Literatura se aprende na escola? A partir desta indagação e de outras, o I Seminário de Literatura, Educação e Sociedade discutiu as agruras do ensino literário nas salas de aula. O evento realizado, nesta quinta (12/04), pelo Centro de Estudos Afrânio Coutinho (CEAC), da Faculdade de Letras, contou com a participação dos estudantes que lotaram o auditório G2. Entre os problemas apontados pelos palestrantes, a popularização de “facilitadores” como resumos de grandes obras, além da inexistência de uma consistente política educacional.
“O velho método do exemplo ainda é o melhor meio de se provocar a prática de ler entre os alunos”, enfatizou o professor de Letras da UERJ, Gustavo Bernardo, lembrando que a falta de tempo está entre as alegações dos professores de Língua Portuguesa para a pouca leitura. Ele ainda considerou as adaptações um “crime de lesa-literatura” e cada vez mais disseminadas pelo mercado e nas escolas. “Isso é tirar a possibilidade dos alunos conhecerem a linguagem e as estruturas fundamentais de enredo dos escritores. Don Quixote, por exemplo, foi transformado num herói ridículo por esses livretos”.
A literatura foi implementada como disciplina, no início do século XIX, na França. Segundo o professor Gustavo, essa aceitação ocorreu com base em programa burguês da constituição das pátrias. “Ela não foi estimulada em sua perspectiva contestatória, mas como reforço ao patriotismo. Isso ainda resiste, assim como a ênfase fetichista de que a literatura é uma disciplina diferente”.
Descompasso
O professor de prática de ensino e didática da leitura, Armando Gens, da Faculdade de Educação da UFRJ, ressaltou o descompasso existente entre o que falam e pensam os docentes. “O imaginário revela que muitos se sentem desvalorizados. Fiz essa observação a partir da pesquisa, onde, primeiramente, pedia que respondessem sobre o que é ser professor? E depois que escolhessem um animal para representar sua profissão. O burro, a formiga e o papagaio estavam entre os mais citados”.
A pós-modernidade com o culto a produtividade e o caráter funcional do ensino também explicam o desinteresse pela literatura. “Precisamos resgatar utopias e a base filosófica do aprendizado, assim como revermos alguns conceitos, interagindo com a música, o cinema e outras manifestações culturais”, avaliou Armando.
A melancólica realidade povoada pelo rebaixamento cultural e incapacidade de pensamento não deve desanimar. Para a professora Ângela Beatriz (FL/UFRJ) reverter esse quadro é um desafio a ser enfrentado. Uma tarefa que pede constituição de uma política que dê dignidade aos mestres e aos alunos para que tenham acesso ao conhecimento. “A leitura é um prazer estético que possibilita a formação do espírito crítico de jovens e adolescentes. Ler nas entrelinhas, captar o subentendido são apenas alguns elementos conquistados, e que podem livrá-los dos produtos anestesiantes da mass media”.
Homenageada
Apaixonada por Literatura e Educação, a professora Maria Helena Silveira emocionou aos presentes com suas vivências que remontaram aos piores momentos do Brasil. A conferencista lembrou de episódios com o ex-diretor da FL, Afrânio Coutinho, e do grupo que fundou a Associação de Docentes da UFRJ em plena ditadura. “Naquele tempo, Graciliano Ramos era ameaça à segurança nacional e por indicar um livro do Rubem Fonseca queriam abrir um processo contra mim. É ingênuo pensar que é possível separar política e ducação. Um dever do Estado, com o qual não deve se fazer negócio”. Homenageada ao final do evento, a professora citou um verso de Milton Nascimento: “Descobri que a minha arma é o que a memória guarda”.