A cada segundo domingo de maio, o Brasil comemora o Dia das Mães, mas um grupo de mulheres sempre se vê silenciado nessa data. Mães que sofreram a perda de seus bebês durante a gestação seguem lutando pelo reconhecimento de suas dores e da própria maternidade.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera perda gestacional a interrupção ocorrida até a 20ª semana – após essa data, a medicina já entende que é necessário realizar o parto e atestar o óbito. Uma pesquisa publicada no The Lancet em 2021 detectou que 1 em cada 10 mulheres passará pela experiência de um aborto, representando um total anual de 15% das gestações no mundo. Se esse número é tão grande, por que as mães ainda precisam lidar com uma série de violências e apagamentos após uma perda?
Maíra Sampaio Sales sempre quis ser mãe e ficou extremamente feliz com sua primeira gestação, mas, após um exame, descobriu que seu bebê tinha parado de se desenvolver. Sozinha na maternidade, Maíra se deparou com a falta de empatia dos profissionais de saúde que trabalhavam no local.
“A médica que realizou o procedimento foi bem fria ao me informar, não perguntou absolutamente nada sobre o que eu estava sentindo e nem ofereceu ajuda, apenas perguntou se eu trabalhava, para poder me dar um atestado, e ligou para minha obstetra para informar o ocorrido. Na saída da maternidade eu estava visivelmente transtornada, em crise de ansiedade e chorando muito, mas ninguém me ofereceu qualquer ajuda”, conta.
Segundo Ana Cristina Cunha, professora do Instituto de Psicologia e pesquisadora da Maternidade Escola, é preciso compreender que, embora dolorosos, alguns procedimentos são necessários para a resolução do caso, mas que sempre deve haver escuta e compreensão por parte do profissional.
“Já existia uma idealização em torno do bebê que está sendo gestado e desejado, do que ele iria ser para a família. Então a perda em si, os sentimentos, precisam ser o alvo do acolhimento”, explica a professora.
Os relatos de violência e silenciamento passam, muitas vezes, pela falta de estrutura dos hospitais e de treinamento dos profissionais de saúde para lidar com a situação. Casos de mulheres que, após a perda, foram colocadas em enfermarias com outras puérperas e seus recém-nascidos mostram a crueldade de um sistema de saúde que não acolhe as dores.
“Toda a perda tem um potencial traumático e vai implicar um luto por aquilo que foi perdido. Essa situação tem diversos impactos na vida da mulher – pode causar, inclusive, transtornos mentais com sintomas depressivos e ansiosos”, afirma Ana Cristina.
Uma sociedade que não acolhe
Rafaela Monteiro vivia uma gravidez de risco à espera de seu primeiro filho. Com 19 semanas, teve o apoio médico para realizar uma cerclagem uterina – procedimento de sutura no útero para manter o colo fechado e favorecer a gestação –, mas na semana seguinte entrou em trabalho de parto e deu à luz um bebê natimorto.
“Lidar com o luto é extremamente difícil, não ver a barriga terminar de crescer, não sentir mais o bebê chutando, não cantar mais para ele no banho… Ter que tomar remédio para secar o leite e aliviar a dor no seio, ficar 45 dias sangrando e sem seu bebê no colo. Era difícil ver um bebê menino recém-nascido, vinham mil coisas na minha cabeça. Imaginava como seria se o Malik estivesse conosco”, relembra.
Além da dor de perder um filho, as mulheres precisam encarar uma sociedade que não as enxerga como mães e que não respeita o luto. Tanto Maíra quanto Rafaela contam que ouviam constantemente que eram muito novas, que poderiam ter outras gestações, que precisavam voltar à vida de antes.
“As pessoas agem como se doesse menos quando você perde um filho antes de ele nascer. Mas, quando você deseja um filho, você se sente mãe a partir do momento em que descobre que aquele serzinho está ali. Você se conecta com ele de uma maneira muito forte e começa a imaginar toda uma vida ao lado daquela criança, e todas essas esperanças morrem quando você descobre que nada daquilo vai acontecer. Sofremos pelo luto não só pelo nosso filho, mas pelos sonhos que tivemos com ele”, ressalta Maíra.
A pesquisadora da Maternidade Escola explica que a sociedade acaba não considerando esse luto como legítimo porque o relaciona à perda de algo que não se realizou. Então acabam ignorando o sentimento da mulher e minimizando sua dor.
“Esse comportamento acaba dificultando muito mais lidar com a situação, já que a pessoa se vê, muitas das vezes, constrangida de trazer à tona os sentimentos porque não se sente autorizada a viver aquela perda. Afinal, a sociedade diz que era apenas uma gestação e não um filho já nascido”, explica.
Rede de apoio para superar o luto
Embora a perda possa nunca ser superada por completo, existem processos que amenizam o sofrimento dessas mães. O mais importante é, sem dúvida, é a rede de apoio de familiares, amigos e profissionais de saúde mental.
Rafaela conta que sua família esteve muito presente no período e que isso a auxiliou a superar o momento. “Foi doloroso, mas tive apoio do meu marido e de uma psicóloga do próprio hospital. Ela me ajudou bastante a lidar com essas sensações, dúvidas e questionamentos”, relata.
Além da família, dos amigos e da terapia, Maíra encontrou em redes sociais um espaço para conversar com outras mulheres com a mesma vivência – um ambiente em que se sentia acolhida e compreendida.
“Acho que apenas quem passou por esse processo consegue realmente acolher outra pessoa que também esteja passando por ele, e isso evidencia que a sociedade de modo geral não sabe como lidar com esse tipo de perda e de luto.”
A rede de apoio também foi essencial para Maíra em um segundo momento, quando engravidou novamente e se viu rodeada pelo medo de vivenciar a mesma situação. De acordo com ela, o período foi de uma ansiedade avassaladora, com que convive até hoje, mesmo que seu segundo filho já tenha um ano.
“O nascimento do Gael ajudou muito a amenizar a dor, mas não a apagá-la, pois não tem como substituir um filho. A presença dele foi importante para preencher o vazio, mas sempre fica aquele pensamento de como seria se tivesse acontecido diferente”, conclui.