Hoje, 20/3, pela manhã, terminou o verão de 2024/2025, que ficou marcado como um período de calor extremo. Além do calor já conhecido pelos brasileiros nesta época, muitos lugares passaram por situações de recorde de temperaturas e sensação térmica. O Rio de Janeiro chegou a 44°C no mês de fevereiro, a mais alta registrada pelo Sistema Alerta Rio desde o início das medições, em 2014. A região Sul do país também passou por ondas de calor no início deste ano, chegando em sensação térmica de até 50°C, segundo o órgão de meteorologia MetSul.
Esse alto índice de calor trouxe preocupações para a saúde da população, especialmente aos grupos de risco, como os idosos, mulheres e crianças. A pesquisa “Eventos extremos de calor e saúde perinatal: intervenções necessárias diante da prematuridade e da crise climática”, da UFRJ, tem como foco as mulheres gestantes. O projeto tem o objetivo de expandir o conhecimento sobre as possíveis consequências e cuidados para a gravidez em um período de calor extremo.
O estudo foi feito em parceria entre o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa/UFRJ) do Departamento de Meteorologia e o Departamento de Enfermagem de Saúde Pública da Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN/UFRJ). Renata Libonati, do Lasa, e Andreza Rodrigues, da EEAN, são as coordenadoras do projeto.

Reprodução: Instagram do Lasa/UFRJ
Após a Revolução Industrial, um período de grande transformação tecnológica, ocorreu um aumento de gases de efeito estufa –– maior quantidade de gases carbônico e metano — com a queima de petróleo e carvão, o desmatamento e a perda da vegetação nativa. Renata Libonati destaca como esse aumento tirou o sistema climático do seu equilíbrio natural: “Os ‘fenômenos extremos’, como as ondas de calor e secas, passaram a ocorrer com mais frequência, a fim de tentar manter o equilíbrio termodinâmico”.
Relação entre mortes causadas pelo calor e questões socioeconômicas
Hoje, o calor extremo é uma das causas de morte no Brasil. Segundo o estudo intitulado “Desigualdades demográficas e sociais das mortes relacionadas ao calor em áreas urbanas brasileiras no século XXI”, de 2024, elaborado pelo Lasa, ocorreram mais de 50.000 mortes prematuras, ou seja, antes da expectativa de vida de uma população, devido ao calor, entre 2000 e 2018. A pesquisa foi realizada em 15 das principais regiões metropolitanas do país, como Manaus, Fortaleza, São Paulo e Curitiba.
Libonati aponta que questões socioeconômicas e raciais estão diretamente ligadas aos grupos de risco: “Nesse mesmo estudo, nós mostramos que em todas as regiões pesquisadas, os pretos e pardos e pessoas com baixa escolaridade morrem mais durante o episódio de onda de calor do que pessoas brancas e com maior escolaridade”. A pesquisadora destaca também que esses dados não têm relação com a fisiologia das pessoas, mas com as desigualdades socioeconômicas que as atravessam, como falta de acesso à saúde e à educação, o que as torna mais vulneráveis.
As capitais são as mais atingidas pelas mortes devido a sua tendência a ter altas ondas de calor. A urbanização gera maiores temperaturas nas cidades do que o seu entorno que tem vegetação –– assim, “ilhas de calor” são criadas nos centros urbanos. As áreas rurais sofrem menos impacto do calor por não serem afetadas por esse fenômeno.
Emilly Monteiro, estudante de Medicina, é gestante e moradora da cidade do Rio de Janeiro. Ela conta que sofreu muito com as altas temperaturas neste verão: “Por conta do calor, fico muito indisposta. E teve um episódio em que eu acabei desmaiando, porque estava muito quente”.
Possíveis consequências nas gestantes quando em contato com o calor extremo
Em mulheres grávidas, a atenção precisa ser redobrada. Segundo a pesquisa, “a saúde perinatal torna-se alvo de atenção pelo acúmulo de evidências, que sugere associações positivas entre exposição pré-natal a esses eventos e resultados adversos da gravidez, como prematuridade ou baixo peso ao nascer”.
Natalin França, 45 anos, psicóloga que acabou de dar à luz, praticava alguns cuidados a fim de evitar problemas com o calor: “Tentava me hidratar bastante e evitava fazer qualquer coisa na rua entre 12h e 16h”. Já Maria Cecilia Marques, de 21 anos, técnica de Enfermagem, nota o aumento do inchaço nas pernas e pés em períodos de mais calor. A natureza do seu trabalho faz com que ela passe grande parte do dia em pé.
Trazer à discussão esse tema permite com que a sociedade dê a atenção necessária para um assunto que não é colocado em pauta no Brasil. Segundo Libonati, não existem estudos no país como em outras regiões do mundo sobre a relação de episódios de calor prolongados e saúde perinatal: “Na América do Sul, nós temos menos estudos para identificar quais são os grupos vulneráveis ao calor porque a gente tem o senso comum de achar que, por morarmos numa região tropical, estamos acostumados com o calor e que ele não é um problema. E, na verdade, é sim”, destaca a pesquisadora.