O Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador Científico é comemorado em 8/7 A data foi instituída pelas Leis nº 10.221, de 2001, e nº 11.807, de 2008, em homenagem à fundação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que ocorreu em 8/7 de 1948. A pós-graduação, em sua modalidade stricto sensu, é o caminho para a formação de pesquisadores e, consequentemente, para o impulsionamento da produção científica em um país. Neste dia de comemoração, o Conexão UFRJ propõe uma reflexão sobre a realidade da pós-graduação no Brasil e a democratização da área.
A pós-graduação é dividida entre lato sensu, que são as especializações e MBAs, e stricto sensu, que são os mestrados e doutorados ‒ organizados por meio dos Programas de Pós-Graduação, os PPGs ‒, nosso foco nesta reportagem. O curso de mestrado tem a duração média de dois anos e o de doutorado de quatro anos. Segundo dados da plataforma Sucupira, entre 2013 e 2023, 428.598 discentes se matricularam na pós-graduação stricto sensu no Brasil. Desses, cerca de 157 mil se autodeclararam brancos, 24 mil pretos, 63 mil pardos, 1.538 indígenas e 178.765 não informaram o pertencimento racial. Os dados também mostram que as mulheres acessam mais a pós-graduação stricto sensu, sendo 54,62% o percentual feminino e 45,38% o percentual masculino.
Essas informações revelam que a formação em uma pós-graduação nem sempre chega a todos os candidatos da mesma maneira, já que as pessoas lidam com realidades e atravessamentos diferentes. Necessidade de ingresso no mercado de trabalho, falta de estrutura e dúvidas em relação ao posterior reconhecimento salarial estão entre as questões enfrentadas por quem se aventura nesse universo.
As motivações por trás da escolha
A busca por estabilidade financeira e o interesse em ser professor universitário foi o que motivou Leandro Couto, 29 anos, a seguir na vida acadêmica após concluir a graduação, em 2021. Sua trajetória na pesquisa teve início ainda na graduação, tendo participado de programas de iniciação científica e sido bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) ‒ que tem como objetivo despertar vocação científica e incentivar talentos potenciais entre estudantes de graduação universitária.
Atualmente, Leandro é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) na Escola de Comunicação da UFRJ. Ele conta que ingressou no mestrado logo após concluir o curso de graduação: “Em 2021, assim que eu terminei, eu já fiz o processo seletivo do mestrado para a UFRJ mesmo. Em 2022, já entrei no mestrado, me formei em 2024 e aí eu passei o resto do ano de 2024 elaborando meu projeto para, em 2025, eu poder entrar no doutorado”. Ele destaca que estudar e se manter no mercado de trabalho tem sido uma das maiores dificuldades de sua trajetória acadêmica na pós-graduação: “Uma das maiores dificuldades da pós-graduação, pelo menos para mim, foi encontrar um meio do caminho entre manter-se no mercado e também a atuação na pós-graduação. Durante o mestrado, eu estava trabalhando como pessoa jurídica (PJ), que me permitia uma maior flexibilidade de horários. Mesmo assim, eu ainda tinha muita dificuldade”. Ele afirma que, entre essas questões, estavam os horários das aulas, que aconteciam no fim da manhã e início da tarde. Leandro destaca também as obrigações que a pós-graduação exige, como produção de artigos e participação em congressos.

Além da necessidade em conciliar os horários, existem as adversidades financeiras, já que as bolsas de estudo não contemplam todos os alunos. Em relação ao seu objetivo ‒ ser um professor universitário ‒, ele destaca mais um entrave: “Geralmente os editais pedem experiência profissional, com sala de aula. São coisas que, para quem trabalha, ficam muito mais difíceis Ou seja, você sempre sente essa culpa por estar trabalhando, porque precisa. Mas, por outro lado, você está perdendo muito na frente de outras pessoas. Outras pessoas que, às vezes, têm melhores condições de vida e podem se dedicar exclusivamente à pós-graduação. E aí elas desenvolvem mais artigos, publicam mais coisas e podem pegar a experiência com o estágio de docência muito mais vezes”.
Da Baixada Fluminense à Niterói
Gianne Reis possui pós-doutorado em Estudos Culturais, pelo Programa Avançado de Cultura Contemporânea da UFRJ. Cursou a graduação em Ciências Sociais na UFRJ e o mestrado em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense (UFF). É professora e pesquisadora do Laboratório do Trabalho e da Educação Profissional em Saúde (Lateps), da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz).
Assim como Leandro, também teve o primeiro contato com a pesquisa na graduação, sendo bolsista Pibic. “Foi a minha primeira experiência e foi lá que eu tive acesso à pesquisa de um modo geral e que me abriu a possibilidade de fazer uma pós-graduação, no caso, o mestrado”, conta. Gianne relata que até aquele momento ainda não vislumbrava a pós-graduação como uma possibilidade para ela, e destaca o recorte racial, sendo ela uma mulher negra: “Até então, na verdade, eu nem sabia dessa possibilidade. Isso nunca tinha sido uma possibilidade para mim porque eu não tinha essa informação na graduação. Acho que tem muito a ver com a questão racial, de fato”.
Para ela, cursar o mestrado foi uma alternativa profissional e de continuidade de estudos em uma área de que gostava: “Eu precisava continuar estudando para me inserir profissionalmente. Então, a possibilidade de fazer, de ir para a pós-graduação também tinha como foco a minha inserção profissional, porque eu não tinha nenhum network, não tinha nenhuma rede de apoio profissional e nem conhecimento em relação ao que poderia ser feito na minha área”, afirma. Gianne acredita que não teria as oportunidades profissionais que teve se tivesse feito somente a graduação.

Gianne era moradora da Baixada Fluminense e estudava em Niterói ‒ levava duas horas para fazer esse trajeto. Para conseguir se manter, precisou trabalhar no início do seu curso, mas conseguiu depois uma bolsa de pesquisa em uma outra instituição. Ela destaca que não foi contemplada com nenhuma política de permanência na sua universidade enquanto estudava: “Foi a partir dos contatos que eu fiz durante a graduação que consegui uma bolsa para trabalhar com pesquisa. Então, eu fiquei trabalhando de uma forma bem flexível enquanto estava fazendo mestrado, mas na Universidade não tinha nenhuma política de permanência”.
Ela salienta também a dificuldade em ser uma mulher negra fazendo um curso de mestrado em que só havia pessoas brancas: “As pessoas que estavam fazendo mestrado tinham outras relações profissionais e outros capitais. Capital social, cultural e financeiro também. Então a dificuldade em ser uma mulher pobre, periférica e estar numa universidade em que as exigências eram inúmeras, como a exigência (de saber) inglês. Eu posso dizer que ter terminado o mestrado foi um ato de muita coragem porque tudo era contrário a essa possibilidade”. Gianne já era mãe, e conta que precisava sair de casa muito cedo, deixar seu filho na creche, além de ler os textos exigidos na madrugada. Para ela, as dificuldades têm relação com a total ausência de apoio para pessoas de grupos discriminados e invisibilizados entrarem e permanecerem na universidade. Ela destaca também a necessidade de apoio psicológico: “Eu acho que, para além dessas questões materiais e econômicas, o apoio psicológico também é essencial. Estar em uma universidade, na época eminentemente branca, é um impacto muito grande para uma pessoa negra, periférica e que não tem a possibilidade de ter pares e uma conversa, considerando esses marcadores sociais, considerando a questão interseccional. Agora a gente tem todo esse repertório de discussão, mas que, na época que eu fiz, era zero”. Ela terminou o mestrado em 2005.
Bolsas insuficientes e o trabalho invisível do pesquisador
Luis Bordini, 27 anos, é formado em Engenharia Química e sempre quis seguir a carreira acadêmica e se tornar professor universitário. Ele concluiu o doutorado em Engenharia de Processos Químicos e Bioquímicos na UFRJ em 2025 e seguiu para o pós-doutorado também na área. Ele conta que já participava de projetos de pesquisa desde o ensino médio, no próprio colégio. Na graduação, seguiu o mesmo caminho. Ele foi ganhador do Prêmio Inventor Petrobras de 2022 e teve um projeto que virou patente da empresa. Após concluir a graduação, realizou o processo seletivo para o mestrado. Ao final do primeiro ano no curso, teve aprovação direta para o doutorado. Luis faz parte da equipe de pesquisadores do Laboratório de Intensificação de Processos e Catálise (Lipcat) da UFRJ e conta que, por fazer parte de um laboratório com estrutura de ponta, nunca teve dificuldades em realizar suas pesquisas: “Uma vez que o Lipcat tem bastante fundos, tinha muita verba, então eu não sofri com problema de verba, de não conseguir fazer algo que eu precisava para minha pesquisa, em tudo eu estava com bastante suporte. Aí também, no final do meu doutorado, eu já tive oportunidade de passar no concurso de professor substituto, o que é um primeiro passo para minha meta profissional futura”.

Ele afirma que a realidade dos pós-graduandos que dependem de bolsas é absurda: “Vendo além do laboratório do qual eu faço parte, de modo geral, na pós-graduação, sem dúvida a maior dificuldade são as bolsas que são propiciadas para os alunos. É um absurdo de tão pouco, dado a competência e toda a trajetória acadêmica que os alunos precisam ter para consegui-las e também a falta de verba para os outros laboratórios. Ele destaca, ainda, a falta de entendimento da sociedade sobre a pós-graduação como um trabalho: “A gente fica aqui 40 horas por semana, saindo às vezes nove da noite por causa de um experimento e as pessoas no mundo lá fora achando que a gente só está estudando. Não enxergam isso como um trabalho”. E completa: “Porque isso eu acho que ainda é uma conscientização que precisa ser feita com a população: a de que pesquisa é um trabalho. Enquanto a gente não visualizar isso, de que a pessoa precisa dedicar 100% do tempo dela para fazer uma pesquisa de qualidade, a gente nunca vai conseguir superar esses problemas”.
Necessidade de políticas de permanência
Com a intenção de manter os pesquisadores na pós-graduação, as universidades têm, ou deveriam ter, políticas que visam garantir que estudantes consigam concluir seus cursos, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Essas políticas podem incluir auxílios financeiros, moradia estudantil ou restaurantes universitários, criando condições para que os estudantes se dediquem a suas pesquisas, sem que as dificuldades financeiras ou de acesso a serviços básicos sejam barreiras para a conclusão do mestrado e doutorado. Natália Trindade, secretária-geral da Associação de Pós-Graduandos (APG) da UFRJ, relatou que as maiores dificuldades enfrentadas pelos discentes da pós-graduação estão vinculadas à falta de acesso à permanência estudantil. “A universidade não se atualizou em relação às políticas educacionais. Os pós-graduandos de hoje em dia não têm o mesmo perfil daqueles de 20 anos atrás. Os discentes atuais sofreram impacto das políticas públicas de democratização do ensino superior, como a Lei de Cotas. Então não dá para tratar com as mesmas medidas de antes”.
Natália ainda explicou sobre o fato de as relações no mestrado e doutorado serem muito particulares, estando vinculadas aos programas de pós-graduação, e não com a universidade em si. Todas essas questões dificultam o acesso direto à formação pós-universitária. Assim, para auxiliar os discentes, a APG atua no diálogo direto com as pró-reitorias, com a Reitoria e com a administração central, pautando as demandas estudantis. Mobiliza a cobrança por mais bolsas e participa de reuniões com os coordenadores dos programas de pós para trazer mais informações, trabalhando como uma ponte entre os discentes e esses projetos.
Em entrevista concedida ao Ministério da Educação, Denise Pires de Carvalho, presidente da Capes, afirmou que o desenvolvimento de um país depende diretamente do seu número de doutores: “Se pretendemos ser um país desenvolvido, precisaremos de mais doutores. Não é coincidência que, quanto mais doutores, maior o Produto Interno Bruto (PIB) de uma nação”, disse.
*Pesquisa: Ana Clara Santana