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Meio Ambiente Pelo Campus

A crise climática tem gênero

Mesa de debate na Casa da Ciência discutiu a relação entre gênero e clima e o papel feminino na luta pela conservação ambiental

A exposição Futuros da Baía de Guanabara realizou, no dia 5/4, a mesa de debates “Na maré do futuro: conexão entre clima, gênero e oceano”, na Casa da Ciência da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Com o intuito de discutir o papel de lideranças femininas na conservação dos oceanos, o debate teve mediação de Jemilli Viaggi e Simone Madalosso, integrantes da Liga das Mulheres pelo Oceano, e contou com a participação de Valdirene Couto Raimundo, líder comunitária do Quilombo do Feital; Júlia Motta, estudante da UFRJ e ativista da organização sem fins lucrativos Engajamundo; Tatiana Castelo Branco, coordenadora de Mudanças Climáticas da Secretaria Municipal de Ambiente e Clima do Rio de Janeiro (SMAC); e a comunicadora e ativista socioambiental Laila Zaid.

O reitor da UFRJ em exercício, Carlos Frederico Leão Rocha, apresentou o debate com uma fala de agradecimento aos presentes e exaltou o trabalho da exposição em unir diferentes formas de conhecimento em prol da conservação e valorização da Baía de Guanabara. Além disso, lembrou as iniciativas da UFRJ na limpeza da Baía, principalmente as realizadas no campus do Fundão. Ao anunciar as integrantes da mesa, falou da importância da presença de pessoas como Valdirene no evento, para integrar uma visão dos povos que de fato vivem na região e dela sobrevivem – ou seja, os saberes tradicionais do local. Segundo ele, se a sociedade considerar apenas o conhecimento acadêmico para progredir, é capaz de chegar ao fim do mundo.

O tema central da mesa foi a relação entre gênero e clima, discussão cada vez mais presente em debates mundiais. Na 26a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP26), realizada em 2021 em Glasgow, na Escócia, o presidente do evento, Alok Sharma, disse em seu discurso inicial que as mulheres correspondem a 80% dos deslocados por desastres e mudanças climáticas em todo o mundo. Isso porque, segundo relatório do grupo Women in Finance Climate Action, as consequências das mudanças climáticas intensificam as desigualdades e vulnerabilidades da sociedade, a partir das quais as mulheres estão inseridas. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), 72% das pessoas que vivem em extrema pobreza e estão mais vulneráveis a desastres ambientais no mundo são mulheres. O relatório “O Estado das Mulheres nos Sistemas Agroalimentares”, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, em inglês), mostra que, em média, homens trabalhadores do campo recebem salários maiores que as mulheres, apesar de a porcentagem de trabalhadoras da área na América Latina e Caribe (36%) ser semelhante à masculina (38%). Tais aspectos foram o ponto de partida das falas de Jemilli Viaggi e Simone Madalosso. Segundo elas, apesar das extremas desigualdades e os impactos das mudanças climáticas afetarem mulheres ao redor do mundo, a voz feminina não está presente nas tomadas de decisão e nos espaços de poder. 

“Nós precisamos ouvir a voz dessas mulheres que representam a juventude, as comunidades tradicionais, as comunicadoras, as ativistas, as formuladoras de políticas públicas e de tantas outras versões de nós, mulheres, que são super importantes nessa discussão. Então, já que estamos também dentro e fora da arte, da ciência, da cultura e da UFRJ, e para amplificar essas vozes, nós pensamos nessa mesa”, disse Jemilli.

Ex-catadora de caranguejo e atual liderança comunitária do Quilombo do Feital, localizado em Magé, no Rio de Janeiro, Valdirene Raimundo agradeceu a presença de sua família na plateia e ao Fórum de Ciência e Cultura por ter proporcionado a sua vinda até à Casa da Ciência. Segundo ela, aquela era a sua primeira vez em uma exposição. Quando perguntada sobre a importância do seu território na luta contra a emergência climática, a líder enfatizou que o Quilombo sobrevive a partir de seus saberes tradicionais, sua cultura e sua história e, por isso, é fundamental para a conservação do meio ambiente como um todo. 

“Tudo o que acontece no mar também nos afeta, ou seja, não existe meio ambiente sem a gente e não existe a gente sem o meio ambiente. E nós podemos fazer a diferença sim, mas só no coletivo. Sozinhos não fazemos nada. Meu território guarda saberes e valores coletivos”, completou.

Ativista ambiental e ex-moradora da Ilha de Paquetá, no Rio de Janeiro, Julia Motta ressaltou a importância da presença de jovens, mulheres, pessoas negras, quilombolas e indígenas nos debates sobre mudanças climáticas e preservação ambiental e, principalmente, nas tomadas de decisão. Segundo ela, a participação desses grupos traz lucidez para as discussões porque são eles os maiores impactados e também os que lideram os movimentos sociais. É preciso que as discussões sobre meio ambiente sejam sólidas e tragam soluções reais para os problemas que a humanidade enfrenta. Por isso, é necessário que esses grupos estejam presentes e tenham cada vez mais a sua voz ouvida. 

“O nosso sistema foi construído em cima de uma destruição da natureza, então é importante que essas pessoas [os mais impactados] estejam ali para mudar a raiz do problema, porque não adianta fazer um ótimo discurso mas não mudar a raiz do problema. E ela só vai mudar se as pessoas mais afetadas e vulnerabilizadas por esse sistema estiverem presentes.”

Como representante do poder público municipal, Tatiana Castelo Branco enfatizou o compromisso da SMAC na pauta ambiental e ressaltou a importância do entrelaçamento entre as agendas de enfrentamento às desigualdades, fome e mudanças climáticas. Trazendo o debate para o âmbito local, a coordenadora afirmou que as cidades têm papel fundamental para a transformação global e também demonstram de forma mais explícita como as desigualdades se distribuem territorialmente. “Porque é na cidade que vemos os efeitos cotidianos das mudanças climáticas”, disse. Com o auxílio de mapas, Tatiana mostrou as áreas da cidade do Rio de Janeiro mais afetadas pelos efeitos das mudanças climáticas ao longo do tempo, as quais são as regiões com menor poder aquisitivo da cidade. De acordo com ela, é importante analisar esses fatores por meio de um olhar interseccional, em que pessoas negras, principalmente mulheres, acabam sendo as mais afetadas nesse processo.  “Então uma mesa como essa é muito importante porque temos que aliar e alinhar o poder público, a academia, os movimentos sociais e a sociedade civil organizada no enfrentamento às mudanças climáticas.”

A comunicadora e ativista socioambiental Laila Zaid falou sobre a comunicação como ferramenta fundamental na luta contra as mudanças climáticas. Segundo ela, as informações necessárias sobre meio ambiente, aquecimento global e crise climática não alcançam a população como um todo, principalmente os mais vulneráveis, e que é urgente a mudança deste quadro. Por isso, é importante que os comunicadores divulguem conhecimento e informação de qualidade e de forma acessível para que cada vez mais pessoas entendam sobre esse tema central nos dias de hoje. 

“Há pouco tempo atrás, eu comecei a divulgar na internet o meu estilo de vida, que é totalmente ligado à sustentabilidade. E aí eu fui vendo que existia uma demanda de informação por pessoas que queriam saber o que elas poderiam fazer na vida delas para serem mais harmônicas com o meio ambiente. Então eu entendi que é para isso que existem as redes sociais e hoje o meu propósito está nesta comunicação pelo clima.”

As representantes da Liga das Mulheres pelo Oceano encerraram o evento enfatizando que mesas como aquela contribuem para a transformação ambiental, principalmente pela diversidade de vozes femininas presentes. Segundo elas, o trabalho coletivo, o diálogo, a troca de experiências e as vivências de cada uma são fundamentais para a mudança, seja na Terra, seja no oceano. “Afinal somos esse grande ‘oceano’ de mulheres. Temos uma frase que define as mulheres da Liga que fala que as mulheres são como água: ficam mais fortes quando se juntam”, concluiu Jemilli Viaggi.

Sob supervisão de Vanessa Almeida