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Cotas para pessoas trans: abrindo caminhos

Por meio da Sgaada, UFRJ trabalha em políticas públicas para garantir acesso à graduação e combate à transfobia

Dados de pesquisa realizada em 2022 pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) mostram que 70% da população entrevistada não concluíram a formação básica e apenas 0,02% chega à educação superior. Os números são alarmantes e caminham paralelamente ao fato de que o Brasil segue sendo, pelo 15º ano consecutivo, o país que mais mata pessoas trans no mundo. Diante desse cenário e de uma movimentação que vem sendo realizada em instituições de ensino superior em prol de garantir o acesso à graduação para essa população, a Superintendência-Geral de Ações Afirmativas, Diversidade e Acessibilidade (Sgaada) está desenvolvendo um edital para garantir vagas exclusivas para pessoas trans. 

A proposta envolve ofertar cerca de 400 vagas do primeiro período da graduação que não foram aproveitadas em 2024. Pensado em conjunto com os diversos coletivos que defendem a pauta na Universidade, o documento está pronto para ser debatido com a Pró-Reitoria de Acesso à Graduação (PR-1) a partir de uma perspectiva técnica. A pretensão da Superintendência é implementá-lo ainda neste ano, no segundo semestre. Liderado pela Diretoria de Gênero e Pertencimento (Digepe), o movimento alinha-se a um processo de letramento que é desenvolvido em visitas a centros e unidades, a fim de explicar termos básicos como sexualidade e identidade de gênero, em um esforço de garantir o respeito dentro dos espaços públicos da Universidade. 

A promoção de cotas para pessoas trans na UFRJ não é novidade. Desde 2016 alguns cursos de pós-graduação – como o Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas em Direitos Humanos (PPDH) –  já haviam implementado ações pioneiras na inclusão dessa população em cursos de mestrado e doutorado. No entanto, os dados mostram que, para chegar à pós, antes é necessário que pessoas trans e travestis consigam acessar o nível superior. Esse novo edital  é um primeiro passo possível, ainda que não o ideal. Segundo a Sgaada, o objetivo futuro é conseguir que as vagas sejam reservadas diretamente pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu). 

A superintendente da Sgaada Denise Góes. | Foto: Moisés Pimentel (SGCOM/UFRJ)

“Nosso objetivo com esse movimento é que essas cotas no ano que vem venham do Sisu. O governo federal tem que dizer: existem cotas para pessoas trans, assim como existem para pretos, para indígenas e para quilombolas. Tirar a Universidade dessa zona de conforto é fazer a discussão das políticas públicas, o que é o grande carro-chefe de todas essas mudanças que a Universidade vem vivendo do ponto de vista social. É trazer para a cena pessoas que estavam invisibilizadas”, defende Denise Góes, superintendente à frente da Sgaada. 

Para quem já está na Universidade, como é o caso da doutoranda em Ensino de Matemática Erikah Souza, a discussão sobre as cotas é imprescindível, em especial diante do cenário vigente. Atualmente, a cearense é a única travesti no nível de doutorado no curso de Pós-Graduação em Ensino de Matemática na UFRJ. Para ela, que também atua como professora em duas escolas no seu estado, há um apagamento de pessoas trans e travestis na sociedade e é necessário que políticas públicas sejam implementadas para garantir o acesso a direitos mínimos e à cidadania. “Há uma resistência muito grande de pessoas que não querem comprar essa briga. Acham que queremos mais direitos, mas é uma perspectiva de reparação. Colocar as cotas nas universidades é ir contra esse maremoto de retrocesso”, defende Erikah.

Combatendo a transfobia na Universidade

Erikah recebeu o Prêmio LGBTI+ Pesquisa por sua dissertação de mestrado. | Foto: Acervo

A partir da identidade de gênero, Erikah experienciou diversos casos de transfobia, inclusive na Universidade. Após tomar as medidas cabíveis, a doutoranda encontrou acolhimento no coletivo Matematiqueer. Fundado em meados de 2020 pelo professor Agnaldo Esquincalha, orientador da doutoranda, o grupo de pesquisa e extensão universitária busca investigar as relações que pessoas que fogem às normas socialmente impostas – em relação a gêneros e sexualidades e outras interseccionalidades – desenvolvem com a matemática. 

Ainda que seja vinculado à UFRJ, o coletivo conta com cerca de 200 pessoas envolvidas diretamente na promoção de ações de extensão e pesquisa espalhadas em diversos estados brasileiros e diferentes instituições. Além de estudantes de licenciatura em Matemática, há ainda representantes da pós-graduação na área e também de outros cursos, como Psicologia, Física e Letras. O Matematiqueer é um dos coletivos que enxerga importância no debate da visibilidade LGBTQIAPN+ dentro das ciências exatas. 

Em paralelo aos movimentos de docentes e discentes, institucionalmente a Universidade também abre espaço para debate e acolhimento por meio da Ouvidoria.  Ao articular áreas acadêmicas e administrativas da UFRJ, o setor busca promover e garantir os direitos humanos e universitários do seu corpo social. Para isso, a Ouvidoria realiza ações de orientação permanente sobre a legislação e os procedimentos vigentes no âmbito da Universidade, inclusive em se tratando de assuntos de visibilidade. 

O combate e enfrentamento da transfobia, bem como o desenvolvimento de políticas públicas de garantia de acesso à cidadania para as populações que a sofrem, é um processo que vem sendo desenvolvido coletivamente. Para isso, a união dos coletivos, as ações da administração central, representada pela Sgaada, e o acolhimento ofertado pela Ouvidoria têm promovido algumas mudanças, ainda que mais avanços sejam necessários. “Não dá mais para jogar essa discussão para debaixo do tapete. A gente entende que a nossa atuação dentro da Reitoria é para garantir que essas pautas tenham vida própria e sejam representadas por quem é de direito”, explica Denise. 

Equipe Sgaada com a vice-reitora Cássia Turci. | Foto: Moisés Pimentel (SGCOM/UFRJ)

Dessa maneira, a indicação para aqueles que enfrentam ou presenciam algum tipo de transfobia é fazer a denúncia na Ouvidoria. Esse é o primeiro passo, mas há diversos canais para realizar o procedimento. Você pode acessá-los pelo site oficial: www.ouvidoria.ufrj.br. Não hesite em denunciar!