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Instituto de Psicologia recebe primeiro professor indígena da história

Docente chega à UFRJ representando o povo Potiguara da Paraíba

Em abril deste ano, o Instituto de Psicologia (IP) da UFRJ admitiu pela primeira vez uma pessoa indígena em seu corpo docente. João Irineu de França Neto tomou posse no Departamento de Psicologia Social, na área de Psicologia, Comunidades, Povos Originários e Tradicionais, onde vai atuar nas aulas da graduação. Mais recentemente também foi credenciado como docente da Pós-Graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social (Eicos).

A trajetória de João Irineu é múltipla e representativa. Nascido na cidade de Araçagi, no interior da Paraíba, o indígena do povo Potiguara foi para a capital aos 21 anos. A partir de então, percorreu um caminho que o levou inicialmente à área de línguas, com uma graduação e um mestrado em Letras e um doutorado em Linguística, todos cursados na Paraíba. Não satisfeito, realizou também um pós-doutorado em Dialetologia em Lisboa, Portugal. Depois disso, voltou à Paraíba e concluiu uma nova graduação, dessa vez em Psicologia. O novo percurso o levou a se mudar para São Paulo, onde concluiu um novo doutorado em Psicologia Social. Com tantos títulos, João Irineu chegou a atuar por 13 anos como professor de Linguística na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). No final de 2024, foi aprovado no concurso da UFRJ.

Além de uma atuação muito potente na academia, o psicólogo também mobiliza ações nos movimentos sociais indígenas. Participou como um dos autores na escrita das referências técnicas para atuação de psicólogos junto aos povos indígenas, foi um dos fundadores da Comissão de Psicologia e Relações Étnico-Raciais do Conselho Regional de Psicologia da Paraíba, além de ter prestado assessorias político-pedagógicas a associações comunitárias e movimentos populares, participando também da fundação da Associação Cultural de Indígenas em Contextos Urbanos da Paraíba (Acicup).

Para João, que é indígena, neto de rezadeira e cresceu acompanhado de saberes tradicionais, estar na universidade faz parte de um processo de recuperação e da expansão dos modos de pensar. “Para mim, é um processo de retomada do direito de ser, que não é só individual, mas coletivo dos meus parentes (…) para dizer que os nossos saberes ancestrais precisam ser valorizados na produção dos saberes científicos, na Psicologia, que trabalha com a subjetividade humana. E pensar que essa subjetividade não pode se restringir ao indivíduo isolado, mas à relação entre o indivíduo e a coletividade e também ao ser humano na relação com outros seres, com seres não humanos e com seres encantados, como dizemos na diversidade das culturas indígenas”, explica.

Esse foi um dos pontos que o motivou a criar a Oca do Bem Viver, um consultório de psicologia indígena na Aldeia de Akajutibiró, no município de Baía da Traição, também na Paraíba. Baseado no conceito de “psicoparenterapia” como abordagem própria, João desenvolveu o método baseando o atendimento terapêutico na relação de parentesco indígena e na ancestralidade. Assim, a oca deixa de ser apenas um espaço físico e passa a ser também um lugar de encontro.

Com quatro livros publicados, João espera aproveitar o novo espaço na universidade para desenvolver a pesquisa que iniciou na sua tese. A ideia é propor um diálogo entre pesquisa, extensão, atendimento psicoterapêutico a pessoas indígenas e os saberes da academia. “Nesse sentido, também reafirmo meu compromisso ecoexistencial com a vivência do ensinamento do espírito coletivo, simbolizado nas colmeias das abelhas-irmãs da floresta, que aprendi durante anos com a cultura ancestral de meu povo Potiguara. E, assim, vou construindo uma Psicologia Indígena, uma Psicologia Antirracista, a serviço do Bem Viver de todos os povos originários da Mãe Terra”, conclui.