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Pelo Campus Sociedade

Coletivo de Estudantes Indígenas em busca de espaço e inclusão

Movimento busca expandir acesso e o significado do que é ser indígena no país

Em 12 anos, o número de pessoas indígenas no ensino superior aumentou em mais de 300%. É o que mostra um levantamento divulgado em 2023 pelo Instituto Semesp, com base em dados dos censos demográficos de 2010 e 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e do Censo da Educação Superior, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). 

Esses números se devem tanto ao maior acesso de pessoas indígenas às universidades públicas e particulares quanto a um aumento da quantidade de indivíduos que se identificam dessa maneira. Ainda assim, outros obstáculos impedem que o número seja ainda maior. Uma das pautas levantadas pelo Coletivo de Estudantes Indígenas (CEI) da UFRJ diz respeito às dificuldades da população indígena, em especial a urbana e em retomada, de ser reconhecida como parte do grupo minoritário que tem direito à cota. 

Até janeiro deste ano, para uma pessoa indígena ter acesso aos cursos de graduação da UFRJ por meio das cotas era necessário comprovar seu direito por meio do Registro Administrativo de Nascimento de Indígena, o Rani. Após uma demanda realizada pelo coletivo e com o apoio da Superintendência-Geral de Ações Afirmativas, Diversidade e Acessibilidade (Sgaada), a resolução foi alterada, permitindo que tais vagas possam ser acessadas com uma declaração de vínculo/pertencimento à comunidade indígena, que deve estar assinada por uma liderança da comunidade. 

O Coletivo

Este fluxo que acontece apenas na graduação não contempla pessoas indígenas que vivem em situação urbana ou em retomada, o que acaba por diminuir a representatividade do grupo nos cursos de entrada no ensino superior. Na pós-graduação, a situação é diferente, já que a autodeclaração basta. Segundo os integrantes do CEI, este foi um dos motivos para que o movimento principal de formação do coletivo viesse de estudantes de mestrado e doutorado, iniciando-se em 2023.

Parte dos integrantes do Coletivo de Estudantes Indígenas. | Foto: Acervo.

Atualmente, a UFRJ conta com cerca de 200 estudantes autodeclarados indígenas, entre graduação e pós-graduação. Destes, uma grande parte não sabe sua etnia, pois vivem em contexto urbano e reivindicam o seu pertencimento cultural a partir da percepção de um apagamento histórico. Esse movimento é chamado de retomada indígena. É o caso de Damires França, técnica em assuntos educacionais da UFRJ e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia (PPGF). Definindo-se como uma mulher amazônida, a pesquisadora identifica seus traços e sua ascendência indígena, mas não sabe a etnia à qual pertence. Ela foi uma das pessoas à frente do movimento junto a Paulo Sundi, tupinambá em retomada, e Valéria Baniwa, do povo Baniwa, ao norte do país, entre outros integrantes. 

Hoje formado por cerca de 50 pessoas, o grupo reúne movimentos e reivindicações para que os estudantes indígenas da UFRJ possam ter mais acesso, espaço e inclusão. Entre elas, estão a necessidade de um vestibular indígena, de políticas públicas para a manutenção dos alunos ao longo da formação e a aplicação do ensino da história indígena para os cursos de licenciatura, tendo em vista a necessidade de capacitar os professores de ensino fundamental e médio para a aplicação da Lei 11.645 de 2008. Para isso, a contratação de profissionais indígenas seria um diferencial. 

“Nós temos hoje, no Brasil, mais de 280 intelectuais indígenas mestres e doutores. Precisamos que as universidades façam concursos e nos incluam também”, defende Valéria, cientista social formada pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), que agora cursa o doutorado pelo Programa de Pós-graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social (Eicos).

Rádio Aldeia

Uma das formas encontradas para fortalecer a divulgação dos conhecimentos indígenas foi o programa Rádio Aldeia, primeiro podcast produzido por pessoas indígenas transmitido pela Rádio UFRJ. Organizado em uma série de cinco episódios, o programa ajuda a entender e a respeitar os saberes e tecnologias originários tanto dos indígenas aldeados como os daqueles em contexto urbano. A proposta é um dos resultados do mestrado profissional em Mídias Criativas (PPGMC) da Escola de Comunicação realizado pela jornalista Marcele Bessa. 

Apesar de ser uma mulher branca, a idealizadora não quis tocar o projeto sozinha. Para isso, convidou Damires e o potiguara Reinaldo Cunha, também integrante do CEI, para que desenvolvessem a Rádio Aldeia coletivamente. “Eu convidei os dois porque eu não queria ser uma mulher branca fazendo um produto sobre indígenas. Eu acho que nenhum projeto bem-sucedido sobre indígenas sem indígenas tem relevância porque o olhar muda totalmente. O meu aprendizado foi muito grande com isso, a nossa troca foi maravilhosa porque os meus saberes são muito práticos mesmo. Eu entendo muito de produção, de direção, de roteiro, mas eu não tenho a vivência indígena”, explica Marcele.

Reunindo entrevistas com indígenas de diversas trajetórias, entre os temas abordados pelo programa estão a história da presença desta população no estado do Rio de Janeiro, a realidade dos indígenas que vivem em contexto urbano, bem como a atuação dos representantes do grupo nas universidades, na arte e na mídia. Os três também foram juntos à aldeia guarani da Mata Verde Bonita, em Maricá, onde puderam aprender e vivenciar a cultura da coletividade pregada pelos povos originários.

Dona Lídia, pajé da aldeia guarani da Mata Verde Bonita, em Maricá, e Reinaldo. | Foto: Acervo

“A própria Rádio Aldeia foi um trabalho coletivo de indígenas e não indígenas, que a gente levou a sério, se dedicou bastante tempo, uns seis meses. E eu acredito muito nessa luta antirracista com todo mundo participando: indígena, não indígena, negros. É isso que o nosso coletivo pretende para este ano e todos os anos, porque a gente não vai acabar, a gente só tende a crescer e se multiplicar”, conclui Damires.