As freqüentes incursões policiais de combate ao tráfico em morros e favelas mostram que o Brasil deixou de ser uma simples rota no caminho internacional das drogas e, hoje, constitui-se em um poderoso mercado consumidor dos entorpecentes. A conseqüência mais alarmante dessa realidade é o aumento nos índices de violência urbana, fator responsável pela sensação cada vez maior de insegurança que impera entre os cidadãos das grandes cidades.
O medo da população vem acompanhado de certa desesperança na capacidade de os mecanismos de repressão do Estado frearem a criminalidade. Tanto que manifestações, como a do próximo dia 4 de maio, que pretende reunir pessoas em uma marcha, com partida no Largo de São Francisco, pela legalização das drogas como forma de diminuir a violência, começam a ganhar força.
Vias menos radicais, e não menos polêmicas, vêm sendo trilhadas pelas autoridades. Desde a década de 1980, por exemplo, os programas de redução de danos aos usuários buscam diminuir os impactos negativos da utilização das drogas e, contrariando o discurso dos mais conservadores, conseguem conscientizar parcelas desses usuários acerca dos malefícios da dependência química.
Em 2006, a aprovação da Lei 11.343/2006 foi mais uma tentativa governamental para lidar com a problemática das drogas sem recorrer aos habituais métodos coercitivos. A nova legislação pretende, através da criação do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), organizar atividades para a prevenção do uso, além de isentar de prisão ao usuário que for flagrado com drogas para uso pessoal.
Ainda assim, as medidas governamentais, a maior parte delas ainda pautada na repressão violenta, para o combate ao tráfico e ao uso de drogas não apresentam grandes sucessos. Será que o caminho traçado pelo governo é o correto? Qual a melhor forma de tratar um tema tão delicado e urgente como esse? Para responder a essas questões, o Olhar Virtual entrevistou Joana Garcia, professora da Escola de Serviço Social (ESS), e Marcelo Cruz, coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas (Projad) do Instituto de Psiquiatria (Ipub).
Joana Garcia |
Marcelo Cruz |
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"A história da humanidade comprovou que repressão dificilmente altera cultura, mas transitoriamente pode servir como freio para ações predatórias. Alguns especialistas indicam que a liberalização do uso de drogas teria um impacto positivo sobre os conflitos violentos. No entanto, deve-se considerar que há interesses envolvidos na indústria da ilegalidade. Considero que a rede mais invisível que alimenta a indústria das drogas não está sendo alvo desta coerção. As medidas preventivas, associadas à informação e a alternativas de socialização, podem surtir maiores efeitos no que tange ao combate ao uso de drogas. O debate sobre o assunto, no entanto, não pode ser travado exclusivamente no plano moral. Os jovens não querem ouvir que é feio ou que faz mal usar drogas. Além disso, é preciso considerar que uma vida decente e produtiva se compõe de projetos que apelam para valores do indivíduo, responsabilizando-o pelas escolhas e trajetórias que o definem socialmente. Como os jovens são basicamente gregários e muito afetados pela idéia do risco (projeto de vida futura), suas escolhas nem sempre espelham seus valores próprios, bem como nem sempre são orientados por uma perspectiva de futuro. Enfrentar o problema das drogas implica conhecer os efeitos das substâncias e o que eles oferecem em termos de prazer, assim como relacionar a prática da drogadição como uma forma de sociabilidade e ainda, analisar o perfil dos usuários, que varia consideravelmente e demanda ações diferenciadas. " |
“Há duas décadas, a única resposta do estado para a questão das drogas era a repressão, hoje já existem programas públicos de tratamento e prevenção. Além das mudanças verificadas na lei, o governo vem investindo na construção de locais especializados para usuários de drogas; a coerção, no entanto, ainda é a principal tática contra o tráfico. Os programas de redução de danos surtem efeitos; eles podem ser voltados para a prevenção, como, por exemplo, aqueles que, na tentativa de diminuir os riscos de contaminação pelo vírus do HIV, distribuem seringas descartáveis aos usuários de drogas injetáveis, e há aqueles que tratam da assistência aos dependentes. Nesses programas, o usuário não é obrigado a interromper o uso de drogas imediatamente, ele é educado para se desvincular do vício aos poucos. É assim que trabalhamos no Projad. Hoje, no Brasil, a discussão da legalização ainda é incipiente. Devemos debater mais essa questão. Argumentos favoráveis enfatizam que, com a legalização, o preço das drogas cairia, diminuindo, por conseqüência, os índices de violência. Já as opiniões contrárias questionam se a liberalização não acarretaria um maior número de usuários. Essa dúvida faz sentido, talvez por isso a saída seja a legalização moderada, ou seja, a liberalização de apenas alguns tipos de drogas. É fundamental entendermos que a informação e a conscientização são fundamentais no combate aos entorpecentes. Ademais, deve-se oferecer, principalmente às camadas menos favorecidas da população, alternativas, ligadas ao esporte e a atividades culturais, por exemplo, que mostrem caminhos distintos ao das drogas." |
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