Em 23/7 a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a varíola dos macacos uma emergência de saúde de preocupação internacional, com mais de 20 mil casos em 77 países. No Brasil já foram registrados quase mil casos. A epidemia da doença é a pauta da primeira edição do “Fala, Minerva!”, evento organizado pela Superintendência Geral de Comunicação Social (SGCOM/UFRJ).
Durante a abertura, a reitora, Denise Carvalho, ressaltou o papel da Universidade na pesquisa e na extensão, ao proporcionar mais qualidade de vida para a sociedade. “Um exemplo é a vacinação, que é importante para o indivíduo, principalmente, ainda mais do ponto de vista coletivo, pois vai diminuir o adoecimento da comunidade e evitar sofrimento e morte”, defendeu a reitora
O que é o vírus?
Professora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF), Clarissa Damaso iniciou o evento explicando a origem do vírus e suas similaridades com outros do mesmo gênero — o orthopoxvirus, que também abrange a varíola humana. De acordo com a pesquisadora, as vacinas produzidas até hoje conferem proteção para os diversos tipos da doença e já englobam o gênero monkeypox.
“A varíola comum e a dos macacos têm uma alta similaridade genética, por volta de 81% a 96%. A letalidade da doença atual é menor do que a da varíola original, entre 1 e 10% na África. A questão de letalidade tem muito a ver com o sistema de saúde do local”, explicou a professora.
Diferentemente da varíola declarada erradicada em 1980 pela OMS, o monkeypox é considerado um vírus zoonótico, com reservatórios naturais na África. Sua primeira detecção aconteceu na Dinamarca em pesquisas com macacos – por isso o nome pelo qual a doença é conhecida –, mas sua origem não foi nesses animais. A primeira notificação em humanos se deu no Congo, em 1973, tendo as crianças como principal público atingido. Nos anos seguintes, cerca de 85% dos casos foram em menores de 40 anos, já que a vacinação foi interrompida no fim dos anos 1970.
Fora da África, o primeiro caso foi detectado em 2003, nos Estados Unidos, devido à importação de roedores selvagens infectados. Desde 2017, o número de casos exportados vem crescendo. No surto atual iniciado no Reino Unido e em Portugal, ainda não se sabe qual foi o primeiro caso.
“A maioria dos casos registrados foi em homens que se autodeclaram homossexuais, por volta de 96%. E nos preocupamos com todos os grupos, já que a doença também é encontrada em mulheres e crianças. Além disso, temos que compreender como atender ao público mais afetado sem gerar algum estigma, o que pode ser tão prejudicial quanto a própria doença”, enfatizou a pesquisadora.
Manifestações clínicas
Rafael Galliez, professor da Faculdade de Medicina, explicou que os principais sintomas são alterações na pele – que podem ser em qualquer parte do corpo –, gânglios inchados, febre, dor no corpo e na cabeça. As lesões tradicionalmente são profundas, bem definidas na borda, sendo contagiantes até mesmo na fase de crosta. O período de incubação da doença é definido entre 5 e 21 dias, mas o paciente pode continuar transmitindo por até 40 dias, período bastante longo, segundo os pesquisadores.
“A transmissão se dá, sobretudo, por meio de contato pele com pele, mas também pode acontecer por meio de gotículas. Levando-se em conta que toda relação sexual – de qualquer tipo– é um contato íntimo, é, sim, capaz de ser um agente importante de propagação, mas não o único”, afirmou Galliez, enfatizando que o preservativo não é capaz de proteger contra a infecção.
Para critério epidemiológico, os casos suspeitos são, principalmente, de pessoas com histórico de viagem recente, que tiveram contato com alguém que viajou ou, ainda, contato íntimo com desconhecido.
“O padrão da doença começou a mudar neste surto e precisa ser acompanhado. Hoje são comuns lesões únicas, mesmo em áreas genitais e de mucosa oral, mesmo sem a fase de sintomas iniciais. As pessoas mais jovens são mais acometidas, com lesões em áreas anais e no pênis. A internação se trata, principalmente, de suporte à dor”, esclareceu.
Diagnóstico
O vírus é detectado nas amostras por meio do seu material genético de maneira muito parecida com o Sars-Cov-2, agente causador da pandemia da covid-19. Embora o exame possa ser feito pela região de orofaringe, no caso da varíola dos macacos, a coleta é feita preferencialmente nas lesões, por terem maior quantidade do vírus.
“Temos material genético suficiente para estudarmos a interação do vírus com a célula, e isso pode influenciar diretamente as pesquisas na área. Esse vírus nós conhecemos, diferentemente do causador da covid-19. A meta é erradicá-lo”, afirmou Amilcar Tanuri, professor da UFRJ e coordenador do Laboratório de Virologia Molecular.
O docente também ressaltou que, para tratamento dos casos graves, a medicina já possui remédios eficazes, assim como uma vacina pronta para tratar casos de contactantes.
Como a UFRJ está preparada para atender?
A primeira medida adotada pela Universidade foi a criação do Grupo de Trabalho para Enfrentamento do Monkeypox, colocando em atenção seu Complexo Hospitalar para acolhimento e notificação de casos. Em 14/6, a UFRJ detectou o primeiro caso no Rio de Janeiro e, desde então, se consolidou como uma das lideranças na detecção da doença, atendendo não só ao Rio de Janeiro, mas também ao Espírito Santo e a estados do Centro-Oeste.
Segundo Terezinha Castiñeiras, diretora do Núcleo de Enfrentamento e Estudos de Doenças Infecciosas Emergentes e Reemergentes (Needier), o Rio tem tido menos positividade do que as amostras vindas de outras localidades, o que mostra uma boa vigilância genômica na área.
“Sabemos que existem vacinas eficazes, mas, levando-se em consideração a demanda internacional, temos uma oferta hoje muito menor que a demanda. A ideia é que ela seja voltada para contactantes e para profissionais de saúde e de laboratórios que lidam diretamente com o vírus”, explicou Castiñeiras.
Entre as ações desenvolvidas pelo setor está um formulário de notificações de casos on-line, que posteriormente serão encaminhados para testes, além da realização do exame no campus da Cidade Universitária. Além disso, a instituição vem testando novas formas de testes diagnósticos que possam ser mais ágeis e acessíveis, como os de antígeno.
A UFRJ também está envolvida, junto a outros centros colaboradores, em uma pesquisa para acompanhamento dos pacientes, principalmente dos grupos de risco, com mais lesões cutâneas ou, ainda, com dificuldade de deglutir devido ao acometimento das mucosas.
“Se queremos conter esse vírus, precisamos parar com essa questão de orientação sexual. Estamos combatendo uma doença que acomete a espécie humana. Isso só atrapalha o controle epidemiológico. Não é uma questão científica, nem mesmo relevante. Se você tem sintomas, teste; se foi diagnosticado, isole-se”, concluiu Tanuri.
Lançamento do selo de debates
A palestra sobre a varíola dos macacos foi o primeiro evento do projeto Fala, Minerva!. A iniciativa pretende incluir a comunidade universitária nos principais temas discutidos na atualidade, promovendo, a cada três meses, novos debates. Quer sugerir o assunto da próxima edição? Mande e-mail para falaminerva@comunica.ufrj.br
Assista à gravação do evento no canal da UFRJ no YouTube.