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Pesquisa pode revolucionar tratamento da trombose

Pesquisadores do Laboratório de Tecido Conjuntivo do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho descobriram a presença de análogos da heparina em invertebrados marinhos, após analisar a estrutura da batata-do-mar. A evolução da pesquisa confirmou a existência propriedades da heparina comercial nos análogos, entre as quais a ação antitrombótica, anticoagulante e antiinflamatória, associada a vantagens de menores efeitos colaterais.

agencia2100T.gifA concepção de um novo medicamento para o combate da trombose e outros problemas cardiovasculares está mais próxima. A descoberta de substâncias análogas a heparina em ascídias (conhecida como batata-do-mar) realizada por pesquisadores do Laboratório de Tecido Conjuntivo do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho promete revolucionar o tratamento terapêutico atual, a base da heparina comercial produzida a partir de intestinos e pulmões de bovinos e suínos.

O pesquisador Mauro Pavão, professor do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ, assegura que a heparina produzida a partir de invertebrados marinhos será tão eficaz quanto a comercial e, até o momento, apresenta menos efeitos colaterais.

Após analisar a estrutura externa da batata-do-mar, os estudos se voltaram para a estrutura interna (vísceras e intestino) do animal marinho, onde foram encontrados os verdadeiros análogos da heparina (glicosaminoglicanos), ou seja, compostos que são muito parecidos estruturalmente com aqueles encontrados na heparina comercial. Este é o segundo medicamento de origem animal mais utilizado no mundo, e é indicado antes de qualquer tipo de cirurgia e na prevenção de alguns tipos de infarto e de outros tipos de problemas cardiovasculares, como a trombose profunda.

Através de testes in vitro, a equipe de pesquisa do Laboratório de Tecido Conjuntivo pôde determinar a estrutura dos análogos, confirmar sua ação anticoagulante e detectar os mecanismos que estavam envolvidos nesta ação. “Nós partimos para testes em tubos de ensaio para verificar se os compostos encontrados também apresentavam característica anticoagulante. Foi constatado que os análogos da heparina eram muito anticoagulantes e tinham uma atividade semelhante a da heparina, porém alguns com potência menor”, ressalta o professor do Instituto de Bioquímica Médica e um dos coordenadores da pesquisa, Dr. Mauro Pavão. Ao determinar como os análogos funcionavam, os pesquisadores verificaram que os mecanismos de funcionamento eram iguais ao da heparina comercial.

De acordo com o pesquisador, o passo seguinte foi verificar se a ação anticoagulante estava presente quando os análogos eram utilizados em animais. “Sabendo que a heparina é utilizada na prevenção da trombose, principalmente, da trombose profunda, nós desenvolvemos em laboratório vários modelos experimentais de trombose venosa e arterial (indução da patologia em cobaias) para verificar a ação anticoagulante dos análogos”, explica o professor Mauro Pavão.

Após verificar a capacidade antitrombótica destes compostos, os pesquisadores desenvolveram também testes capazes de identificar se os análogos da heparina provocavam sangramento, principal efeito colateral da heparina. “Os análogos da heparina, ao contrário da heparina comercial, não provocam sangramento. Alguns análogos até causam este efeito colateral, mas a grande maioria não”, ressalta Pavão.

Quando o assunto é comercialização dos análogos, o professor Mauro Pavão diz que é necessária muita cautela. “Antes que os análogos da heparina sejam utilizados comercialmente para tratamento intravenoso, é preciso que muitos testes toxicológicos em cobaias sejam realizados e, posteriormente, em humanos”, explica.

Expansão da pesquisa
Nos últimos dois anos a pesquisa avançou em direção a novos caminhos. Além da identificação antitrombótica e anticoagulante dos análogos da heparina, outras funções foram encontradas nos compostos. Ele tem ação antiinflamatória para o tratamento intestinal e renal e com resultados bastante positivos, em alguns casos, com efeito melhor que o proporcionado pela heparina comercial. “Através da descoberta de um único composto (os análogos da heparina), nós estamos, cada vez mais, agregando valor a ele com o desenvolvimento de novas pesquisas. E é por isso que os testes clínicos são importantes. Eles podem direcionar a dosagem medicamentosa a ser seguida para cada tratamento a fim de alcançar o resultado desejado”, enfatiza Pavão.

Há também uma linha de trabalho direcionada à ação antimetastática, a fim de verificar o efeito inibitório dos análogos da heparina na proliferação de células cancerígenas.

Vantagens
Uma das vantagens da utilização dos análogos da heparina é a menor possibilidade de contaminação com agentes patogênicos como, por exemplo, o mal da vaca louca. Além disso, é menos agressivo para o tratamento da trombose, pois causa menos efeitos colaterais.

Outro aspecto importante é que eles conseguem se ligar a vários fatores de crescimento como, por exemplo, aqueles que permitem o crescimento das células, proliferação de células tumorais, secretação de substâncias e formação de vasos sangüíneos que alimentam os tumores, impedindo que os fatores atuem.

Entretanto, o cientista afirma que o fornecimento de matéria-prima precisa ser amplo para o desenvolvimento dos medicamentos que atendam às demandas. “O futuro da pesquisa, entre outros estudos, depende de se achar uma metodologia para produzir uma fonte ilimitada de recursos, ou seja, batatas-do-mar em larga escala. Caso contrário a fonte de matéria-prima se esgotaria, além de causar a degradação do meio ambiente”, ressalta o professor.

Curiosidade
Em muitos países do Oriente Médio, a batata e o pepino-do-mar são amplamente consumidos, o que comprova que não há nenhuma contra-indicação ao uso oral dos análogos da heparina. Neste sentido, foram realizados testes em cobaias para comprovar a eficácia da ação anticoagulante de uma medicação via oral para o tratamento preventivo da trombose. “A partir desta descoberta, a utilização dos análogos da heparina como agente terapêutico se tornará mais fácil por poder utilizá-lo como suplemento alimentar”, explica o biólogo.

Quando tudo começou
A pesquisa surgiu por acaso, em 1986, quando um aluno de doutorado do professor Paulo Mourão, que hoje é o coordenador geral do Laboratório de Tecido Conjuntivo, resolveu pesquisar o exoesqueleto (estrutura externa) da batata-do-mar.

Segundo o professor do Instituto de Bioquímica Médica e um dos coordenadores da pesquisa, Dr. Mauro Pavão, há um amplo debate sobre por que se investe tanto em pesquisas de base e não em pesquisas aplicadas. No entanto, ele explica que é a fase inicial de uma pesquisa que alicerça a sua aplicação. “Muitos questionam sobre o fato da Universidade investir em pesquisa de base e não em pesquisa aplicada. Porém, o que ocorre é que através da primeira etapa da pesquisa, dentro das várias fases que ela possui, que importantes descobertas são feitas”, explica Pavão.

O projeto desenvolvido pelo Laboratório de Tecido Conjuntivo do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho é coordenado pelos professores Paulo Mourão e Mauro Pavão, contando com a participação dos professores, alunos de graduação (iniciação científica) e pós-graduação (mestrado e doutorado) do Instituto de Bioquímica.

Além do apoio dado pelo CNPq, da Faperj e Fundação Ary Frauzino para a pesquisa contra o câncer, recursos internacionais do National Institute of Health também financiaram parte da pesquisa realizada.