O Brasil vive hoje um dilema: ou persiste no caminho predatório da financeirização da economia ou se reconstrói a partir de um amplo projeto de desenvolvimento. Um projeto que inclua a expansão do parque produtivo – com autonomia tecnológica e atenção especial ao novo ciclo de inovações –, justiça social e sustentabilidade ambiental.
Essa foi a principal conclusão do seminário Brasil, Conjuntura e Perspectivas, promovido pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), no dia 20/2, na Casa da Ciência da UFRJ. Na ocasião, pesquisadores e economistas falaram sobre o cenário econômico e social do país.
Que projeto será escolhido no voto?
Luciano Coutinho, professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e ex-presidente do BNDES, disse que gostaria de discutir a recuperação do desenvolvimento e não da economia. “São questões completamente diferentes. Que tipo de projeto queremos para o país do ponto de vista da igualdade social, do meio ambiente, da previdência social? Recuperar o desenvolvimento pressupõe a definição de políticas de longo prazo.”
Mas, segundo ele, há uma questão que antecede a esse debate: a crise do sistema politico brasileiro, que gera uma grande incerteza sobre o futuro.
“Temos uma crise do sistema político e uma pergunta ainda sem resposta: qual é o projeto que vai em 2018 ser escolhido pela sociedade brasileira no voto? Os investimentos em saúde, em educação, tudo isso é relevante para o processo. Temos que lembrar que as sociedades não são indiferentes às ações econômicas, que se refletem nos processos sociais e estão longe de serem neutras”, destacou.
Para Coutinho, é preciso que o Brasil olhe para o que está sendo feito na fronteira da ciência e da tecnologia e se prepare para o futuro, em áreas como biotecnologia, nanotecnologia e internet das coisas, por exemplo.
O docente criticou ainda a brutalidade do volume de encargos financeiros pagos ao sistema financeiro. Para ele, há um espaço grande para a redução dos juros no Brasil – os maiores do mundo – para algo em torno de 2,5%. “Uma reforma importante e esquecida é fazer o atual sistema financeiro transitar do rentismo de curto prazo para um sistema que impulsione o desenvolvimento brasileiro.”
Crise do capitalismo exige soluções de longo alcance
Em sua exposição, Clélio Campolina, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), disse que o capitalismo, no Brasil e no mundo, vive uma crise apontada por pensadores de diferentes linhas teóricas.
“O sistema vive hoje às voltas com a desigualdade de renda, a crise ambiental, o desemprego, a financeirização e a insegurança cibernética, por exemplo. Tudo isso nos leva a perguntar se estamos diante de uma verdadeira metamorfose, com mudanças estruturais inevitáveis de médio e longo prazo”, afirmou.
Para enfrentar o cenário geopolítico global de incertezas, Campolina considera importante saber usar as vantagens comparativas do Brasil, como a riqueza e o potencial econômico dos recursos naturais do território marítimo e da Amazônia.
O pré-sal e as suas reservas petrolíferas, ameaçadas hoje por uma política de leilões dirigida a companhias multinacionais, assim como o aproveitamento da biodiversidade da floresta amazônica – sem destruí-la – são pilares importantes para um projeto de desenvolvimento de longo prazo, capaz de combinar crescimento econômico, igualdade social e sustentabilidade ambiental, de acordo com o pesquisador.
Mas o Brasil, segundo Campolina, ainda tem outros grandes desafios a superar. Um deles se relaciona diretamente com a universidade: a baixa escolaridade nos níveis fundamental e médio.
“Isso é decisivo do ponto de vista da cidadania e da consciência política, da capacitação profissional e da preparação para o ensino superior. O Brasil não conseguiu até hoje resolver o problema da educação básica. Está conseguindo um avanço na educação superior, mas com um déficit na educação básica!”, frisou.
Recuperar a indústria ou “mexicanizar” a produção
Outra questão a enfrentar, para o professor, é a necessidade de integrar a comunidade científica à atividade produtiva e ao setor de serviços, sem fazer da universidade mero instrumento do mercado. “As instituições acadêmicas precisam de autonomia para a pesquisa e para qualificar recursos humanos de alto nível.”
Campolina disse ainda que o fortalecimento da área de projetos de engenharia e de produção de bens e serviços é vital para a autonomia tecnológica.
“A indústria continua sendo o carro-chefe da modernização. Em 1980, ela representava 30% do PIB, hoje está em torno de 11%. Há desindustrialização e desnacionalização, e os componentes industriais importados estão crescendo exageradamente. Há setores que podem virar maquiladoras padrão mexicano. Precisamos dar a devida atenção ao desafio industrial”, completou.
“Rentismo não cabe dentro do desenvolvimento”
Em seguida, Fernando Sarti, diretor do Instituto de Economia da Unicamp, foi duro na crítica à financeirização da economia brasileira. Ele disse que com rentismo não há desenvolvimento. E que, para alcançá-lo, o Brasil precisará expandir a base produtiva e tecnológica.
“Em relação ao rentismo, sempre ouvimos por parte dos liberais que os direitos sociais previstos na Constituição não cabem no orçamento brasileiro. Vou inverter essa proposição e dizer que a sustentação do rentismo é que não cabe dentro do desenvolvimento brasileiro”, atacou.
Ao falar sobre o propalado déficit fiscal, Sarti frisou que o endividamento público brasileiro tem uma clara dinâmica financeira. Portanto, atribuí-lo ao fato de que o país gasta mais do que arrecada é falso. Ele indagou: temos, de fato, uma dívida pública fora de controle?
“Se a gente olhar para o mundo, o percentual da dívida brasileira em relação ao PIB é até baixo para o padrão internacional. É lógico que ela é financiada a taxas muito elevadas, mas essa é outra questão. Portanto, dizer que isso estava fora de controle é um grande exagero. Desde o Plano Real até 2014, sempre arrecadamos mais do que gastamos”, argumentou.
Então porque surgiu essa dívida? Entre 1994 e 2014 ela saltou de R$ 150 bilhões para R$ 3 trilhões e 100 bilhões. Ou seja, o país multiplicou a dívida pública por 20 mesmo sendo superavitário. “O que provocou essa dívida foi a dinâmica financeira e não operacional. Os juros elevados levaram a um crescimento brutal da dívida.”
Segundo Sarti, o Brasil pagou em 2015 8,4% do PIB de juros da dívida, uma soma de R$ 500 bilhões. E gastou apenas 0,2% em Desenvolvimento Agrário, 0,5% em Saneamento e Habitação e 2,7% em Educação e Cultura, por exemplo.
“O país gastou em 2015 40% da receita tributária federal com o pagamento de juros. Ué, mas estamos fazendo o ajuste fiscal para gastar em juros? O déficit da Previdência alegado pelo governo é de 50 bilhões, 10% do valor pagos com juros em 2015”, disse.
O representante do sistema financeiro na mesa, o economista Éverton Gomes, do Banco Santander, concordou que há espaço para a redução dos juros, “já que a nossa taxa real é a maior do mundo”.
Para ele, o cenário nos últimos anos foi marcado pela combinação de déficit fiscal com inflação alta e atividade econômica fraca. “Os preços administrados estavam represados e o seu reajuste impactou a inflação. A estratégia foi controlar o déficit e a inflação para que, no médio prazo, os investidores recuperem a confiança e a taxa de juros possa voltar a cair e estimular a economia”.
Investir em P&D é vital para o Brasil
Fernando Sarti destacou também que o mundo passa por um processo de “chinalização” da manufatura global – a indústria chinesa em 1996 representava 7% do PIB e hoje chega a 24% – e que o acirramento da competição internacional está levando a uma redução do preço dos produtos industriais.
“Nossa base produtiva está assentada ainda em setores da 2ª revolução industrial. Ainda não internalizamos completamente aqueles ligados à 3ª revolução, como as TICs”, sustentou.
O Brasil, para Sarti, deve se aproximar com urgência do novo ciclo de “inovações disruptivas”, que colocam grandes desafios para a economia.
O país tem gastos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) bem inferiores à média dos países desenvolvidos e deve se preparar para o impacto que elas terão sobre a economia global, que pode chegar a R$ 40 trilhões nos próximos 10 anos, de acordo com a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido).
Por fim, ele apontou como essencial o papel da universidade pública no desenvolvimento de uma base industrial brasileira autônoma do ponto de vista tecnológico e economicamente competitiva.