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Opinião

Não é só orçamento: implicações do corte previsto no Ploa 2021

“Está em xeque o sistema universitário brasileiro”, pontua Eduardo Raupp, pró-reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças da UFRJ

Há poucas semanas o Ministério da Educação (MEC) comunicou que o Projeto de Lei Orçamentária (Ploa) de 2021 apresentaria a redução de 18,2% do orçamento discricionário das universidades federais. Infelizmente, o anúncio até aqui se confirmou. O governo tem até 31/8 para envio do Ploa 2021 ao Congresso. E parece que teremos que depositar lá nossas esperanças de uma reviravolta.

Mas o que essa decisão − derivada do limite do teto de gastos e das opções políticas que ele representa − tem de diferente de tantos contingenciamentos, cortes e limitações que tivemos ao longo do tempo? O que ela modifica na realidade da UFRJ, que já vem lidando com sucessivos déficits ao longo dos últimos anos?

Ela é profundamente diferente. Em outros momentos lidávamos com restrições de orçamento aprovado, mas ele estava lá, consignado em lei e passível mesmo de ser liberado a qualquer momento. Ainda que fosse uma expectativa, uma vez que só a liberação de fato permite seu uso, sua previsão legal amparava, inclusive, os atos administrativos nele lastreados. Agora não. O que se aponta é o sumiço de R$ 71 milhões do nosso orçamento, impedindo desde já que compromissos sejam assumidos e, praticamente, inviabilizando medidas paliativas, quanto mais a reversão dessa perda.

Quadro ‘delicado’ | Imagem: Bill Mackie/Unspash

Trata-se, assim, de uma mudança dramática em um quadro já tão delicado. Não será mais possível gerir o déficit. A UFRJ habituou-se a virar o ano devendo dois meses das suas contas, a serem pagos no ano seguinte, e, assim, seguir na expectativa de que alguma suplementação ou nova fonte de receita pudesse vir a abater aqui e acolá parte do seu estoque de dívida. Neste último ano, tivemos algum sucesso nessa tática, mas longe do necessário para superar o difícil quadro que se acumulou.

Com o Ploa 2021, será preciso encarar a supressão de serviços, a extinção de programas, o fechamento de atividades. É a imposição de um redimensionamento incompatível com a importância acadêmica e social da nossa Universidade. E suas consequências podem ser analisadas do ponto de vista do nosso orçamento, mas também das escolhas políticas que o corte carrega e aponta.

Do ponto de vista da gestão orçamentária e financeira da UFRJ, teremos que enfrentar esse quadro com a redução de pelo menos 25% da execução mensal do nosso orçamento no próximo ano e a imediata diminuição da execução nos últimos meses de 2020. A redução mais que proporcional ao corte advém do déficit acumulado e da total ausência de perspectivas políticas e econômicas de alternativas viáveis para seu enfrentamento. Não será mais uma administração do déficit que poderá nos orientar, mas um novo modelo de sobrevivência, de redução de danos e de garantia da nossa continuidade como instituição. É preciso que sigamos operantes.

“[O corte] atinge as universidades quando, mais uma vez, deram prova da sua importância e excelência em diferentes frentes do combate à pandemia de COVID-19” | Foto: Artur Moês (Coordcom/UFRJ)

Do ponto de vista político, é um cenário ainda mais perverso. Atinge as universidades quando, mais uma vez, deram prova da sua importância e excelência em diferentes frentes do combate à pandemia de COVID-19. Na hora de oferecer continuidade a esses esforços e de acolher professores, técnicos e estudantes durante e após os traumas da pandemia, somos tolhidos das condições materiais de fazê-lo. É importante notar que nem mesmo a assistência estudantil, já insuficiente, foi poupada dos cortes. Isso não enfraquece um curso, um programa, uma atividade ou um serviço específico, nem mesmo uma universidade ou outra: está em xeque o sistema universitário brasileiro. Estão em risco as conquistas acumuladas, os avanços acadêmicos, o caráter mais e mais inclusivo do acesso, a busca de uma inserção internacional consistente e abrangente, enfim, o próprio conceito de universidade em torno do qual nos debruçamos e nos dedicamos. Qualquer estratégia que almeja um desenvolvimento nacional integrado e integrador, que tenha a educação, a ciência e a tecnologia como base, está de vez sob risco.

Será preciso resistir e ousar, no cotidiano e em todos os espaços, pela nossa centenária UFRJ, pela educação brasileira, pelo futuro.

“Será preciso resistir e ousar, no cotidiano e em todos os espaços, pela nossa centenária UFRJ”, acredita Raupp | Foto: Artur Moês (Coordcom/UFRJ)

*Eduardo Raupp é graduado em Ciências Econômicas, especialista em Economia Política, mestre e doutor em Administração, sendo as quatro formações pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e o doutorado em cotutela com a Université des Sciences et Technologies de Lille (França), obtendo o título de doutor em Economia Industrial pela universidade francesa. Tem pós-doutorado em Administração pela UFRJ. É professor associado do Coppead e pesquisador do Centro de Estudos em Gestão de Serviços de Saúde (Cess) e do Laboratório de Inovação e Sustentabilidade. Foi vice-presidente da Associação de Docentes da UFRJ (2017-2019). Seus principais temas de pesquisa são a Inovação em Serviços, a Gestão Pública e a Inovação Social.