Divulgado às vésperas do Dia Mundial da Água (22/3), um levantamento do Instituto Trata Brasil revelou a falta de infraestrutura que levou em 2024 à internação de mais de 300 mil brasileiros, vítimas de doenças como diarreia, verminoses, infecções de pele e enfermidades transmitidas por mosquitos. A evolução do saneamento básico no país tem sido lenta. O tratamento de esgoto aumentou só 14% em 16 anos, entre 2006 e 2022. Para reduzir o descompasso, uma estação experimental de tratamento ecológico de esgotos baseada em wetlands construídos (WC) está sendo implementada no campus da UFRJ em Macaé.
Pântanos, brejos, planícies de alagamento e manguezais são wetlands naturais e a tecnologia se espelha na natureza, para filtragem, retenção da contaminação e purificação de água. O projeto foi desenvolvido pelo professor de Hidráulica, Hidrologia e Engenharia Portuária e Costeira Rafael Malheiro da Silva do Amaral Ferreira, do curso de Engenharia Civil, com recursos próprios e participação voluntária dos estudantes para arrecadar recursos e montar o laboratório a céu aberto. Com apoio financeiro, o sistema pode ajudar a cumprir legislação sobre universalização do saneamento até 2033.
A partir do monitoramento de dois sanitários instalados no campus, os estudantes e pesquisadores vão analisar o volume das águas residuais geradas, fazer uma avaliação qualitativa do efluente tratado e verificar a eficiência da remoção de poluentes, a qualidade da água tratada e parâmetros quantitativos, como o HRT (tempo de retenção hidráulica) de cada estágio de tratamento.
De acordo com Rafael Ferreira, os resultados do estudo, além de contribuírem para o avanço do conhecimento científico em engenharia ecológica, também têm significância prática para comunidades que lutam com desafios de tratamento de esgoto. “A experiência pode ter replicação em outras localidades, distritos, municípios, especialmente no interior do estado do Rio, que ainda não tem atendimento à questão do saneamento”, afirmou.
Projeto
Para o professor, também é um projeto de extensão, pois, ao receber estudantes do ensino médio ou fundamental da região, demonstra ser possível o tratamento específico feito por raízes de plantas. “É um sistema ecológico, alternativo, mas também, de uma maneira mais geral, ensina sobre a questão do saneamento no Brasil e a própria questão da ecologia”, destacou.

O sistema permite diversas configurações à estação experimental, e a flexibilização abre portas para pesquisas futuras, como sobre a separação de águas negras de águas cinzas; a redundância das duas fossas sépticas e dos dois wetlands, permitindo diferentes combinações entre seus volumes; a possibilidade de alteração do meio de suporte e das espécies vegetais, entre tantas outras alternativas.
O experimento visa também demonstrar que existem formas descentralizadas e ecológicas de tratar de águas residuais, que podem ser bastante úteis para implementação em favelas, subúrbios e locais rurais, especialmente com baixa densidade populacional e baixa expectativa de retorno econômico. “Ele pode ser implantado longe do centro para tratar pequenas cargas poluidoras. O nosso sistema pode atender uma família, pois ele é baseado num jardim com plantas. Seria preciso alguns metros quadrados de jardim para tratar o esgoto de uma família ou você pode ir até uma cidade de 100.000 ou 200.000 habitantes”, assegurou.
Do ponto de vista de Ferreira, o que falta é ter uma sistematização. “Um dos objetivos que a gente quer com o projeto é sistematizar esse tipo de tratamento de esgoto e saber a área que deve ser adotada para cada pessoa. Como a gente está propondo, ele é um sistema descentralizado, é ecológico, evita a poluição dos recursos hídricos”, concluiu.