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Cortes orçamentários na ciência ainda mais amargos em 2021

Universidades federais, que estão no combate à COVID-19, terão cortes de mais de R$ 1 bi. Sistema pode colapsar e UFRJ pode perder R$ 71 mi

Ladeira a baixo. Em descida íngreme de investimentos nas universidades federais pelo governo, a subsistência dessas instituições parece estar colocada em xeque, em contraposição ao aumento da contribuição da ciência nacional ao país. A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) organizou, na última quinta-feira, 18/3, uma coletiva de imprensa para jogar luz sobre o blecaute que os cortes previstos no Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) deste ano podem trazer ao sistema universitário federal.

Com orçamento desidratado há tempos, a redução orçamentária projetada para as 69 universidades federais é de quase 20% – para ser mais exato, 18,2%. Isso representa R$ 1,056 bilhão a menos na comparação com o ano passado. Cortar recursos das universidades federais não é novidade: em 2020, foram suprimidos 8,64% em relação a 2019, passando de R$ 6,06 bilhões (2019) para R$ 5,54 bilhões (em 2020).

Edward Madureira, presidente da Andifes e reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG), pontua que o novo corte “vai levar ao colapso todo o sistema ao longo do ano”. O pesquisador ainda destacou que, no momento, os investimentos nas universidades deveriam crescer por conta da adequação ao retorno presencial, já que será necessário realizar compra de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), por exemplo. “Um orçamento que precisa crescer diminui”, frisou.

Orçamento da UFRJ pode ter redução de R$ 71 milhões em comparação com o ano passado | Foto: Raphael Pizzino (Coordcom/UFRJ)

Na UFRJ, maior universidade federal do país, a situação é complexa. O projeto enviado pelo governo ao Congresso Nacional defende uma queda orçamentária de R$ 374 milhões (2020) para R$ 310 milhões (2021) – R$ 64 milhões a menos, o que equivale a mais de dois meses de funcionamento da UFRJ. Entretanto, um relatório da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização do Congresso Nacional aponta, na verdade, interesse em cortar mais – para R$ 303 milhões, o que significaria uma amarga redução total de R$ 71 milhões. O relatório ainda será votado.

Assistência estudantil é necessária

A situação também é dramática quando o assunto é o Programa de Assistência Estudantil (Pnaes). Seus recursos tiveram novo corte: agora de R$ 20,5 milhões, sem contar os R$ 185 milhões já subtraídos quando o Ploa foi enviado ao Congresso. Na UFRJ, entretanto, a Reitoria assegurou a continuidade do programa e não haverá prejuízo para os estudantes. O Pnaes é indispensável, haja vista os dados da 5ª Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos Graduandos das Instituições Federais de Ensino Superior (2018), que revelam que 7 em cada 10 estudantes têm renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio. 

Fonte: 5ª Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos Graduandos das Instituições Federais de Ensino Superior (2018) | Arte: Arthur Henrique (Coordcom/UFRJ)

Cortes ameaçam funcionamento das universidades federais

Segundo Eduardo Raupp, pró-reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças da UFRJ, o funcionamento das universidades está posto em xeque. 

Como havíamos alertado no fim do ano passado, a proposta orçamentária enviada pelo governo federal ao Congresso ameaça drasticamente o funcionamento das universidades. Esperávamos que o debate do orçamento no Congresso permitisse uma recomposição, mas fomos surpreendidos com o relatório da Comissão Mista de Orçamento, que propõe mais redução. Essa diminuição global de 18% – que tínhamos conseguido reduzir um pouquinho para 16,5% e esperávamos que, com o debate do orçamento no Congresso, pudéssemos alcançar os níveis de 2020 – foi agravada por essa nova leva de cortes. Esperamos que até a votação do orçamento isso seja revertido, porque o funcionamento das universidades está em risco, ainda mais no contexto da pandemia, em que precisamos planejar o retorno de aulas com segurança”, alerta. 

De acordo com Raupp, só na cidade do Rio, a estimativa é de que pelo menos R$ 3 milhões seriam necessários para apenas os concluintes voltarem às aulas práticas. Com o corte, a Universidade teria que se desdobrar com o cobertor curto.

“Mesmo que estivéssemos fora do contexto da pandemia, esse orçamento impede o nosso funcionamento com mínimas condições; coloca em risco todo o sistema universitário federal, que, como sabemos, é o que tem os melhores resultados em todas as áreas. Então, clamamos para que esse orçamento seja recomposto – que possamos ter, no mínimo, o mesmo orçamento de 2020 para enfrentar todas as adversidades que estão colocadas”, pede.

Enquanto UFRJ se dedica no combate à COVID-19, orçamento pode cair ainda mais | Foto: Moisés Pimentel (Coordcom/UFRJ)

Universidades federais precisam de aumento no orçamento

Dirigir a maior universidade federal do país em meio à pandemia de COVID-19 e com o pior orçamento dos últimos 10 anos não é fácil. A reitora da UFRJ, Denise Pires de Carvalho, ratifica a necessidade de atenção às universidades, produtoras de conhecimentos para o próprio povo.

“Neste momento em que a pandemia alcança números ainda maiores de óbitos por dia e em que as universidades têm atuado de forma inconteste no seu enfrentamento, precisamos imaginar que qualquer corte orçamentário é inadmissível. Na verdade, as instituições federais de ensino superior merecem um aumento no orçamento, porque o retorno gradual e seguro das atividades vai depender de mais investimentos em infraestrutura, em EPIs, em utilização de equipamentos na sala de aula que nós, antes, não precisávamos. Para o ingresso nos prédios, por exemplo, será necessária a aferição de temperatura. Precisaremos disponibilizar álcool 70º, além dos EPIs, como disse, e mais revezamentos nas salas em turmas com 50 alunos”, explica Denise.

“Deveríamos estar discutindo um aumento no orçamento e não uma redução” | Foto: Rodrigo Fortes (Coordcom/UFRJ)

Cortes atrasarão retorno presencial

Segundo a reitora, é inevitável o atraso no retorno presencial por conta das supressões orçamentárias. Para ela, o país deveria investir mais em ciência. 

“Queremos retornar presencialmente no tempo certo dito pela ciência, mas, para isso, precisaremos de mais investimento. Os cortes vão atrasar o nosso retorno, que é o que nós desejamos no futuro adequado. Para além da questão das atividades didáticas, existe a questão da assistência aos pacientes acometidos pela COVID-19, o que aumentará, ainda mais, o atendimento nos hospitais universitários da UFRJ e em nossas unidades de saúde. Portanto, deveríamos discutir um aumento no orçamento e não uma redução. A redução, neste momento de pandemia, é inadmissível por essas e tantas outras questões. É nas universidades públicas que a vacina brasileira surgirá. É nas universidades públicas que novos respiradores e novos testes sorológicos surgiram – e ainda podem surgir se nós pudermos continuar funcionando”, sustenta Denise.