Chuvas fora de época, secas desvastadoras, tsunami, efeito estufa, derretimento de geleiras… Quem nunca ouviu falar desses fenômenos naturais? Pois é, o clima está mudando. Desde a década de oitenta a preocupação com o ambiente vem crescendo e cada vez se fala mais sobre as mudanças climáticas da Terra. Não faltam pesquisas, notícias e filmes sobre o aquecimento global.
Aziz Nacib Ab’Sáber, um dos geógrafos mais respeitados do país, é um intelectual engajado nas discussões sobre as questões ambientais no Brasil. Ab’saber formulou uma teoria: o aumento da temperatura que vem acontecendo, somado ao da umidade, poderia ser benéfico para as florestas tropicais.
Para comentar essa teoria e a responsabilidade do homem sobre essas mudanças climáticas, o Olhar Vital convidou os professores Ana Luiza Coelho Netto, do Instituto de Geociências do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza e coordenadora do Laboratório de Geo-Hidroecologia (GEOHECO) e Ruy Cerqueira, professor Titular do Instituto de Biologia.
Ana Luiza Coelho Netto
Professora do Departamento de Geografia do Instituto de Geociências do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza -UFRJ e coordenadora do Laboratório de Geo-Hidroecologia (GEOHECO) |
Ruy Cerqueira
Professor Titular da Escola de Biologia Especialista em ecologia |
“A teoria de Aziz Ab’saber parte do pensamento que a formação das florestas acontece durante os períodos mais úmidos da Terra. Respeito a pesquisa, mas os resultados de alguns dos meus estudos caminham em outra direção. A visão econômica de Ab’saber é simplesmente brilhante. Concordo quando ele diz que é preciso ter atenção ao se falar de aquecimento global, que se deve enfatizar as conseqüências das alterações. O processo de mudança climática do planeta é natural, o que preocupa é que hoje esta mudança está acontecendo de forma muito acelerada devido à relação do homem com a natureza. A história geológica da Terra é formada por ciclo de estabilidade que duram entre 40 mil e 100 mil anos. Porém o último período de transição aconteceu a cerca de 10 mil anos e já estamos vivendo um novo momento de instabilidade climática. Quando pesquisamos a região da Mata Atlântica, percebemos que foi nesse período de mudança, entre dez e oito mil anos atrás, que aconteceu a formação da floresta. Hoje já se perdeu a maior parte da área verde, que se estendia por quase todo o litoral. No sudeste, o processo de destruição começou há cerca de 200 anos, com a substituição desordenada da floresta por plantações de café. O homem é movido por ciclos econômicos e normalmente não acontece nenhum tipo de planejamento. Essa realidade segue até hoje. Hoje se fala em ampliação das áreas de cultivo de cana e soja. E assim como Aziz, concordo que há pessoas se aproveitando do discurso ‘Amazônia vai virar cerrado’ para expandir as áreas cultiváveis, retirando floresta descontroladamente. Existem muitos interesses econômicos em jogo. Essa falta de planejamento não acontece só na área rural: não existe na cidade do Rio de Janeiro uma política concreta de habitação. Diversas pessoas estão morando de forma inadequada e ao contrário do que se fala, essa realidade não se restringe às áreas de favelas. Todas as pessoas que moram nessas regiões estão ameaçadas, seja pelo desabamento, pela falta de saneamento, pelo lixo, etc. É neste contexto que acontecem, por exemplo, as tragédias durante as fortes chuvas de verão que afetam a cidade. Várias pessoas morrem, perdem suas casas e seguem não existindo políticas públicas eficientes o suficiente para conciliar humanidade e ambiente. É preciso que a sociedade e a universidade trabalhem juntas na elaboração de projetos de planejamento urbano para evitar novas perdas”. |
“Respeito o trabalho do pesquisador Aziz Ab’saber, ele já acertou diversas vezes. A sua teoria parte do princípio que haverá um aumento das chuvas e que isso vai viabilizar o crescimento das florestas. Supondo que isso esteja certo, temos que analisar outros empecilhos. Mesmo que a situação climática atual continue possibilitando a existência de florestas nas áreas quentes e úmidas, a natureza está condicionada pelo homem, que utiliza o solo de acordo com seus interesses econômicos. No caso do Brasil, o terreno não é rico. Existe essa ilusão devido às grandes safras que acontecem nos primeiros anos de cultivo. Porém, essa camada de nutrientes do solo está ligada diretamente à floresta: o adubo da terra vem do processo de deteriorização da matéria orgânica da própria floresta. Ao se retirar as árvores para a agricultura, o solo perde sua proteção e em poucos anos é descartado economicamente. O que é acelerado pela prática da monocultura. Então, busca-se novas terras e se reinicia o processo. Temos que pensar então, nos incentivos à produção de cana para o programa do Bio Disel. O aumento das áreas de cultivo de cana só favorecerá a destruição. Mais florestas serão desmatadas e o uso da cana como combustível não diminuirá o efeito estufa. Não haverá benefícios para o meio ambiente. Os Estados Unidos estão apostando nisso porque há um interesse político em diminuir a dependência que possuem com o Oriente Médio e com países como a Venezuela. É preciso lembrar que ainda não estamos ameaçados pelo fim do petróleo. Acabou-se de descobrir novas bacias no Estado do Rio de Janeiro e de São Paulo, ainda que não se tenha certeza sobre a amplitude. Existem estudos que prevêem que a quantidade de petróleo só se tornará realmente preocupante daqui a trinta anos. É preciso se discutir os projetos que serão capazes de substituir o petróleo, mas sem prejudicar o meio ambiente. Até porque a natureza não é capaz de se regenerar facilmente. Existe uma região no município de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, que o solo já foi extremamente explorado durante a época do café e na época do Barão de Mauá. Hoje, a área está abandonada, mas o solo está tão desgastado, que a vegetação não consegue reaparecer. Seguindo nesse ritmo a natureza entrará em colapso. As mudanças no meio ambiente não vão acontecer de forma homogenia e controlada. Em nome da preservação ambiental é essencial balancear a economia do homem e a economia da natureza”. |
Leia o Olhar Vital