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Como os textos nos influenciam? Gplint investiga as intenções por trás de notícias, músicas e artigos

Vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da UFRJ, o grupo atua há doze anos

Produzir um texto é escolher quais palavras serão usadas e de que maneiras serão apresentadas. A escolha dos elementos textuais é capaz de produzir construções de sentido, intencionalidades e estratégias de leitura. Muitas vezes esses elementos são estruturados de modo que não sejam percebidos pelos leitores e se apresentem como naturais. Perceber essas estruturas é o trabalho realizado pelo Grupo de Pesquisa em Linguística de Texto (Gplint), vinculado ao programa de pós-graduação em Letras Vernáculas da UFRJ. Há doze anos, o grupo estuda a construção e organização de textos escritos, orais e multimodais, como histórias em quadrinhos. A partir dessas análises é possível perceber que os elementos linguísticos e textuais não são neutros. São mecanismos que refletem visões de mundo e posições ideológicas. 

O trabalho realizado pelo Gplint é voltado ao estudo de linguística de texto, área que analisa os componentes textuais, como coesão, coerência e intertextualidade. A primeira está relacionada à ligação entre partes do texto, como palavras, frases e parágrafos, a partir de elementos como conjunções e pronomes, por exemplo. Já a coerência é a análise das ideias presentes no texto, que permitem a construção de sentido. E a intertextualidade é a relação do texto com outros conhecimentos, seja de forma explícita, como em citações, ou de maneira implícita, que exige que o leitor tenha conhecimento prévio para reconhecê-la. O grupo é coordenado por Leonor Werneck, professora titular aposentada do Departamento de Letras Vernáculas da UFRJ, e já contou com a colaboração de mais de trinta pesquisadores, entre alunos de graduação, mestrado, doutorado, pós-doutorado e extensão, desde a sua criação, em 2013. 

As construções de sentido, intencionalidades e estratégias de leitura analisadas pelo grupo, a partir dos componentes presentes no texto, são encontradas em diferentes gêneros textuais. Mesmo nos textos jornalísticos, que muitas vezes se apresentam como neutros, elas estão presentes. As notícias também podem ser produzidas a partir de intertextualidades. “Se o jornalista fizer uma notícia sobre o roubo ao Museu do Louvre e colocar uma referência à série Lupin no texto, isso é uma referência intertextual”, explica Werneck. Essa referência chama a atenção do leitor para um outro conhecimento que não tem a ver com a notícia, trazendo intencionalidade, nesse caso, o humor. 

Pesquisas Gplint

O Gplint realiza mensalmente encontros em que os textos e os estudos em desenvolvimento pelos integrantes do grupo são discutidos. Um dos trabalhos realizados pelos pesquisadores partiu da análise de artigos de opinião brasileiros e portugueses sobre o assassinato da socióloga, ativista e política Marielle Franco, em 2018. Na pesquisa, o grupo analisou a maneira como a ideologia foi marcada nos textos a partir da referenciação, componente linguístico que permite a retomada de elementos textuais por meio de pronomes e sinônimos. A partir do estudo, foi possível perceber como os elementos linguísticos presentes nos artigos construíram uma análise positiva ou negativa sobre o assassinato e sua repercussão. Os pesquisadores explicam que a escolha dos elementos textuais usados pelos autores para se referirem a Marielle Franco e a eles próprios, como brasileiros ou portugueses, reflete uma ideologia. 

O Gplint é responsável por diferentes pesquisas realizadas na área da linguística de texto. Juliana Medeiros, graduada em Letras pela UFRJ, analisou durante sua pesquisa de monografia de que maneira a coesão — ligação entre palavras, frases e parágrafos — é apresentada em livros didáticos de língua portuguesa para estrangeiros. Juliana concluiu que os manuais pesquisados não exploram questões de análise dos sentidos construídos nos textos, já que a maioria dos comandos se dá pelo preenchimento de tabelas. A pesquisadora defende que é possível trabalhar com textos simples e autênticos de modo que o aluno estrangeiro leia o mundo o qual está prestes a desvendar e seja agente do próprio discurso. 

Em análises de textos de mídia, Maria Cristina Bastos, mestre em Letras Vernáculas pela UFRJ, pesquisou durante o mestrado como os veículos digitais O Globo e Mídia Ninja, que apresentam posicionamentos ideológicos e público-alvo distintos, se referiram ao impeachment pelo qual passou a primeira mulher presidente da República Federativa do Brasil, Dilma Rousseff, em 2016, e seus principais desdobramentos, nas notícias. A dissertação apresentada mostra como a referenciação ao impeachment nos diferentes veículos de comunicação marca o texto. Os resultados da pesquisa mostram que o Mídia Ninja realizou a retomada do termo impeachment nas notícias a partir de palavras que expressam uma avaliação do fato ocorrido por parte do autor, estabelecendo maior argumentatividade e posicionamento explícito do veículo acerca dos fatos narrados. Já em O Globo digital, essa estratégia de referenciação citada é menos utilizada. Segundo a pesquisa, provavelmente o segundo veículo tem uma maior preocupação em construir uma imagem de imparcialidade, neutralidade e objetividade, com o intuito de convencer o leitor de que seu compromisso é único e exclusivo com a transmissão dos fatos noticiados.

Cristiane Barbalho, doutora em Letras Vernáculas pela UFRJ, analisou em sua tese de doutorado, em 2022, os depoimentos de casos de feminicídio. Na pesquisa, Cristiane aborda como os depoentes constroem a imagem da vítima e do assassino através dos elementos linguísticos escolhidos. Cristiane analisou um conjunto com quatro depoimentos orais de um mesmo processo julgado entre os anos de 2015 e 2016, na comarca do município de Duque de Caxias, no estado do Rio de Janeiro. Ao analisar os depoimentos da irmã do acusado, do vizinho e do pai da vítima, Cristiane constatou que cada um constrói os referentes a partir do papel social que desempenha e da relação que estabelece com a situação de feminicídio, com a vítima, com o acusado e igualmente com a sua intencionalidade argumentativa. 

Já Vitória Luize Mendes, graduada em Letras pela UFRJ e integrante do Gplint, pesquisou durante a produção da sua monografia sobre a argumentação e análise linguística de fake news sobre as vacinas da covid-19 durante a pandemia do coronavírus. No estudo, Vitória Luize analisa como essas fake news foram construídas a partir da utilização de recursos da mídia, como texto, áudio e vídeo. O estudo ainda será publicado. 

O Gplint também realiza análises de letras de música. O próximo artigo do grupo a ser publicado, produzido pela professora Leonor Werneck e Luiza Lanes, doutoranda em Letras Vernáculas pela UFRJ, analisa a música Construção, de Chico Buarque, em comparação com Operário em Construção, de Vinícius de Moraes. A pesquisa levanta o debate de como é possível perceber que em Construção Chico Buarque está se referindo a um operário se o termo não aparece na letra da música. A obra de Chico é marcada linguisticamente por esse sujeito oculto, desprezado na sociedade retratada. Enquanto em Operário em Construção, o sujeito da canção se descobre como um elemento importante da construção, portanto, não pode ser invisibilizado. 

O Gplint mantém canais virtuais de divulgação do projeto. No canal do YouTube, o grupo divulga eventos e currículos. Já no Instagram, compartilham dicas de livros da área e alimentam o quadro “Entre Aspas” com citações de obras para inspirar os leitores. 

Por Júlia Araújo. Sob a supervisão da jornalista Vanessa Almeida