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Dura realidade de canavieiros é exibida em documentário

O encontro Trabalho na Agroindústria da Cana, que debateu a realidade dos lavradores da zona canavieira, aconteceu ontem, dia 15 de maio, no Salão Moniz de Aragão, no Forum de Ciência e Cultura da UFRJ. Resultado da parceria entre o Instituto de Economia (IE-UFRJ) e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cosmópolis (São Paulo), o evento reuniu universitários, professores, dirigentes sindicais e representantes de ONGs e movimentos sociais. Na ocasião foi exibido o documentário “Quadra Fechada”, dirigido pelo professor do IE, Beto Novaes, seguido de debate que complementou o vídeo. O coordenador do FCC, Carlos Antonio Tannus, inaugurou o evento.

O documentário aborda o sistema de quadra fechada, um método inovador que determina a quantidade de cana cortada – e, consequentemente, a remuneração do trabalhador – baseado na multiplicação da área cortada pela pesagem da cana. Esse novo sistema, atualmente implantado apenas na usina Éster, em Cosmópolis, foi aprovado pelos trabalhadores rurais, como mostrou o vídeo, uma vez que toma como parâmetro a maior pesagem de cana para fazer o cálculo, ou seja, a referência é a área mais produtiva da fazenda.

O filme também enfatizou a fiscalização imposta pelos trabalhadores rurais da usina Éster aos “patrões”: os lavradores exigem, a cada início de ano, um mapa agronômico da fazenda e o computador do sindicato de Cosmópolis tem uma ligação direta com a balança da usina, possibilitando assim a fiscalização e o controle da produção canavieira. Tanto é que os salários da usina Éster são significativamente maiores: enquanto ali eles recebem entre R$ 1.200 a R$ 1.500 por mês, nas outras usinas paga-se R$ 700,00. 

Para o professor Beto Novaes, o objetivo de seu documentário é difundir esse novo sistema de aferição da produção canavieira, divulgando a experiência dos trabalhadores da usina Éster para a sociedade como um todo e, através de oficinas, para os demais sindicatos que ainda não adotam a quadra fechada:

– O DVD é um material pedagógico e será vendido a R$ 10,00, com direito de reprodução. Você compra um, mas pode gravar 50. O objetivo é pulverizar essa experiência mesmo – afirmou o professor, que destacou a expansão e a modernização do setor canavieiro com as negociações comerciais sobre o etanol. “Está previsto o surgimento de aproximadamente 200 novas usinas de cana de açúcar até o fim deste ano”, ressaltou Novaes.

A mesa de debate foi composta, além de Beto Novaes, por dois sindicalistas atuantes da região de Cosmópolis, Carlita e Cesinha, que há mais de 20 anos vêm lutando por condições mais dignas de trabalho e por maior controle da produção e da remuneração por parte dos trabalhadores rurais. Esteve presente também uma representante da organização não-governamental Fase (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional), Maria Emília, e o professor do IFCS, Jean Pierre.

Com um discurso que emocionou seu colega sindicalista – e a todos da platéia –, Carlita se lembrou de amigos que morreram em prol da luta dos trabalhadores rurais, de sua experiência como lavradora e das reivindicações pelas quais vêm se mobilizando desde 1986. Confessou já ter sido picada por um escorpião, ter trabalhado muito doente – pois os usineiros não pagam pelo dia de trabalho se o lavrador levar atestado médico – e implorar aos seus patrões por um copo de água a cada meia hora. Para Carlita, apesar de os métodos terem mudado – com a implantação da quadra fechada – “o desejo de chicotear continua o mesmo”

– A usina não é capaz de dar uma fruta, sequer uma banana, que é uma fruta forte. Ela dá banana sim, mas de outra forma – ironizou a sindicalista, mostrando como é problemática a questão da alimentação dos trabalhadores.

Carlita também revelou não haver nenhum controle dos acidentes de trabalho. “A CUT, as federações e os sindicatos não fizeram um levantamento. O que acontece, na verdade, é a falência na representação dos trabalhadores”, acrescentou. A dirigente relatou exemplos de trabalhadores rurais que se tornaram incapacitados e disse planejar para o fim deste ano uma pesquisa sobre a idade, e de quantas safras já participaram os trabalhadores do sindicato de Cosmópolis.

O professor Beto Novaes e a sindicalista Carlita lembraram ainda da importância desse encontro. Para Beto, “o trabalho está apenas começando, e sua possibilidade de desdobramento não depende de uma ou duas pessoas, mas de todos”. Carlita acrescentou que tinha certeza que a platéia, ali presente, pensava, no momento em que via o documentário, nas condições indignas pelas quais passavam os trabalhadores rurais na roça, e ressaltou a importância do empenho e do envolvimento de cada um em sua luta.

Os sindicalistas presentes também se mostraram decepcionados com a atuação do presidente Lula, que recentemente declarou que os usineiros seriam os heróis do país. “Cada um de nós lutou muito para ter um governo que representasse os trabalhadores. E olha o que está acontecendo agora”, lamentou Carlita, que lembrou o acidente de trabalho que fez o presidente perder um dedo.

O encontro no Forum de Ciência e Cultura trouxe até mesmo estudantes de outros estados, como Juliana Guanais, que cursa o quinto ano de Ciências Sociais na Unicamp. “Já conhecia o professor Beto Novaes, por sua participação em eventos da Unicamp, e vim mesmo para conhecer seu trabalho”, disse a universitária, se referindo ao lançamento do documentário. No encontro foi lançado o livro “As novas energias no Brasil”, de Célio Bermann, publicado pela Fase.