A desinformação, muitas vezes propagada no meio digital, virou assunto corriqueiro em uma sociedade cada vez mais conectada por dispositivos móveis. Mas, diferentemente das histórias falsas que sempre circularam pela humanidade, hoje a desinformação assume outras formas. O fenômeno tornou-se objeto de estudo devido à propagação em massa, principalmente com o surgimento da internet e das redes sociais. É isso que diferencia a notícia falsa de uma mentira comum. Pesquisadores e laboratórios da Escola de Comunicação (ECO) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) vêm tentando entender a seguinte questão: por que e de que maneira a desinformação é utilizada como ferramenta de manipulação, principalmente por meio das redes sociais?
Um desses laboratórios é o NetLab, espaço de pesquisa da ECO que tem como missão divulgar ciência e trazer a manipulação midiática para o debate público. Desde 2013 ele se dedica a diagnosticar o fenômeno da desinformação digital e suas consequências no Brasil. Fundado por Marie Santini, a atual coordenação das pesquisas é de Débora Salles, doutora em Ciência da Informação.
Pandemia e a desinformação
Durante o período pandêmico da Covid-19, a desinformação tornou-se um dos grandes tópicos de pesquisa acadêmica. E essa desinformação retorna, em 2023, com as vacinas bivalentes. De acordo com o estudo A Volta da Desinformação sobre Vacinas, do NetLab, 106 mil retweets compartilharam, no Twitter – agora X –, mensagens antivacina, na maioria, publicadas por perfis de direita e extrema direita.
Os pesquisadores da Universidade não recebem investimentos de plataformas, que são as ferramentas ou ambientes virtuais que propiciam a interação entre pessoas, empresas e instituições. Isso faz com que as pesquisas realizadas não tenham a interferência delas: “É primordial poder falar sobre o poder que essas plataformas assumiram na formação das nossas percepções e na formação das nossas comunidades. Além de produzir evidências e melhoria das políticas públicas”, relata a coordenadora do NetLab.
Apesar da importância de estudar esses assuntos, pesquisadores ainda enfrentam desafios financeiros e de acesso aos dados em suas análises. “Vários outros cientistas no mundo vêm tentando denunciar o que a gente chama de ‘apagão de dados’”, destaca Débora. Para ela, essas empresas criam barreiras técnicas para os pesquisadores não coletarem dados, o que contradiz o posicionamento das plataformas sobre transparência e atenção aos usuários.
De acordo com a edição de 2023 da pesquisa Percepção Pública da C&T, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), e o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) no Brasil, a cada dez brasileiros, cinco deparam-se frequentemente com notícias que parecem inverídicas. Além disso, 36,5% admitem já terem compartilhado informações falsas com amigos, parentes ou na internet, independentemente de suspeitarem da veracidade.
Iniciativas como fact-checking, a checagem da veracidade dos dados, e a literacia informacional, a capacidade de identificar e utilizar a informação de forma eficaz e crítica, são fundamentais para evitar esse tipo de compartilhamento. Débora Salles aponta a importância dos jornalistas na produção de informação de qualidade e na mitigação dos efeitos nocivos da desinformação.
O impacto político da desinformação
Camilla Machuy, que atuou como professora-substituta da ECO entre 2023 e 2024, é também pesquisadora na área. Foi na pandemia que a cientista se viu diante da desinformação como um problema para a Comunicação, principalmente com as mentiras sobre o vírus e a vacina. Camila é hoje aluna de doutorado- sanduíche na University of Glasgow, no Reino Unido. Ela atua como pesquisadora- visitante na Universidade europeia e faz parte do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI) da ECO/UFRJ, em convênio com o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict).
Com a pesquisa O Sistema Desinformativo da Nova Direita Brasileira: A Ascensão de uma Revolução Digital Ultraconservadora, a cientista manteve a preocupação com o fenômeno da desinformação. Camilla atua como pesquisadora-espiã, por meio do método de pesquisa não participante. Em dois meses de trabalho, infiltrou-se em mais de 200 grupos de extrema direita e coletou cerca de 500 mil postagens. Ela descreve o tipo de desinformação com o qual se depara: “Tem gente que acredita em um chip líquido na vacina da Covid que conecta seus pensamentos com antenas de 5G para que os chineses leiam sua mente”, afirma.
É entrando em contato com essas histórias que Camilla tenta compreender como a manipulação da opinião se propaga nesses grupos. “O território desinformacional é muito bem utilizado politicamente mundialmente”, ressalta. “Essa ferramenta política não só dá lucro, como dá voto.” A análise, além de política, é textual. O vocabulário utilizado nos textos com informações falsas é objeto importante da pesquisa. “Quando a gente analisa o conteúdo, para esses grupos as palavras têm os mesmos valores. Comunismo tem o mesmo valor que terrorismo e todas as pessoas de esquerda são uma coisa ruim.”.
Fazer com que a sociedade compreenda a importância de combater as fake news e a manipulação é um dos objetivos dos pesquisadores da UFRJ. Camilla também ressalta como isso não era debatido e, hoje, é imprescindível. Para ela, o profissional de jornalismo do futuro precisa se entender não só como escritor de matérias, mas como facilitador de informações de qualidade. No Brasil, o NetLab busca entender as consequências desse desafio, enquanto programas de intercâmbio, como o que a pesquisadora participa, levam para outros países a problemática da desinformação como objeto de pesquisa.
*A imagem de capa é uma releitura atualizada de uma famosa ilustração atribuída a David Suter, referindo-se a abordagens tendenciosas da mídia que visavam manipular a opinião pública.
**Por Eduardo Cassar e Maria Rita Nader