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Opinião

UFRJ: um ano de enfrentamento da pandemia de COVID-19

Após um ano de pandemia, ficou claro que precisamos mudar radicalmente nosso modo de produção e nosso modo de vida, pois são insustentáveis

A humanidade já atravessou diversas pandemias ao longo de sua história. Os relatos na literatura, especialmente do mundo ocidental, são abundantes. Considera-se como um dos primeiros registros de uma pandemia a disseminação de uma doença que teve como provável etiologia a febre tifoide. Após atingir a Líbia, Etiópia e Egito, instalou-se na Grécia em 430 a.C., passando a ser conhecida como Praga de Atenas. Em 165 d.C., a Peste Antonina, possivelmente devido à varíola, iniciou-se nos hunos, que contaminaram os alemães e estes, os romanos. Em 541 d.C., a Peste Justiniana, provável peste bubônica, apareceu no Egito, espalhando-se pela Palestina, pelo Império Bizantino e acometeu o Mediterrâneo. Estima-se que as recorrências nos dois séculos seguintes vitimaram cerca de 25% da população mundial. A Peste Negra (peste bubônica) iniciou-se na Ásia e se disseminou para o oeste, atingindo o continente europeu em meados do séc. XIV, onde se espalhou rapidamente, sendo responsável pela morte de um terço da população mundial. As pandemias devastadoras de varíola, sarampo e peste bubônica que assolaram os povos nativos do continente americano após a chegada dos europeus no final do séc. XV e início do séc. XVI, as pandemias de cólera ao longo do séc. XIX, entre outras, são exemplos dos vários processos pandêmicos que ocorreram por diferentes etiologias. Em 1918, com o advento da Gripe Espanhola, estima-se que tenham ocorrido cerca de 50 milhões de óbitos. Desde então, o número de pandemias vem se acentuando: Gripe Asiática (1957-1958), Gripe de Hong Kong (1968-70), HIV/Aids (1981 até os dias atuais), SARS (2002-2003), Gripe Suína (2009-2010), MERS (2012), Ebola (2014-2016) e a mais recente de todas, a COVID-19 (2019 até os dias atuais). Além delas, merecem destaque os processos epidêmico-pandêmicos decorrentes da dengue, zika e chikungunya.

Em dezembro de 2019, em Wuhan, China, detectou-se um surto de pneumonia de etiologia desconhecida. Posteriormente, identificou-se o vírus, que seria mais tarde denominado de SARS-CoV-2. A publicação de artigos científicos em janeiro de 2020, mostrando que uma pessoa assintomática ou pré-sintomática poderia transmitir esse vírus, alertou-nos para o risco de uma pandemia. Uma doença de transmissão respiratória, um vírus novo, 100% da população suscetível, grandes aglomerados urbanos e um mundo globalizado, onde somente em 2019 foram transportadas 4,5 bilhões de pessoas por companhias aéreas, seriam os ingredientes perfeitos para um processo pandêmico sem precedentes.

No início de fevereiro de 2020, nossa Magnífica Reitora, professora Denise Pires de Carvalho, criou o Grupo de Trabalho (GT) Multidisciplinar para o Enfrentamento da COVID-19, envolvendo docentes e TAEs de diversos Centros da UFRJ. O GT iniciou seus trabalhos em 5/2/2020. Desde então, várias ações foram desenvolvidas, evidenciando a importância da UFRJ no combate à doença. Foram elaboradas diversas Notas Técnicas que tiveram grande impacto na sociedade. A criação do Centro de Testagem e Diagnóstico no bloco N do CCS foi um marco importante. Destacam-se também: a criação de ventilador mecânico; o desenvolvimento de um teste sorológico com proteína S com alta sensibilidade, especificidade e baixo custo; o acolhimento aos familiares dos pacientes internados no HUCFF; o uso de modelagem preditiva para estimar o R (número básico de reprodução); a criação de um oxímetro mais barato; o desenvolvimento de ferramentas de software, IA, IoT para acompanhamento de oximetria, frequência cardíaca e temperatura dos pacientes; a construção de laringoscópios com microcâmeras para visualização em tela de celular; a produção de álcool 70%. Além disso, vários projetos de pesquisa foram contemplados com milhões de reais, entre tantas outras ações de grande relevância científica e impacto social.

Após um ano de pandemia, ficou claro que precisamos mudar radicalmente nosso modo de produção e nosso modo de vida, pois são insustentáveis. A desigualdade social, o crescimento desordenado das cidades, a devastação da natureza, o acúmulo de resíduos não degradáveis no ambiente, a poluição do ar e das águas, o saneamento ambiental deficiente, a produção e processamento de carne de origem animal sem os devidos cuidados sanitários, entre outros problemas, explicam que não é por acaso que as pandemias estão ocorrendo cada vez com maior frequência, podendo ser mais devastadoras. Não havendo as mudanças necessárias, a pergunta que se coloca não é se, mas quando teremos novo processo pandêmico.

A História mostra que diversas pandemias provocaram não apenas morte e sofrimento, mas também profundas mudanças sociais. Não será diferente com a pandemia de COVID-19. Nunca na história da humanidade bilhões de pessoas ficaram confinadas em momentos praticamente simultâneos. O impacto psicológico, econômico e social perdurará por muito tempo. A superação da crise e de suas nefastas consequências demandará um esforço de todos os setores da sociedade.

No Brasil, a pandemia de COVID-19 adquire contornos dramáticos em função do negacionismo, postura anticientífica, estímulo às aglomerações sob a alegação de que a economia não pode parar, incompetência na gestão da crise, descaso com a aquisição de vacinas, disseminação de notícias falsas, falta de empatia, entre outras atitudes inaceitáveis de governantes que, se fossem verdadeiramente estadistas, estariam na linha de frente do enfrentamento à doença. Fruto dessas atitudes, o Brasil assiste com grande preocupação a emergência de uma nova variante do SARS-CoV-2 que, em conjunto com as aglomerações e a ínfima cobertura vacinal, vêm provocando um aumento de casos e óbitos em todo o país. É muito provável que durante todo o ano de 2021 conviveremos com os efeitos perversos da pandemia. O mundo está preocupado com a possibilidade dessa variante se espalhar globalmente e provocar novo recrudescimento da doença.

Diante dessa crise humanitária, resta-nos o dever de lutar por um mundo mais fraterno, solidário, justo e saudável.

*Roberto Medronho é professor da UFRJ e coordenador do Grupo de Trabalho Multidisciplinar para Enfrentamento da COVID-19