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Observatório do Valongo promove Astronomia acessível para deficientes visuais nas escolas públicas

Universo Acessível, projeto de extensão da UFRJ, tem parceria com Instituto Benjamin Constant para produzir materiais didáticos acessíveis para as aulas de Ciências de alunos cegos e com baixa visão

A preocupação com a utilização do espaço astronômico de forma acessível ao público com deficiência foi o que motivou a professora e astrônoma Silvia Lorenz-Martins a criar o projeto de extensão Universo Acessível. Sua principal inquietação era tornar o Observatório do Valongo (OV) um espaço aberto a todos. Foi visitando o Instituto Benjamin Constant (IBC) que os rumos do seu trabalho se encontraram com o mundo da deficiência visual. Fundado há mais de 170 anos por D. Pedro I, o Instituto se dedica exclusivamente ao ensino de alunos com deficiência visual. Em quase dois séculos de história, o IBC se tornou referência nacional, assessorando escolas que queiram implementar o ensino inclusivo e oferecendo reabilitação para PCDs. Foi lá que Sílvia percebeu a falta de material acessível que apresentasse aos alunos o universo da Astronomia. 

A extensão universitária é um dos pilares das universidades públicas. Por meio dela, essas instituições têm a oportunidade de desenvolver ações e projetos que ofereçam uma troca dialógica com a sociedade. Desde 2017, o Universo Acessível, projeto de extensão coordenado por Lorenz, produz recursos didáticos adaptados para alunos do ensino fundamental do IBC. Alunos extensionistas e professores do projeto produzem maquetes, mapas táteis, jogos pedagógicos e recursos auditivos que enriquecem as aulas de Astronomia, principalmente das disciplinas de Ciências e Biologia. As impressões em braille são feitas nas instalações do IBC, enquanto todo o projeto dos materiais, a escolha das melhores texturas e a pesquisa pedagógica são feitos à mão por 18 alunos da UFRJ que integram a equipe do projeto. 

O Universo Acessível é aberto a diversos cursos como Arquitetura, Terapia Ocupacional, Design, Astronomia e Física, o que diversifica e enriquece o perfil dos extensionistas. Lorenz destaca que a democracia é a base do projeto e que ele fortalece o senso de cidadania dos participantes: “Acho importante que os alunos do projeto desenvolvam esse material. Dá trabalho, leva tempo, mas fortalece o sentimento cidadão”. Neste ano, o projeto foi reconhecido com menção honrosa na Semana de Integração Acadêmica da UFRJ (Siac), o maior evento de ensino, pesquisa e extensão da Universidade, pela implementação de recursos de acessibilidade em seu site. O título é mais um entre os oito já recebidos em outras edições e reconhece publicamente o destaque do projeto no evento.

Ciência e Artesanato: a produção manual do Universo Acessível

Cada detalhe, cada cor, cada material usado, cada estratégia de ensino são pensados minuciosamente para ser o mais acessíveis possível. Para Lorenz, isso motivou a escolha de seguir com uma produção totalmente artesanal. Em tempos de impressão 3D, escolher esse tipo de material poderia soar algo óbvio. Mas, para os deficientes visuais, materiais totalmente de plástico liso acabam deixando a desejar  em relação à textura.  

Materiais como o  papel machê, a borracha e o EVA acabaram virando protagonistas nesse Universo a ser explorado. Para Ingrid Nogueira, estudante de Arquitetura e extensionista do projeto, o caráter artesanal dos materiais tem muito a ensinar para seu curso de graduação: “A gente faz o projeto para as pessoas, não para a gente. Precisamos saber o que o público realmente precisa, o que ele quer e o que pode melhorar. No fim, a Arquitetura é sobre isso”.

Mais do que textura, as escolhas do grupo envolvem toda a experiência dos alunos. O som também entra na conta, e o grupo que pensa os projetos prepara materiais que sejam verdadeiros espetáculos sonoros e sensoriais. O toque em uma grande Lua tátil acompanhado da sinfonia Clair de Lune criaram a atmosfera da primeira visita ao IBC. Em uma das suas primeiras confecções, a equipe do Universo Acessível preparou uma maquete do satélite lunar para ser usada em sala de aula. A música e o toque, mais uma vez, fizeram sucesso.

Do Valongo para as salas de aula

O impacto do projeto nas turmas do IBC é perceptível. Segundo Priscila Marques, professora de Ciências e Biologia do Instituto, o material ajudou a desmistificar alguns conceitos aprendidos pelos alunos, por conta da limitação do material 2D. O toque e a textura de maquetes tridimensionais geraram descobertas para os alunos do Benjamin Constant: a proporção entre os corpos celestes, as crateras da Lua e seu formato redondo. “Não havia praticamente nenhum material sobre esse tema no Instituto, e tínhamos limitações por conta do material bidimensional. Como professora, considero esse o maior desafio para alunos com deficiência visual”, conta Priscila. 

Projetos colaborativos como o Universo Acessível podem se tornar caminhos para diminuir a falta de acessibilidade e o capacitismo. O envolvimento dos alunos da UFRJ não só auxilia na formação para além da graduação, mas também oferece a oportunidade de troca de saberes e experiências entre a Universidade e o IBC.  “Quando os alunos ficam sabendo que a aula vai ser de Astronomia, o clima muda. Eles abrem, tocam, mexem em tudo, pedem música. É fantástico!”, afirma Lorenz.

Para além do IBC, outras escolas do país passaram a utilizar o material produzido no Valongo. O conteúdo astronômico de forma didática e atraente elaborado pela UFRJ chamou a atenção de outras instituições, mesmo para turmas com alunos sem nenhum tipo de deficiência visual. Por meio do Ministério da Educação, qualquer escola pública pode obter o material de forma gratuita. Já nas escolas particulares, é necessário pagar uma taxa adicional para adquirir os recursos didáticos. Além desses métodos, a equipe do Universo Acessível disponibiliza artigos, livros e pesquisas acadêmicas de forma gratuita em seu site.