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Benedita da Silva recebe título de doutora honoris causa da UFRJ

Homenagem marca reconhecimento a uma trajetória de luta e resistência de uma das maiores lideranças negras do Brasil

A deputada federal e ex-governadora do Rio de Janeiro Benedita da Silva recebeu nesta segunda-feira, 9/6, o título de doutora honoris causa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A cerimônia aconteceu no Auditório Pedro Calmon, do Palácio Universitário, no campus Praia Vermelha.

A iniciativa de concessão do título partiu do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos Suely Souza de Almeida (Nepp-DH) e foi aprovada por aclamação pelo conselho superior da UFRJ em novembro de 2024.

“Esse título é da doméstica que cuida como especialista em assistência social. É da manicure, que escuta mais que muito analista. É do motoboy, que conhece a cidade tanto quanto o urbanista. É da avó, que cura com folha. É da mãe, que ensina com gestos. É da religiosa, que ensina pela fé. É dos pretos e pretas, das vítimas das balas achadas, das juventudes periféricas, da população LGBT. É dos que ainda vivem sem CPF, e dos que moram onde o CEP ainda nega a sua dignidade”, afirmou Benedita, emocionada.

“Uma mulher negra, guerreira, feminista, a favor da inclusão social, radicalmente contra a desigualdade social”. Foi com essas palavras que o reitor da UFRJ, Roberto Medronho, definiu a homenageada. 

“O pioneirismo desta mulher guerreira, que nunca se curvou a nenhuma imposição, que venceu todas as barreiras colocadas à sua frente, que inspira a todos nós. Inspira, inclusive, ao chamado da universidade como sendo a casa do saber, mas não é apenas a universidade. O saber está lá no povo. O saber está no dia a dia da favela, das comunidades”, disse Medronho.

Nascida em 26/4/1942, no Rio de Janeiro, Benedita é uma política brasileira reconhecida por sua luta em prol dos direitos humanos e da defesa da população negra, em especial das mulheres negras. Construiu sua vida pública envolvida nas lutas em favor das minorias e populações marginalizadas da capital fluminense.

Moradora do morro Chapéu Mangueira durante cinquenta e sete anos, iniciou sua trajetória na Associação de Favelas do Estado do Rio de Janeiro. Foi voluntária na alfabetização de adultos e jovens pelo método Paulo Freire.Também foi líder comunitária, ainda no período da ditadura. Na mesma época, foi uma das fundadoras do Departamento Feminino da Associação de Moradores do Chapéu Mangueira. Nunca deixou de estudar e, aos 40 anos, concluiu os cursos de Serviço Social e de Estudos Sociais.

Benedita da Silva foi uma das fundadoras do Partido dos Trabalhadores no estado do Rio de Janeiro. Foi eleita vereadora em 1982, tornando-se uma das vozes mais atuantes do movimento negro brasileiro, posição que se consolidaria em 1986, quando foi eleita deputada federal. Foi a primeira e única mulher afrodescendente na Assembleia Nacional Constituinte, onde encaminhou diversas emendas parlamentares que possibilitaram o avanço da luta negra, destacando-se o artigo que garantiu o reconhecimento das terras quilombolas. 

Disputou a prefeitura do Rio de Janeiro em 1992, indo para o segundo turno daquele pleito, onde terminou em segundo lugar. Já em 1994, tornou-se senadora. No Senado Federal, foi autora da proposta de emenda constitucional que regulamentou o trabalho dos empregados domésticos, projeto que só seria aprovado em 2010, quando Benedita já exercia o mandato de deputada federal. Em 1998, foi eleita vice-governadora do Rio de Janeiro, assumindo como governadora entre abril e dezembro de 2002. 

No curto período em que esteve à frente do executivo fluminense, colocou em prática uma das bandeiras do movimento negro contemporâneo: nomeou 20% de negros para o primeiro escalão. Nesse período, deu sustentação política para que a Lei nº 3.708/2001 fosse implementada nos vestibulares da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) de 2003, que reservaram 40% das vagas para negros e pardos nos cursos de graduação.

Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para presidente do Brasil em 2002, foi designada ministra da Assistência e Promoção Social, ocupando o cargo até 2007. Entre janeiro de 2007 e março de 2010, Benedita da Silva atuou como secretária de Assistência Social e Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro. Em 2010, foi eleita para mais um mandato de deputada federal pelo Rio de Janeiro, e foi reeleita em 2014 e 2018.

A trajetória de vida e luta de Benedita, segundo a professora do Nepp-DH Fernanda Barros, representa a dignidade, a força e a esperança de milhões de brasileiros. “Em especial para nós, mulheres negras, oriundas das classes populares, dos subúrbios, do interior e das favelas. Trata-se do reconhecimento de uma trajetória gigantesca. Os caminhos percorridos por Benedita da Silva são memoráveis e colossais”, disse Fernanda.

Durante a cerimônia, a superintendente-geral de Ações Afirmativas, Diversidade e Acessibilidade da UFRJ, Denise Góes, afirmou que o título reflete a representatividade negra dentro da Universidade. “Precisamos ocupar verdadeiramente esses espaços. Esse título está sendo concedido a você porque uma pessoa negra pensou nesse título e uma pessoa negra efetivou esse título. Nós precisamos nos puxar, nós falamos por nós, não precisamos mais de representantes”, destacou Denise.

Emoção e carinho marcaram a cerimônia

Com o Auditório Pedro Calmon lotado, Benedita da Silva foi aplaudida de pé pelo público ao entrar no local, e também durante toda a cerimônia. Familiares e amigos da deputada estavam presentes, entre eles o ator e cineasta brasileiro Antônio Pitanga, marido da homenageada.

Público lotou o Auditório Pedro Calmon, do Palácio Universitário, no campus Praia Vermelha – Foto: Divulgação

Benedita discursou por mais de vinte minutos, por vezes com a voz embargada. Ela agradeceu e enalteceu o significado da homenagem, mas disse que o título não pertence somente a ela, e sim a muitas pessoas que ela representa. O papel de transformação social da UFRJ para a mudança da realidade por meio da educação também foi destacado pela deputada. 

“A universidade pública é a contramão do silêncio imposto. É o território onde o saber deixa de ser privilégio dos bem-nascidos e se faz conhecimento com retribuição e devolução generosa ao mundo. O título é o reconhecimento dos talentos forjados na travessia dos corpos que resistem pensando nas vidas que sonham, escrevendo suas histórias. É a celebração da política, da inclusão, da diversidade, do saber que liberta, não aceita a censura e não se ajoelha diante do autoritarismo. Honro com este título cada rosto que me atravessou, cada voz que me ensinou, cada luta que me moveu”, finalizou Benedita.