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Democratização do acesso à Universidade

UFRJ debate sistema de cotas2q2thr

agencia1295T.jpgNo dia 29 de junho, a UFRJ recebeu os pro-reitores de graduação de três grandes universidades do país para o debate “Democratização do Acesso à Universidade Pública: UFRJ discute experiências”. Na mesa estavam os pro-reitores da UERJ, universidade que já adota o sistema de cotas desde o Vestibular 2003, da UNB que está aplicando a reserva de vagas no seu Vestibular 2005 e da UFBA que acaba de aprovar o Programa de Ações Afirmativas. O evento aconteceu no Salão Azul da Reitoria, no Campus do Fundão, e contou ainda com a presença das entidades EDUCAFRO, ADUFRJ, SINTUFRJ e o DCE/UFRJ.
A pro-reitora da UERJ, profa. Raquel Marques Villard discorreu sobre a experiência da UERJ com o sistema de cotas já implantado e sobre o desempenho do aluno cotista naquela universidade.
Antes da adoção do sistema de cotas na Estadual do Rio, 50,9% dos estudantes possuíam renda de até 12 salários-mínimos. Alunos de baixa renda conseguiam aprovação no vestibular, quase sempre para carreiras pouco disputadas, o que levava a uma grande concentração em alguns cursos de alunos mais carentes, enquanto em outros só havia alunos de alta renda familiar. “O sistema de cotas veio para levar estes alunos de baixa renda para os cursos mais disputados”, completa Raquel.
No Vestibular 2003, as cotas da UERJ eram “auto-permeáveis”, isto é, um aluno negro, deficiente e proveniente de escola pública acabava se beneficiando das três cotas. A pro-reitora lembra que a UERJ em 2003, propiciou ao candidato, além do vestibular estadual, a oportunidade de optar pelo SADE (Sistema de Acompanhamento do Desempenho dos Estudantes do Ensino Médio).
Já o Vestibular 2004 foi realizado baseado na Lei 4152/03, em vigor, que reserva 45% das vagas, sendo 20% para alunos da rede pública, 20% para negros e 5% para deficientes e descendentes de povos indígenas, no entanto, o candidato deve escolher em qual categoria se encaixa para disputar, beneficiando-se, apenas, de uma das reservas.
Ao longo do ano, estes alunos foram avaliados para comparar-se o desenvolvimento de um cotista e de um não-cotista. Observou-se que o coeficiente de rendimento dos alunos era quase idêntico. Contudo, o número de cotistas reprovados por média foi maior, enquanto, o número de não-cotistas reprovados por freqüência era maior. O que não foi grande surpresa. Os cotistas tinham mais dificuldade, pois são alunos, em geral, com pouco acesso a bens culturais e sem condições para conseguir material didático, principalmente em cursos da área biomédica, pois são muito caros. No entanto, estes alunos dedicavam-se mais à faculdade e devido a este grande esforço foram menos reprovados por falta. Segundo Raquel, é necessário mais investimento nestes alunos e também na própria Instituição.
A UERJ precisa suprir algumas necessidades para manter estes alunos estudando, como vale-transporte, restaurante universitário, material de uso pessoal (para cursos como Odontologia e Medicina), laboratórios de informática (facilitando o acesso a Internet), alojamento estudantil, além de bolsas.
De acordo com a pro-reitora, em mais dois anos, serão dez mil cotistas na UERJ e a Universidade não tem condições de bancar sozinha a permanência destes alunos. E, infelizmente, não há qualquer sinalização do poder público numa direção de políticas consistentes a longo prazo.
O pro-reitor da Universidade Federal da Bahia – UFBA, prof. Maerbal Bittencourt Marinho, conta que a Universidade, situada em Salvador, onde a maioria da população é negra, começou a discutir a reserva de vagas em 2002 pressionada pelo próprio movimento negro. “Os negros que acessam a universidade concentram-se nos cursos menos disputados, assim como constatado também na UERJ com os alunos de baixa renda. Há cursos com mais de 90% de alunos pretos e pardos, no entanto, há cursos, com maioria branca. Então, pensou-se numa maneira de distribuir estes alunos, democratizando o acesso.”
Marinho afirma que a Universidade Federal da Bahia acaba de aprovar, há cerca de um mês, em Conselho Universitário, um Programa de Ações Afirmativas dividido em 4 eixos. Preparação, Ingresso, Permanência e Pós-permanência, classificados da seguinte maneira:
Preparação: Qualificar o ensino público anterior à universidade. Elevação do nível de informação ao candidato sobre o próprio vestibular. Apoio à pré-vestibulares. No entanto, essa ação é demorada. Se o governo começasse a melhorar o ensino público médio, os beneficiados só apareceriam daqui há uns 15 anos. Daí a importância do segundo eixo, o Ingresso.
Ingresso: Uma das medidas é o aumento de isenções (no último ano elevou-se o número de isenções a 8 mil). O número de vagas também deve ser aumentado, além da reserva de vagas para grupos histórico e socialmente em desvantagem. Esta reserva seria de 45% das vagas, distribuídas da seguinte forma: 2% para descendentes indígenas e 43% para estudantes de escolas públicas, dos quais 85% desta reserva seria para negros (pretos e pardos).
Permanência: ampliação de bolsas, bolsas adicionais específicas para negros, oferta de cursos em turno único, possibilitando que o aluno tenha horário disponível para trabalhar, reforço à política de assistência estudantil.

Pós-permanência: apoio para se qualificarem para pós-graduação e uma central de estágio. Bolsa para a pós-graduação.
Segundo Marinho, a universidade tem autonomia para decidir pela reserva de vagas – “Decidimos por implantar o sistema de cotas por chegarmos à conclusão de que o vestibular não confere mérito, mas apenas mede a preparação do aluno para aquelas provas” – , contudo, não tem verba para a assistência estudantil. “Temos que cobrar do governo federal.”
O pro-reitor da Universidade de Brasília – UNB, prof. Ivan Camargo, também apresentou um projeto neste moldes Este consiste em 3 eixos: aumento do número de vagas, o Programa de Avaliação Seriada (PAS) e o sistema de cotas, recém implantado no Vestibular 2005.
Segundo Camargo, as universidades públicas têm feito um trabalho significativo quanto ao aumento do número de vagas. A UNB, com grande esforço, conseguiu, ao longo dos últimos anos aumentar este número, mesmo sem aumentar seu corpo docente. Em 1993, a UNB criou 6 cursos noturnos.
O pro-reitor falou ainda do PAS, Programa de Avaliação Seriada que vem sendo realizado com sucesso. Além de uma prova aplicada no final de cada série do ensino médio, a universidade mantém constante diálogo com essas instituições. As provas são baseadas no conteúdo definido pelos professores do ensino médio. Essa interação provocou um aumento significativo dos alunos da escola pública. A proporção chegou a 50%. “Os alunos que entram pelo PAS vêm apresentando bons resultados na universidade, com notas altas e pouca evasão”.
Por último, o pro-reitor tratou das questões das cotas. Brasília vem discutindo esta questão desde 1998. Em junho de 2003, a Universidade do Distrito Federal aprovou o sistema de cotas. “Não tínhamos nenhum dado de raça, então fizemos isso no Vestibular 2004, para com base nisso, realizarmos o Vestibular 2005 com 20% de cotas para negros e pardos. O interessante na pesquisa realizada no ano passado é que fazíamos duas perguntas aos candidatos; primeiro questionávamos a sua raça e depois, se eles se declaravam negros. O surpreendente foi que muitos brancos se declaravam negros e muitos negros não se declaravam negros. No Vestibular 2004, 36% dos negros inscritos foram aprovados, mas, dos que se declaravam negros, apenas 12% foram aprovados”.
Camargo lembrou da polêmica gerada devido a exigência de uma foto do candidato para que se confirmasse a auto-declaração: “A imprensa tem batido forte contra a questão da foto. As outras universidades admitiram que apenas com a declaração houve 4% de fraude. Daí fizemos este processo. Vamos avaliar os resultados desta medida agora, uma vez que as provas aconteceram no último sábado e domingo”.
Assim como foi constatado nas outras universidades, Camargo afirmou que na UNB não é diferente: “Em cursos como História, por exemplo, tem muitos negros, mas o curso de Odontologia não tem nenhum.(…) A diversidade racial no nosso país é evidente, então, como não admitir esta diversidade dentro das universidades?” O pro-reitor da UNB foi aplaudido pelos presentes.
José Roberto Meyer, pro-reitor de Graduação da UFRJ, concluiu reforçando que a UFRJ também adotará esta política e que está consciente dos problemas a serem enfrentados e da necessidade de dar condições para que o aluno que ingressar pela reserva de vagas não abandone a faculdade. Falou, ainda, de algumas medidas que a UFRJ já adota com seus alunos, mesmo com a escassez de recursos. “Na UFRJ, os alunos de nosso alojamento recebem o auxílio manutenção, sem a obrigatoriedade de prestar algum tipo de serviço. Nós já aumentamos o número de bolsa- auxílio, criada pelo prof Lessa, ex-reitor, fornecida a alunos sem condição financeira e ainda resgatamos as bolsas de monitoria, que haviam acabado em 1997”.
Ao final, foi aberto espaço para perguntas. As mais freqüentes faziam observação sobre a falta de verba de todas estas universidades para manter o aluno cotista, no caso, os mais carentes, ao longo da graduação. As pessoas lembravam que não basta “abrir a porta” e botar o aluno lá dentro se mais cedo ou mais tarde ele abrirá mão desta vaga por não ter condições financeiras de continuar na universidade. Os pro-reitores foram categóricos em concordar que é necessária uma política para subsidiar estes alunos, contudo, como já havia sido dito, as universidades ainda não tem total condição de fazê-lo. Propiciando a entrada destes alunos, entretanto, mesmo com todas as dificuldades, alguns conseguirão concluir o curso. “Caso este acesso não for democratizado, nem a chance de tentar eles terão. Eu não tenho medo da evasão”, afirmou o pro-reitor da UFBA.