O Rio de Janeiro, em 2025, celebra o título de Capital Mundial do Livro pela Unesco, e a Bienal do Livro Rio não poderia ficar de fora dessa festa. O evento, que aconteceu entre 13 e 22/6, foi um verdadeiro caldeirão de histórias, autores e leitores. Neste ano, dois nomes se destacaram com lançamentos que mostram a diversidade e a riqueza da nossa literatura.
De um lado, Milton Nunes, professor do Instituto de Psicologia da UFRJ, com mais de três décadas de dedicação ao ensino, nos presenteia com Copacabana: Me engana… Que eu gosto!, um livro de crônicas que, com muito humor e um olhar crítico, retrata o dia a dia vibrante do Rio. As páginas de Milton são um convite para rir e refletir sobre a vida carioca.
Do outro, a multifacetada Tassia Menezes, técnica-administrativa da UFRJ. Mais conhecida como Taslim, a artista transita por diversas linguagens e nos transporta para o futuro com A Dáie de Vários Nomes. O romance afrofuturista não é apenas uma obra de ficção; é também o livro vencedor do Prêmio Book Brasil, na categoria Fantasia.
Dois estilos distintos, duas trajetórias diferentes, mas que se encontram num mesmo ponto de partida: a UFRJ. Milton e Taslim representam a força criativa da universidade pública e reafirmam que as histórias podem ser contadas de inúmeras formas, sempre com o poder de encantar e provocar.
Crônicas de um cronista urbano: o humor afiado de Copacabana: Me engana… Que eu gosto!
Milton Nunes lançou na Bienal seu primeiro livro literário: Copacabana: Me engana… Que eu gosto!, publicado pela Editora Albatroz. A obra, que reúne crônicas bem-humoradas e críticas sobre o cotidiano carioca, foi construída ao longo de oito anos, atravessando momentos históricos do país – da polarização política à pandemia.
“As primeiras crônicas nasceram ainda no fervor da disputa política. Depois, na pandemia, o livro ganhou sua forma final. Existe um ponto de virada. Tudo que parece desconectado se costura no último capítulo, quando os personagens se encontram numa hecatombe na Nossa Senhora de Copacabana com a República do Peru”, relata.

A estrutura foi pensada para deixar pistas no ar, pequenos enigmas, entre a ironia e o absurdo. “É um livro que mistura jornalismo literário, ficção e realidade. Resgata a tradição da crônica, mas com um olhar contemporâneo, ácido e cômico. Nunca me diverti tanto quanto escrevendo este livro. Foi mais prazeroso do que escrever qualquer artigo acadêmico”, afirma Nunes.
Apesar da leveza, a crítica está ali: à extrema direita, ao negacionismo, à superficialidade da comunicação digital. Quando perguntado se pretende escrever novos livros, Milton, que transita entre a Escola de Comunicação e o Instituto de Psicologia da UFRJ, orientando alunos de graduação e TCCs, diz que é naturalmente comprometido com a sala de aula e com seus alunos, mas que tem ideias.
“Meu problema com a ficção é o tempo. Sou muito dedicado aos meus alunos. Tenho ideias para novos livros, mas ainda não sei quando nem o que virá, nem mesmo o gênero”, conclui.
Afrofuturismo e multilinguagem: Taslim estreia com o romance A Dáie de Vários Nomes, vencedor do Prêmio Book Brasil 2025
Redatora da Superintendência-Geral de Comunicação da UFRJ (SGCOM/UFRJ), artista multilinguagem e mestranda no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) do Museu Nacional, Taslim estava, na mesma Bienal, divulgando o romance A Dáie de Vários Nomes, publicado pela Kitembo Editora. A obra, que lhe rendeu o Prêmio Book Brasil 2025 na categoria Fantasia, conta a história de uma viajante do tempo que aceita a missão de atravessar séculos em busca de respostas, começando pelo Rio de Janeiro de 2019, pouco antes da pandemia.
“Escrevi meu primeiro livro aos 10 anos, mas foi com a Dáie que me permiti finalmente publicar”, revela. A personagem, Malí-ST (futura Dáie) vive em um mundo sombrio, onde uma doença emocional é transmitida pelo olhar. Ao aceitar o convite para ser uma Dáie no Reino de Uró, ela parte em busca de sentidos perdidos entre realidades, nomes e dimensões.
O processo de escrita foi intenso. “Terminar o livro foi uma das experiências mais desafiadoras da minha vida. A escrita, para mim, é algo profundamente autobiográfico. Só consigo escrever sobre o que desvendei em mim. Por isso, Dáie também é sobre mim. Sobre coragem, espiritualidade e ancestralidade.”

Universidade como berço de narrativas transformadoras
A estreia literária desses dois membros da comunidade universitária simboliza não só a potência criativa que emerge das universidades públicas, como também espaços de pensamento, pesquisa e expressão. Milton Nunes, ao reviver e reinventar a crônica como crítica social, e Taslim, ao cruzar ficção científica, espiritualidade e narrativa decolonial em sua estreia como romancista, demonstram como a UFRJ segue sendo um território fértil de produção cultural em múltiplas linguagens.
Ambos afirmam que o reconhecimento na Bienal e os retornos do público os impulsionam a seguir. “Ganhar um prêmio logo no primeiro livro foi uma surpresa. Não como medalha, mas como sinal de que estou no caminho certo”, diz Taslim. Já para Milton, “o estilo literário em que a crônica está inserida pode estar fora de moda para alguns, mas, quando ela volta, volta com força”.
Nesse encontro de tempos, linguagens e formas de dizer, a UFRJ marca presença com duas estreias que, embora diferentes, partem de uma mesma convicção: escrever é, antes de tudo, existir.
Sob a supervisão da jornalista Vanessa Almeida.