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Pelo Campus Sociedade

Como equilibrar trabalho e saúde mental?

Pesquisa do Instituto de Psicologia investiga relação entre desequilíbrio psicológico e modo de trabalho desenfreado

Em março deste ano, dados do Ministério da Previdência Social mostraram como boa parte da população brasileira está adoecida mentalmente. Apenas em 2024 foram contabilizados mais de 470 mil afastamentos cedidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a casos de transtornos de ansiedade ou bipolaridade, depressão e vício em drogas, entre outros de saúde mental. 

O número representa cerca de 13% do total de licenças motivadas por doenças, além de demonstrar um crescimento de 68% em relação ao ano anterior. Na ocasião em que se celebra o Dia do Trabalhador, essas informações despertam preocupação, já que destacam o crescimento de enfermidades que podem parecer invisíveis e, justamente por isso, se tornam perigosas. 

Os motivos para o aumento desse tipo de casos podem ser variados. No entanto, a tese de doutorado A Economia Psicoativa do Trabalho faz uma análise sobre como a lógica de produtividade excessiva valorizada pelo capitalismo pode levar indivíduos à necessidade de performar além do que o corpo permite. Desenvolvida pelo psicólogo Sérgio Guimarães, a pesquisa investigou um contexto específico, com entrevistas a trabalhadores que atuam na Bolsa de Valores, em São Paulo. 

O pesquisador realizou a graduação, além do mestrado e doutorado, no Instituto de Psicologia (IP) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Desde o princípio de sua trajetória acadêmica, tem se interessado por investigar as relações entre trabalho e saúde mental. Enquanto no TCC e na dissertação Sérgio observou os efeitos da terceirização, durante a observação de mulheres que trabalhavam na UFRJ a partir desse modelo, em sua pesquisa mais recente ele analisa o uso de substâncias químicas no trabalho, como medicamentos e psicotrópicos. 

O psicólogo e pesquisador Sérgio Guimarães. | Foto: Acervo Pessoal

Após a pandemia, o pesquisador então começou a acessar reportagens que falavam sobre o aumento desse tipo de substância no ambiente de trabalho. O interesse foi crescendo conforme o assunto retornava com pacientes que chegavam a ele no consultório de atendimento clínico psicológico. Mudando o público pesquisado para profissionais do mercado financeiro de São Paulo, Sérgio pôde perceber que, além do uso de drogas lícitas e ilícitas, vinha sendo cada vez mais comum a utilização de medicamentos que prometiam mais foco e produtividade. Na maioria das vezes, são remédios controlados que apenas deveriam ser utilizados com acompanhamento médico, mas que acabam sendo compartilhados e incentivados inclusive por pessoas em cargo de gestão.  

Para Sérgio, esse comportamento reflete justamente a necessidade de uma produtividade excessiva. “O trabalho demanda uma economia psicoativa para as pessoas conseguirem entregar um trabalho no nível de exploração que o trabalho capitalista exige. A gente vê que o núcleo do capital sempre exigiu substâncias para a classe trabalhadora tentar dar conta de um trabalho que no limite é mortífero. É letal”, defende o psicólogo.  

Segundo ele, a questão de uma ideia meritocrática e individualista de organização do trabalho favorece a automedicação, já que faz com que as pessoas busquem maneiras de mascarar o adoecimento a fim de performar uma produtividade que garanta empregos. Diante da crise de saúde mental relacionada ao trabalho, Sérgio aponta a necessidade de que os trabalhadores tenham espaços coletivos para não se sentirem tão sós, e assim conseguirem melhorar juntos a realidade psíquica.

“Várias pesquisas no Brasil e no mundo mostram que uma das saídas para os trabalhadores e a classe trabalhadora aumentarem o seu poder de agir no trabalho é a gente coletivizar o sofrimento no trabalho. É uma aposta nas formas de trabalho coletivas, espaços de discussão dentro dos contextos de trabalho em que trabalhadores e trabalhadoras possam falar de suas vivências, de sofrimento e elaborá-las de forma coletiva”, conclui.