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Desmistificando a Cidade Universitária

Por trás de muitas lendas e vista ainda com desconfiança, a Cidade Universitária é dotada de uma trama peculiar que nos remete a momentos curiosos do que foi o período mais turbulento da história de nosso país.

agencia1543T.jpgPor trás de muitas lendas e vista ainda com desconfiança, a Cidade Universitária é dotada de uma trama peculiar que nos remete a momentos curiosos do que foi o período mais turbulento da história de nosso país.

“Tivemos que aguardar quatro séculos para termos, enfim, nossa primeira Universidade. A partir daí, seguiram-se mais 50 anos para que definíssemos nosso primeiro modelo de cidade universitária”, comenta o pesquisador Antônio José de Oliveira, autor da dissertação de mestrado “Das ilhas à Cidade – a universidade visível”. Sua pesquisa, desenvolvida no Programa de História Comparada do IFCS/UFRJ, percorre o período de 1935 a 1955, fase dos debates que antecederam a construção da Cidade Universitária.

Desde sua criação, em 1920, sob governo de Epitácio Pessoa, a Universidade do Rio de Janeiro, mais tarde Universidade do Brasil (1937) e atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, apresentou sérios problemas de infra-estrutura. Com o aumento de matrículas e o crescimento dos laboratórios de pesquisa, as diversas unidades espalhadas pela cidade do Rio de Janeiro passaram a não comportar, com conforto e eficiência, os cursos sediados. A Escola Nacional de Engenharia, por exemplo, situada na época no Largo de São Francisco, Centro da Cidade, teve um aumento considerável de seus laboratórios e, por causa dessa localidade central, ficou impedida de expandir territorialmente. Esse tipo de complicação foi se multiplicando pelas demais dependências até chegar a um ponto insustentável.

Explica Antonio Oliveira que a “inauguração” da cidade universitária deu-se simbolicamente em duas datas: 1º de outubro de 1953, Getúlio Vargas inaugurou o Instituto de Pediatria e Puericultura. Posteriormente, a 7 de setembro de 1972, nas comemorações do sesquicentenário da independência, Médici “concluía”, oficialmente, a construção da cidade universitária, após sucessivos anos de paralisações. Este longo período de discussões – obras e interrupções –, já evidenciava a problemática deste empreendimento.

Antes do projeto final ser aprovado, no entanto, houve diversos outros. Num primeiro instante foram cogitados os bairros: Praia Vermelha, Quinta da Boa Vista, Leblon e Gávea. O conceituado arquiteto Marcelo Piacentini, da Universidade de Roma, foi convidado para escolher o melhor local para implantação e acabou indicando dois: a Praia Vermelha, primeiramente, e a Quinta da Boa Vista. Em 30 de setembro de 1936, Lúcio Costa sugeriu a construção da Cidade na Lagoa Rodrigo de Freitas, através da suspensão dos prédios. Foi rejeitado pelo “Escritório do Plano da Universidade”, sob o fundamento de dificuldades técnicas e de alto custo.

Ainda em 1936, a convite do Ministério da Educação e Saúde, veio ao Brasil o arquiteto Le Cobusier, que apresentou um esboço para a localização do complexo universitário na Quinta da Boa Vista. No ano seguinte, recomendado pelo professor Piacentini, veio ao Rio de Janeiro, Victorio Morpurgo, incumbido de rever o trabalho já feito e elaborar os planos finais da Cidade.

Com a extinção do “Escritório do Plano da Universidade” e a criação do E.T.U.B (Escritório Técnico da Cidade Universitária da Universidade do Brasil), em 1944, iniciou-se um estudo ferrenho por localizações adequadas. Além dos pontos já citados, entraram em observação as ilhas que hoje sediam parte da universidade, Manguinhos, Ilha do Governador, Boa Esperança, Castelo, Niterói e Vila Valqueire. Cada área dessa foi cuidadosamente estudada para verificar de que maneira seria favorável ao crescimento do Rio de Janeiro.

Depois de inúmeras discussões, o E.T.U.B optou pelo projeto de Jorge Machado Moreira, que consistia em aterrar as nove ilhas e construir a Cidade Universitária no local. Tal opção foi pautada na idéia de que, ao contrário do que se vê hoje, o Rio de Janeiro cresceria em direção a Zona Norte, logo, com o passar do tempo, o complexo universitário estaria bem localizado.

O projeto inicial, quando pensando em 1950, contemplava a ocupação total da Ilha. Pensou-se a existência de todas as unidades da Universidade no campus da Ilha do Fundão. Era uma concepção de campus único, contradizendo completamente o senso comum, que pensa que a Ilha do Fundão foi construída, ou que a Cidade Universitária, naquele local, foi construída com a intenção de isolar o movimento estudantil, de fragmentar a Universidade”, explica Antônio Oliveira que é servidor técnico-administrativo e coordenador de extensão da decania do Centro de Ciências da Saúde. A professora Helenita Bueno Gonsalez afirma que esta questão do espaçamento é puramente arquitetônica, uma vez que, naquela época, reinavam os conceitos modernistas de projeção. “Não existe intenção política por trás disso. Todo o projeto da Cidade Universitária baseou-se nos ideais modernistas. Ideais esses que priorizavam grandes avenidas principais e avenidas secundárias, todas elas ortogonais. Como é hoje, ou melhor, como era”. Antônio completa: “nós temos, efetivamente, uma ocupação parcial da Ilha. Então, muito do que a gente vê no campus da UFRJ, a sensação de um campus frio, isolado, vazio, vem como decorrência de um processo que saiu completamente da previsão pensada inicialmente”.

Clique aqui para ver algumas fotos antigas da Ilha do Fundão.