A 3ª edição do ciclo Quintas de Diálogos alcançou o objetivo idealizado por seus organizadores. Sabrina Moehlecke, mediadora do encontro e coordenadora do projeto Conexões de Saberes, acredita que o propósito da discussão, o de causar uma "angústia, capaz de incomodar, de instigar as pessoas a fazer alguma coisa", foi atingido. No evento, que ocorreu quarta-feira, 16 de maio, foram convidados a pró-reitora de Extensão da UFRJ, Laura Tavares, e o coordenador-geral do Observatório das Favelas e professor do programa de pós-graduação em Geografia da UFF, Jorge Barbosa, que lideraram o debate sobre o tema Universidade: autonomia acadêmica e comprometimento político-social..
Realizado no Centro de Filosofias e Ciências Humanas, no campus da Praia Vermelha, o evento contou com a presença de universitários, professores e de vários integrantes e bolsistas do projeto Conexões, que em parceria com a UFRJ, vem organizando os debates às quintas-feiras.
Jorge Barbosa, que também é coordenador do projeto, considerou a pauta da discussão "instigante" e declarou que "o maior desafio da universidade no século XXI é a sua democratização plena". Fazem parte dessa democratização, segundo o professor, tanto a necessidade de uma autonomia acadêmica quanto a implementação de políticas que facilitem o acesso e a permanência de estudantes oriundos de comunidades populares nas universidades públicas.
– Na constituição, a universidade goza de autonomia didática, científica, administrativa, financeira e patrimonial, mas na prática tudo é diferente. Devemos discutir o modo pelo qual podemos construir efetivamente essa autonomia. É necessário encarar os estudantes como protagonistas do processo de produção e socialização do conhecimento – constatou Jorge, atribuindo também aos discentes a responsabilidade pela produção de saberes na universidade.
Para Barbosa, que já foi pró-reitor da UFF, é extremamente necessária a construção de identidade no sistema público de educação. Ele ressaltou o abismo existente entre a educação básica e o ensino superior, e acrescentou que, na universidade, os financiamentos são parcos e as bolsas, mal distribuídas. Denunciou ainda o que ele chamou de "um corporativismo perverso dentro da universidade":
– As verbas são exclusivamente direcionadas a certos grupos de pesquisas, como um ensino por encomenda, sem soberania diante do mercado. Esse é o processo silencioso de privatização que as universidades públicas atravessam. A educação, hoje, não é encarada pelo governo como um investimento, mas sim como um gasto.
A qualidade na gestão, de acordo com Barbosa, é um desafio a ser encarado pelas universidades, "congeladas pela burocracia como no século XIX". Referindo-se à desigualdade social na esfera universitária, ele ainda lembrou que apenas 9% dos jovens entre 18 e 24 anos têm acesso à universidade. Nessa pequena fatia, raramente estão incluídos pardos e negros oriundos de favelas e de periferias.
Para Barbosa, é clara a distinção social e étnica dentro da Instituições de Ensino Superior, pois estudantes de camadas populares estão concentrados nos cursos de Arquivologia, Biblioteconomia, Geografia, História e Pedagogia.
Já a professora Laura Tavares admitiu que a UFRJ não deve se acomodar no conservadorismo, aceitando tacitamente a situação em que se encontra, muito menos no que ela denominou "oposição paralisante". "Não se pode repudiar qualquer medida federal. Tem que se discutir, sim, qual é a natureza dessas medidas", aconselhou Laura, assumindo que a universidade ainda não tem um projeto concreto de democratização, mas garantiu que a pró-reitoria de Extensão está pautando um debate diferente.
Para a pró-reitora, as universidades brasileiras servem ao modelo neoliberal e reproduzem dentro delas a desigualdade política, econômica e social. Ela, que assumiu ser a favor das cotas como ação afirmativa para democratizar o acesso à universidade, ressaltou também que o projeto político-pedagógico deve ser reestruturado. "É preciso formar humanistas, e não profissionais quadrados, totalmente voltados para o mercado de trabalho". Laura Tavares afirmou que hoje o mercado valoriza o profissional de conhecimento abrangente e que sabe se expressar bem, e não somente aqueles "ultra-especializados".
Laura destacou os próximos quatro anos do governo Lula como "uma oportunidade única" para serem realizadas as modificações necessárias ao ensino superior. "Tomara que daqui a quatro anos possamos olhar a UFRJ e falar: alguma coisa mudou". Para ela, essas modificações apenas serão possíveis com a criação de uma rede universitária federal, já que hoje observa-se uma "pulverização das políticas públicas".
A próxima edição do Quinta de Diálogos se realiza no dia 31 de maio, às 14 horas, no auditório Pedro Calmon, no Forum de Ciência e Cultura, e discute o tema "Raça X Classe: o falso debate na democratização do ensino superior?". O encontro conta com a presença do professor do Programa de Pós-graduação em Economia da UFRJ, Marcelo Paixão, e da professora Virgínia Fontes, do Programa de Pós-graduação em História da UFF.
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