Desvendar como se deram as reutilizações, ao longo do tempo, de um conjunto de tumbas existentes no complexo funerário de Neferhotep, na cidade de Luxor, no Egito, passou a ser missão liderada pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN/UFRJ) a partir deste ano. A primeira de muitas campanhas terminou em abril. Agora, dados serão analisados para nortear as próximas expedições à necrópole que tem como destaque o túmulo do alto sacerdote Neferhotep no templo de Karnak.
Neferhotep era membro da elite tebana durante a XVIII dinastia do Egito (em torno de 1300 a.C.), no reinado de Aí, o sucessor de Tutancâmon. Ele alcançou tantos títulos que ao morrer teve o corpo depositado em local nobre da colina de El Khokha, na Necrópole Tebana dos Nobres. A localização é especial, segundo o novo coordenador do Projeto Neferhotep, Pedro Luiz Von Seehausen, pois fica próxima ao caminho que levava ao templo de Hatshepsut, em Deir el-Bahari, durante a bela festa do vale, na qual a visita às tumbas era uma celebração.
Seehausen era aluno do egiptólogo Antonio Brancaglion Júnior, professor do MN que morreu em 2021 e trabalhava ao lado de Violeta Pereyra. Professora da Universidade de Buenos Aires, ela se aposentou, mas deu origem ao projeto em 1999. “Ele foi meu orientador e também de grande parte dos arqueólogos brasileiros que estão no projeto”, revelou o atual coordenador, que integra o Laboratório de Egiptologia do MN.
De acordo com Seehausen, atualmente trabalha no complexo funerário uma equipe multidisciplinar e multinacional com gente da Alemanha, Itália, Uruguai e Egito. “Os alemães fizeram o restauro da tumba de Neferhotep (TT-49), que havia sido consumida por um incêndio e estava coberta por fuligem. Com uma tecnologia a laser, eles limparam as paredes e transformaram a tumba em uma das mais bonitas da necrópole. Queremos continuar mantendo essa característica de cooperação internacional”, assegurou.
Descobrir mais sobre as civilizações egípcias por meio do Projeto Neferhotep é papel do MN da UFRJ desde 2014. No complexo funerário há, no total, seis tumbas (TT49, TT187, TT362, TT363, Kampp 347 e Kampp 348) associadas à de Neferhotep (TT49). “Nós temos que pensar também o restauro e o estudo dessas outras tumbas. A escavação de áreas que faltam depende muito do nosso andamento do projeto. Não temos uma noção de quanto tempo ficaremos no lugar, porque a meta é encerrar só com o produto concluído”, afirmou o pesquisador.
A maioria do material arqueológico data de períodos posteriores da história do Egito Antigo (1070 a.C. – 30 a.C.), quando ocorre uma “democratização” das práticas funerárias e elas se tornam mais acessíveis a outros setores da população. “As outras tumbas do local pertenciam a sacerdotes wab (uma classe menor de sacerdotes) e são de épocas posteriores, mas que, possivelmente, tinham alguma ligação com Neferhotep ou queriam alguma associação com o espaço sagrado da necrópole”, segundo Seehausen.
Embora nenhum material das escavações possa ser trazido ao Brasil, conforme a legislação egípcia, há a possibilidade de digitalização de materiais em 3D, que poderão ser reproduzidos no MN. Além disso, estão sendo desenvolvidos estudos sobre os saques em tumbas, até mesmo se aproveitando para ampliar o conhecimento sobre locais incendiados. “Isso é bem interessante, pois serviu como um ‘treino’ não premeditado para a nossa equipe realizar escavações de resgate nas ruínas do Palácio após o fogo, devido à familiaridade com peças arqueológicas egípcias incendiadas”, contou.