O conceito de epistemicídio foi cunhado pelo sociólogo Boaventura de Sousa Santos no final do século XX com o objetivo de se aprofundar sobre o apagamento dos saberes de grupos periféricos e marginalizados acometidos pelas consequências da colonização europeia. Etimologicamente, a palavra – que equivale à junção do grego episteme (conhecimento) com o latim cídio (morte) – significaria algo como “morte de um conhecimento”. Mas, nesse caso, tratam-se de saberes que nem mesmo chegam a ser reconhecidos como “científicos” ou “válidos”. No Brasil, na maioria dos casos, são oriundos de povos como os indígenas e negros.
Estudioso da formação social brasileira, o pesquisador Paulo Sundi vem se debruçando sobre o epistemicídio indígena como tema da sua pesquisa de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS) da UFRJ. Já no segundo ano da formação, o assistente social tem encontrado uma maneira de unir sua experiência pessoal com a área de pesquisa, já que há pouco tempo se identificou enquanto um tupinambá em retomada graças à sua ascendência familiar no Maranhão. Olhar para os saberes de sua etnia e de tantos outros povos indígenas o ajudou a ter uma visão mais macro da situação que, segundo ele, mostra a necessidade de marcar uma disputa de narrativas.
“O epistemicídio é esse apagamento da participação da população indígena da história do Brasil, que é território indígena, né? Nós somos, enfim, a população originária. Então a gente precisa retomar essas ciências, a academia, a produção de conhecimento e fazer as nossas críticas. Também produzir conhecimento a partir da nossa ótica, da nossa cultura, porque é muito diferente quando você tem um sociólogo branco falando sobre Brasil e um sociólogo indígena falando sobre Brasil”, explica.

Ainda que na graduação Paulo tenha focado em estudar o racismo a partir de questões da negritude, o interesse em pesquisar a partir de uma perspectiva indígena começou em virtude de uma reunião de fatores, já no mestrado. Além de iniciar seu processo de retomada indígena, também foi naquela época que o pesquisador se aproximou do Coletivo de Estudantes Indígenas (CEI), do qual faz parte atualmente. A presença das temáticas dos povos originários em sua vida foi instaurando a necessidade de olhar para o espaço retirado desta população na formação social brasileira, o que o levou a pesquisar os movimentos indígenas na Assembleia Nacional Constituinte de 1987.
Após a conclusão e também ao perceber a ausência do debate sobre as populações indígenas na ESS, Paulo sentiu a necessidade de olhar para o epistemicídio como forma de destrinchar esse apagamento. Para isso, na sua pesquisa, o caminho percorrido tem sido o de mostrar a existência de um pensamento hegemônico que exclui os diferentes, a partir de leituras de obras de autores clássicos e relevantes para analisar a perspectiva social brasileira, como Gilberto Freyre e Euclides da Cunha. A perspectiva do autor pontua a necessidade em compreender que as formas de produzir ciência e conhecimento são diferentes, mas que não por isso devem ser invalidadas ou tratadas na condição de algo místico, lenda ou folclore.

Segundo Paulo, é preciso incorporar na sociedade que ervas medicinais são conhecimento, bem como a educação em roda, por exemplo. Para os povos indígenas, os rios e a floresta também são espaços de aprendizado, assim como ter aula embaixo de árvore também é uma metodologia. “Não é somente uma coisa aleatória da cabeça de pessoas indígenas, isso tem muito a ver com a nossa cultura”, conclui.