Essa história começa em 2007, no auge dos meus 17 anos, quando, no 3º ano do Ensino Médio, entre os treinos de break, as rodas de capoeira e o dia a dia da escola, eu sentia uma grande necessidade de trabalhar devido à dificuldade financeira por que minha família passava. Ao perceber minha vontade de trabalhar, minha mãe, muito sabiamente, me apresentou à Folha Dirigida, jornal que sempre mostra os concursos que estão por vir. Eu me lembro como se fosse ontem do que ela me dizia: “Meu filho, você quer trabalho, não é? Aí tá cheio de oportunidade! Se você não passar para a faculdade pública, eu não tenho como pagar uma particular. Mas se você passar em um desses concursos, com certeza VOCÊ consegue pagar.”
E assim começava, sem saber, minha jornada na Educação. Fiz concurso para Agente Auxiliar de Creche (cargo mais tarde transformado em Agente de Educação Infantil). Não sabia muito bem do que se tratava na prática, mas sabia que teria um salário fixo e seria funcionário público. Aos 17 anos, nas minhas condições, isso com certeza me interessava! Aprovado no concurso e convocado logo na segunda chamada, lá fui eu: 18 anos, primeiro emprego. “Mas Gabriel, você nunca havia trabalhado?” Sim, já estava fazendo alguns trabalhos com dança e continuei paralelamente, mas isso é para outro relato. A sala de aula foi meu primeiro emprego formal.
O primeiro ano foi bem difícil. A prefeitura passava por uma transição complicada, pois até então quem trabalhava em sala nas creches municipais eram as recreadoras, em sua grande maioria mulheres da própria comunidade. Não havia a necessidade de concurso, todas eram contratadas. De repente, o sistema de Educação Infantil municipal mudou e quem não fez o concurso estava sendo demitido para a entrada dos novos funcionários: os “concursados” – na época, fomos apelidados assim. Essa transição foi bem tensa e gerou um clima de animosidade entre funcionários novos e antigos, pois para os antigos nós não deveríamos estar ali “roubando seus empregos”.
Além de concursado, no meu caso ainda havia mais um agravante: o fato de ser homem! Em um ambiente hostil e numa profissão majoritariamente feminina, ser homem trouxe muita desconfiança acerca da minha capacidade de trabalho na área e, principalmente, acerca do meu caráter. As falas eram sempre essas: “mas você é homem, vai tomar conta das crianças? como vou confiar minha filha a você?”; “você não tem perfil para esse trabalho”.
Mas não é que eu gostei do trabalho? Confesso que, a princípio, não desisti porque realmente precisava da grana. Porém, quanto mais o tempo foi passando, o ambiente foi melhorando e a Educação Infantil municipal foi evoluindo – e cada vez mais eu gostava de estar ali. Minha presença passou não só a ser respeitada, mas também muito querida. Modéstia parte, eu fazia – e faço – um excelente trabalho com as crianças, e elas davam a confirmação em suas casas e na creche. Assim, o “Tio Gabriel” foi ficando conhecido entre as famílias da comunidade, e as falas passaram a ser: “meu filho só fala de você”, “minha filha te adora”, “você é um excelente profissional”.
Isso tudo e mais um pouco foi me dando força e ânimo para me manter na profissão que me escolheu. Sem contar que não tem nada mais encantador do que preparar o caminho para o aprendizado dos nossos pequenos e pequenas até o ponto de o mundo deles começar a ser transformado pelo conhecimento adquirido. A empolgação ao reconhecer as cores, os nomes, os animais, as partes do corpo… é tudo incrível! É necessário estar sensível e atento para perceber o valor e a importância desse conhecimento para eles; para perceber que todos os momentos do dia são pedagógicos, sim – pois as crianças estão sempre aprendendo e exercitando seus novos saberes. Como disse anteriormente, trabalho com arte em paralelo à educação e, com o tempo, passei a levar a arte para a sala de aula. Acredito que ela é um grande catalisador do aprendizado.
É necessário estar sensível e atento para perceber o valor e a importância desse conhecimento para eles; para perceber que todos os momentos do dia são pedagógicos, sim – pois as crianças estão sempre aprendendo e exercitando seus novos saberes.
Em 2018, fiz 10 anos de carreira, ainda um garoto na profissão. Em 2019, iniciei em outro cargo na mesma área: fiz o concurso para Professor Adjunto de Educação Infantil (PAEI), cargo com poucas diferenças com o que eu ocupava e na mesma área. Mas dessa vez fiz a escolha consciente pela Educação Infantil. Em 2020, tive a experiência mais estranha da minha carreira: o trabalho remoto! Logo eu, um exímio contador de histórias, adepto do ensino com arte e afeto, me vi gravando videoaulas, em uma educação a distância. Achava que já tinha visto quase tudo, mas por essa eu realmente não esperava. Em 2021, espero ansiosamente pela vacina e pela volta às aulas presenciais. Acredito muito na Educação Infantil. Creio que ali é um campo extremamente fértil, realmente o começo de tudo, onde vivemos intensamente o cuidar e educar. Como diria minha amiga e também professora Rita Garcia: “Educar é proporcionar experiências que favoreçam o aprendizado.”
Dedico este relato a todos os profissionais que decidiram pela Educação Infantil, em especial os homens que trabalharam comigo: Luiz Felipe, Daniel Feijó, Almir, Marcelo e Fernando Freire.