O dia de Cosme e Damião, no Rio de Janeiro, é uma festa. A generosidade dos adultos é renovada pela distribuição de doces. A alegria das crianças, que disputam cada saquinho de cocada, maria-mole, suspiro e outras maravilhas, contagia as ruas. Para contar essa história em detalhes, o Laboratório de Antropologia do Lúdico e do Sagrado (Ludens), do Museu Nacional (MN), apresenta, em seu perfil do Instagram (@ludensmn), a exposição Doces Santos.
Até 31/10, o grupo abre seus cadernos de campo e exibe fragmentos de uma pesquisa minuciosa feita desde 2013. A ideia é compartilhar as descobertas de anos anteriores e interagir com o público, atualizando a interlocução com a cidade. “Temos recebido muitas mensagens. As pessoas falam sobre os cuidados que estão tendo durante a pandemia”, exemplifica Renata Menezes, professora do Departamento de Antropologia do MN e coordenadora do Ludens.
Segundo ela, é difícil imaginar que as festas religiosas sejam totalmente suspensas, mesmo neste caótico 2020. “É preciso que elas aconteçam para que a vida continue num sentido cosmológico”. Com a COVID-19, as lojas de doces ficaram mais vazias, muita gente não saiu às ruas, a máscara e o álcool em gel entraram em cena. “Algumas pessoas não estão dando doces, preocupadas, talvez, por serem grupo de risco. Não querem se expor. Outras estão dando, mas sendo cuidadosas, usando máscara, preferindo doces embalados um a um – os chamados doces de pote –, limpando tudo com álcool em gel e fazendo a própria embalagem, para garantir a segurança das crianças”, descreve Menezes.
A professora falou com a nossa reportagem conjugando os verbos no tempo presente, mesmo que o dia de Cosme e Damião, 27/9, já tenha passado. É que uma das constatações da pesquisa foi a existência, sobretudo no subúrbio carioca, de um calendário não oficial que estende a festa, mais ou menos, até 25/10, dia de outros santos gêmeos, Crispim e Crispiniano.
“Personagens multiformes, Cosme e Damião podem se apresentar como mártires católicos, médicos, gêmeos, orixás africanos, protetores das crianças, ou mesmo entidades-crianças, dentre outras concepções a seu respeito, que também surgem em combinações”, descreve uma das legendas publicadas no Instagram.
A exposição leva o espectador para os mínimos detalhes: “os chinelos que estalam nas ruas”, indicando a liberdade das crianças; “a vida social dos saquinhos”, reconhecendo a circulação dos doces para além da data marcada; “o saber – fazer a festa”, que envolve gerações, grupos e religiosidades diversas; o banquete nos terreiros; a doação de brinquedos e cestas básicas. “E assim vamos formando uma grande narrativa”, completa Menezes.
Patrimônio imaterial do Rio de Janeiro, a festa é marcada pela alegria e é isso o que a exposição Doces Santos evoca. “Uma coisa que não seja apenas atender à necessidade básica, mas abrir espaço para a imaginação, para o futuro, para a esperança da criança”, define a coordenadora do Laboratório. Junto com ela, os pesquisadores Lucas Bártolo e Morena Freitas assinam a curadoria.
A pesquisa tem o apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e prepara novidades para novembro, por exemplo, a publicação de um livro. Para reunir mais informações e atualizar a investigação, o Laboratório também está com um questionário disponível na internet. Clique aqui e colabore!