O suicídio ainda é um assunto tabu e quase sempre abordado em círculos fechados. Porém, o tema ganhou grande visibilidade neste ano, na sociedade e na internet, com o lançamento, em março, da série original da Netflix intitulada 13 Reasons Why – traduzida para o português como Os Treze Porquês – , que trata do suicídio na adolescência. Em paralelo, nas redes sociais do Brasil e do mundo, surgiram notícias de que um jogo chamado “Baleia Azul” se alastrou e levou muitos jovens a cometerem suicídio.
Esses dois virais da internet levantaram um forte debate no país, principalmente nas mídias sociais. Relatos, histórias, textos no Facebook e conteúdos de blogs e canais de Youtube tiveram como pauta o tema do suicídio na adolescência.
A série e o jogo do suicídio
O seriado mostra os treze motivos que levaram a protagonista Hannah Baker a cometer suicídio. Hannah deixa treze fitas cassetes gravadas por ela mesma, cada uma destinada a uma pessoa de seu convívio social, as quais considera terem sido as razões – os porquês – do ato de tirar a própria vida. A série gerou polêmica pela riqueza de detalhes dos pensamentos e atitudes de Hannah, bem como de seu suicídio em si. Além disso, muitas pessoas acreditaram que a série levou os jovens a dois caminhos: ou a cometerem suicídio influenciados pela trama ou a procurarem ajuda pelo mesmo motivo.
Ao mesmo tempo, o jogo da “Baleia Azul” ganhou visibilidade devido às suas regras insanas. Quem participava do jogo precisava realizar 50 passos, dos quais o último seria tirar a própria vida. Assistir a filmes de terror de madrugada, machucar-se constantemente e desenhar baleias no corpo com objetos cortantes eram alguns dos passos do jogo.
Estudante que participou do jogo procurou ajuda
O jogo chegou ao Brasil e foram noticiados vários casos de jovens e adolescentes que dele se tornaram usuários. Em contrapartida, com o debate nacional em alta, pessoas se sentiram à vontade para contarem suas experiências de bullying e como a superaram. É o caso de Ana*, 20 anos, aluna de graduação na UFRJ. Ela conta que participou do jogo recentemente, mas conseguiu procurar ajuda antes de chegar ao passo final.
“Eu sempre sofri bullying na escola e no ensino médio. Minha autoestima sempre foi muito baixa e eu me achava tudo de pior no mundo. Quando entrei na faculdade ano passado, as coisas começaram a melhorar um pouco. Eu senti que aqui na UFRJ eu poderia ser diferente e agradar as pessoas. Até consegui e tive um primeiro semestre muito bom. Mas no começo desse ano tudo voltou. Eu entrei num relacionamento que me voltou ao fundo do poço, foi então que eu comecei a jogar o jogo”, revela.
A estudante diz que cumpriu metade dos passos, mas não conseguiu levar o jogo até o final. “Eu não aguentei, tive que procurar ajuda. Meus pais foram fundamentais para eu começar a me recompor. Sem falar no meu psicólogo, que hoje é em quem eu mais descarrego minhas angústias,” conta.
Quanto ao seriado da Netflix, ela diz que simplesmente não conseguiu assistir. “Eu li a sinopse e não consegui ir adiante. Se eu tivesse assistido, com certeza não estaria aqui hoje. Eu sei que a proposta da série era alertar e abrir o debate de um tema até então deixado de lado, mas, para pessoas na minha situação, quase desistindo de tudo, seria fatal”, argumenta Ana, que preferiu parar de falar sobre o assunto.
Ana* afirma que ainda está longe de superar o trauma que o jogo causou, mas não pensa mais em estar em outra situação do tipo.
Como ficar atento aos sinais de sofrimento
Professoras do Instituto de Psicologia (IP) da UFRJ e psicólogas participaram, no dia 9/5, de um debate promovido pelo Centro Acadêmico Franco Seminério (Cafs) do IP/UFRJ e pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE Mário Prata), que teve como tema 13 Reasons Why, o Jogo da Baleia e Saúde Mental. O debate foi realizado no Instituto de Psicologia da UFRJ.
“Os comportamentos de uma pessoa que pensa em cometer suicídio geralmente são um meio de comunicação que veicula um enorme sofrimento e desespero no interior dessa pessoa. É muito importante trazer esse debate para dentro das universidades até para a gente entender melhor a situação dos nossos alunos acadêmicos”, afirma Fernanda Bruno, convidada do debate e professora do Instituto de Psicologia.
A psicóloga avalia que o jogo e a série foram importantes para abrir o debate da questão em todo o Brasil, mas que é necessário estar atento às pessoas que demonstram esses sinais todos os dias.
Outra convidada do debate foi Neusa Cabral, psicóloga do Núcleo de Desenvolvimento Ingridy Ribeiro. Ela disponibilizou, na página do evento do debate, uma cartilha intitulada Avaliação do Risco de Suicídio e sua Prevenção, que é um guia para orientar aqueles que perceberem sinais suicidas em pessoas do próprio convívio a fim de que possam, de alguma forma, ajudá-las a superar os seus problemas.
*A entrevistada solicitou sigilo quanto à sua identificação.