícios e, simultaneamente, deteriorar o valor das aposentadorias acima do salário mínimo, para que, aqueles que podem, sejam forçados a procurar formas de complementar suas rendas futuras com seguros privados ofertados pelo mercado. Abre-se, com isso, uma grande possibilidade de mercado para fundos de pensão e seguradoras.