O debate “Drogas: Dimensões Psicossociais e Políticas” ocorreu na sexta-feira, dia 18 de maio, na Escola de Serviço Social (ESS/UFRJ), na Praia Vermelha. O evento faz parte do ciclo de debates “Interlocuções: Serviço Social e Cultura”, promovido pelo Programa de Pós-Graduação da Escola e coordenado pelo docente Erimaldo Nicacio. O objetivo do debate foi estabelecer pontes, acerca da abordagem do tema, entre a antropologia e a psicanálise; representadas, respectivamente, por Gilberto Velho, do Departamento de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ, e por Viviane Tinoco, doutoranda do Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica no Instituto de Psicologia (IP/UFRJ), e pelo também psicólogo Raul Seixas, do Centro de Atenção Psicossocial — Álcool e Drogas (CAPs AD), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Do ponto de vista antropológico, o estudo das drogas exige certo distanciamento e uma visão mais complexa. “O fenômeno é difícil de ser compreendido, já que a própria categoria ‘drogas’ é segmentada e as ciências humanas, de maneira geral, têm dificuldades em estabelecer um denominador comum para a abordagem do assunto. Há, porém, na sociedade, certo consenso de que estamos falando de substâncias que alterariam o estado de consciência”, afirma Gilberto Velho. No entanto, como destaca o antropólogo, “nossa existência não é homogênea e varia em função do ocorre conosco”.
Há determinadas situações, por exemplo, que apesar de regulares, são consideradas quebras da rotina, como é o caso de uma festa. Sendo assim, segundo Velho, a normalidade em oposição ao anormal, é assunto delicado, pois o controle social, as leis e as normas são tentativas de padronizar comportamentos necessariamente diferenciados. Torna-se, portanto, difícil estabelecer o que seja “normal”, já que o conceito resulta de um processo permanente e ininterrupto da construção social da realidade, que inclui essa necessidade de classificação.
Para Gilberto Velho não há uma resposta inequívoca do que se possa entender como drogas. Quanto ao fato de serem proibidas, resultaria de tradições e interesses diversos. “Claro que não estou fazendo uma apologia do uso de drogas, mas temos que ter um cuidado intelectual ao definir e julgá-las”, afirmou. E acrescentou: “ Não seria capaz de enunciar qualquer resposta simples a essa questão. Hoje vivemos uma situação de violência, mas o que existe de mais devastador e perigoso nesse sentido é o tráfico de armas, a droga aparece como um componente forte dessa violência, mas ela não como causa em si do problema.
A psicanalítica Viviane Tinoco, por sua vez, começou sua intervenção lembrando que o fenômeno é recente como pauta das políticas públicas. Segundo ela, para entendê-lo, não é suficiente acentuar os efeitos que as drogas provocam no organismo humano, é preciso levar em conta também o sujeito que as consome e o contexto sociocultural.
Lembrando Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, para quem a vida contemporânea se dá em função do consumo, Viviane destacou que não são mais as capacidades de produção, hoje, as mais relevantes, mas as aptidões dos consumidores. “Isso traz um aspecto novo à sociedade e cria situações inusitadas como a automedicação, provocada pela idéia de que determinados medicamentos seriam capazes de produzir aquelas aptidões (calma, popularidade etc.) que o sujeito supostamente necessita”. Além disso, outros objetos, que não teriam efeitos químicos óbvios, assumem na sociedade de consumo, ligações com comportamentos compulsivos, como por exemplo, o chocolate, o jogo, o sexo, as compras e tantos outros, fazendo da dependência um fator que vai além das substâncias tóxicas e das drogas ilegais ou do álcool.
Como Freud afirma em Mal estar na Civilização, lembra, as drogas seriam uma das formas de lidar com o sofrimento humano e uma tentativa de fugir à realidade. Essas substâncias estabeleceriam barreiras com o mundo exterior, o que é extremamente perigoso. “Já atendi pessoas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) que chegaram a romper todos os laços com a realidade, passando a se relacionar apenas com substâncias tóxicas. São essas pessoas que nos propomos a tratar”, comentou Viviane. O ideal, segundo a psicóloga, é que o SUS pudesse acolher esses indivíduos. Pensar num tratamento para usuários de drogas hoje, implica tratar o paciente de maneira que ele possa controlar seu uso, ou até interrompê-lo, sem se fechar ao mundo. “A melhor opção seria a adoção das chamadas ‘estratégias de redução de danos’ — finaliza — na medida em que o paciente sendo, nesse caso, considerado responsável pelo uso das drogas pode evitar determinados danos decorrentes do seu consumo”.