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Coletânea Concepções de Natureza será lançada hoje pela Editora UFRJ

Livros destacam pensamento científico e interdisciplinar sobre o mundo natural

Diversa é a palavra que pode resumir a essência do que é a natureza. Para além dos múltiplos ecossistemas, ela é diversa em sua representação. No dicionário, uma palavra de múltiplos sentidos; nos poemas, recurso artístico infinito; em religiões, algo sagrado; na ciência, objeto de estudo sob várias visões. Existem amplas maneiras de se entender por que a vida social e cultural dos humanos acaba sendo atravessada pelo meio ambiente. 

Resultado dos trabalhos da Superintendência de Divulgação Científica (Superciência), integrante do Fórum de Ciência e Cultura (FCC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Editora UFRJ lança hoje, 30/6, às 19h, os livros Concepções de Natureza, em dois volumes. O evento acontece na Livraria da Travessa de Ipanema, localizada na Rua Visconde de Pirajá, 572.

A coletânea, composta por ensaios diversos, foi organizada por Christine Ruta, coordenadora do FCC, e Mariana Contins, pesquisadora da Superciência. Os dois livros buscam explorar as diferentes visões das áreas do conhecimento, que mostram uma noção de natureza menos fixa e única, sujeita a transformações e diferentes usos sociais. O primeiro, Concepções de Natureza em Humboldt, Darwin e LéviStrauss, traz as visões desses três pesquisadores no âmbito naturalista e culturalista sobre o meio ambiente; já o segundo, Concepções de Natureza: Debates Contemporâneos, discute a diversidade de significados sociais, filosóficos, artísticos e físicos sobre o  tema.

Para entender mais sobre as obras, o Conexão UFRJ conversou com Mariana Contins. Confira a entrevista completa a seguir:

Conexão UFRJ: Quais são as principais concepções da natureza? 

Mariana Contins: Os livros da série Concepções de Natureza têm como objetivo provocar uma reflexão sobre as noções de natureza e seus usos no cotidiano social e no universo acadêmico. A proposta é pensarmos a natureza menos como um dado, ou um universo estável e homogêneo, sobre o qual projetaríamos nossos conhecimentos e nossas ações, e mais como o resultado de incessantes interações entre agentes humanos e não humanos. Os autores buscam suscitar junto à população a percepção de que nossa vida social e cultural não existe senão enquanto um domínio indissociável da natureza.

Conexão UFRJ: Como o entendimento sobre o  que é natureza foi se modificando ao longo da história?

Mariana Contins: As concepções de natureza existem enquanto transformações incessantes, diferenciações intermináveis no espaço e no tempo. Mas cabe sublinhar que não é a proposta dessa série narrar uma história da natureza no ocidente. Estaria além do horizonte de nossas possibilidades. No entanto, é nosso propósito, sim, trazer para o debate profissionais da área de história (especialmente de história social, história cultural, história intelectual e história da ciência) em cujas pesquisas emergem de modo flagrante as flutuações semânticas dessa noção ao longo do tempo. 

Conexão UFRJ: A natureza é e deve ser tema somente da ciência ou também cabe à filosofia e à poética? Como isso é trabalhado no livro?

Mariana Contins: Evidentemente, trata-se de um tema multidisciplinar. As concepções de natureza são tema, seja implícita ou explicitamente, das mais diversas áreas científicas, e não somente de uma delas. A Superintendência de Divulgação Científica do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ buscou, na organização desses livros, promover o diálogo entre pesquisadores de diversas áreas. A partir desse encontro foi possível explorar, desenvolver e difundir diferentes conhecimentos e debates sobre as concepções que circulam no mundo acadêmico e na sociedade, assim como seus efeitos na vida social.

Conexão UFRJ: Que novas concepções de natureza Humboldt, Darwin e Lévi-Strauss trazem?

Mariana Contins: Há, evidentemente, significativas diferenças entre esses autores, seja em termos de contexto histórico em que cada um deles está situado, seja nos enquadramentos analíticos elaborados por cada um deles. Importante assinalar que, se discutimos a noção de natureza, inevitavelmente discutiremos a noção de cultura, problemática central na antropologia e especificamente para Lévi-Strauss. Essa oposição está também presente nos dois autores, embora o foco de suas reflexões esteja no universo natural e na sua evolução. Numa primeira e ampla aproximação, esses três autores reintegram os seres humanos na natureza, rompendo com a concepção cristã, na qual o homem estaria no centro do universo. O homem que conhecemos por natureza. Humboldt percebe a natureza como algo global, enquanto Darwin traz para o primeiro plano a noção de “evolução”, pensando a natureza em termos de suas constantes transformações.

Conexão UFRJ: Qual a importância de levar ao público geral a visão desses pesquisadores?

Mariana Contins: O tema “natureza” tem se imposto, nos últimos anos, de modo dramático a vida cotidiana e nos debates políticos e culturais. Não há como ignorar a premência da chamada crise climática e de suas repercussões na vida do planeta e de diversos segmentos da população mundial. Embora o problema assuma a forma de crises humanitárias quando os principais atingidos são as populações dos países mais pobres, não há como negar a sua dimensão planetária. Os discursos negacionistas seriam patéticos, se não fossem tão perigosos para o futuro do planeta e, consequentemente, para toda a humanidade. Estamos diante de um horizonte no qual se desenha um perfil catastrófico, colocando em risco não só a vida humana, mas a própria vida entendida em seu sentido mais amplo. Há uma teia de discursos cujo foco está precisamente nas concepções de natureza (científicas ou não), circulando na Academia ou na sociedade mais ampla. As consequências ficam evidentes nas decisões de políticas socioeconômicas e nas políticas voltadas para o meio ambiente. É preciso pensar nos usos inconscientes que fazemos dessa noção.

Afinal, o que entendemos por essa categoria, como ela variou historicamente e quais os pressupostos presentes nas decisões políticas que têm resultado no atual cenário catastrófico? Evidentemente, a urgência do tema tem repercutido de modo obsessivo em discursos acadêmicos e não acadêmicos. Nossa iniciativa ao propor esse livro consiste na necessidade de construir pontes entre essas modalidades de discurso, trazendo para a vida cotidiana dos cidadãos as contribuições que cientistas de diversas áreas têm trazido para esse debate. 

Christine Ruta é professora do Instituto de Biologia (IB) e ocupa o cargo de coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ. Nos últimos anos também tem se dedicado à escrita de artigos de divulgação cientifica voltados para o público infantojuvenil, abordando diversos temas científicos. Os livros Concepções de Natureza fazem parte dessa iniciativa, refletindo seu compromisso em despertar a curiosidade e o interesse das novas gerações pela ciência. 

Mariana Contins é doutora em Zoologia pelo Museu Nacional (MN) da UFRJ, com especialização na área de biologia marinha. Atualmente é pesquisadora da Superintendência de Divulgação Científica do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, onde realiza seu pós-doutorado com enfoque na abordagem interdisciplinar de questões ambientais complexas. 

*Sob supervisão da jornalista Vanessa Almeida