O mês de novembro é conhecido pelas atividades relacionadas às questões raciais, especificamente sobre a população negra. Antes, elas eram realizadas apenas no dia 20 desse mês, referência ao dia em que o líder Zumbi dos Palmares teria sido capturado e morto, em 1695. Atualmente, muitas instituições e grupos sociais cumprem agenda de atividades sobre o tema e dão a esse conjunto o nome de Novembro Negro. A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) teve durante todo o mês uma agenda movimentada e diversa sobre o tema, contando com palestras, encontros, oficinas e exibição de filmes. Fechando essa programação, aconteceram, na Cidade Universitária, dois importantes eventos: a 12ª Semana da Consciência Negra e o debate Cotas para Pessoas Transgêneros e Travestis, nos dias 27 e 29/11, respectivamente.
A 12ª Semana da Consciência Negra ocorreu no Salão Nobre da Decania do Centro de Tecnologia (CT). O evento foi liderado por Josete dos Santos, servidora técnico-administrativa da Universidade. Pelo primeiro ano, o Dia da Consciência Negra é um feriado nacional. Antes ele era considerado feriado apenas em seis estados do país: Alagoas, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Rio de Janeiro e São Paulo. A conquista foi lembrada durante toda a cerimônia. Para abrir o evento, o projeto Comunidança, da Escola de Educação Física e Desportos (EEFD), realizou uma apresentação de hip-hop de forma interativa com a plateia, revelando a cultura e alguns passos do estilo.
Já na primeira mesa, Sandra Batista, representante da Reitoria; Walter Suemitsu, decano do CT; Andrea Medeiros, vice-diretora do Instituto de Química (IQ); Vanda Borges, diretora do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe); Nedir do Espírito Santo, representante da direção da Associação Docente da UFRJ (ADUFRJ); e Marli Rodrigues, da direção do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFRJ (Sintufrj), destacaram a importância e relevância de um evento como esse na Universidade.
Washington Ferreira, doutorando do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências, Técnicas e Epistemologia (HCTE) da UFRJ, foi o mestre de cerimônia da tarde. A segunda mesa do encontro foi composta por Luzia Araújo, ouvidora-geral e da Mulher da UFRJ; Maria Soledade, vice-diretora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi); Katya Gualter, diretora da EEFD; Vitor Matos, técnico-administrativo em Educação do Núcleo Interdisciplinar para o Desenvolvimento Social (Nides); Maurício Marins, técnico-administrativo em Educação da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ); e Marcelo Dias, diretor cultural do Instituto de Pesquisa das Culturas Negras (IPCN).
Cada um dos seis homenageados abordou histórias, lutas de resistência e buscas por igualdade. Luzia Araújo destacou a luta de mulheres negras para terem um local de visibilidade: “É preciso que falemos sobre a nossa capacidade de não nos submeter ao sistema que marginaliza um grupo de pessoas e capacitarmos todos os nossos estudantes, profissionais, servidores e gestores. Chega de nos calarmos!”
A nova gestão do Neabi tem como meta o ensino antirracista em toda a Universidade. Soledade relatou a busca por transformar disciplinas teóricas e eletivas voltadas ao movimento negro em disciplinas obrigatórias. Já Gualter e Matos compartilharam algumas de suas inquietações sobre o quanto é essencial compreender a ancestralidade, lembrando que esses corpos passados sofreram para transformar o sofrimento em avanços e bandeiras de luta.
Marins, da UFRRJ, discorreu sobre como a bolha da exclusão está sendo rompida. “Não devemos ter medo de ter um local de destaque. Temos que saudar nossos antepassados e mostrar para os jovens que também podem ser capazes de fazer isso”, destacou. Como último palestrante, Dias relatou a importância da existência do feriado e da luta dos movimentos negros: “Quando éramos mais novos, nós nunca ouvimos sobre Zumbi dos Palmares, aprendemos (apenas) que éramos escravos”.
As atividades do Novembro Negro na Universidade foram fechadas com o debate Cotas para Pessoas Transgêneros e Travestis, organizado pela Diretoria de Gênero e Pertencimento (Digepe), integrante da Superintendência-Geral de Ações Afirmativas, Diversidade e Acessibilidade (Sgaada). O encontro aconteceu no auditório Inova, no Parque Tecnológico da Cidade Universitária. O debate, que reuniu figuras de destaque na defesa da diversidade e inclusão, contou com Joyce Soares, pró-reitora de Graduação da UFRRJ; Dani Balbi, deputada estadual e reconhecida liderança no cenário político e Rodrigo Borba, professor da Faculdade de Letras (FL) da UFRJ e pesquisador em Linguística Aplicada e Gênero.
Balbi, que é doutora em Ciência da Literatura pela UFRJ, foi a primeira professora transexual da Universidade. Ela trouxe ao debate alguns apontamentos que falam da impossibilidade da entrada de pessoas trans ao acesso à educação e ao mercado formal de trabalho. A deputada defende que mais políticas públicas tenham como prioridade a proteção da população LGBTQIAPN+. “Enfrentamos inúmeros desafios. Cerca de 30% das pessoas transexuais estão no mercado informal, sobrevivendo com até um salário mínimo ou menos. Já na educação, é urgente implementar políticas públicas que assegurem o acesso pleno ao ensino básico”, afirmou.
Joyce Soares apresentou os principais momentos da luta enfrentada por ela quando chegou à UFRRJ, em 2012: “Quando cheguei à Rural, vinda de São Paulo, ouvi alertas sobre a homofobia na instituição. Juntos, avançamos passos importantes contra a LGBTfobia, o racismo e o assédio. Conquistas como a implementação do banheiro neutro e a política de cotas para pessoas trans na pós-graduação mostram o quanto caminhamos”, concluiu.
O preconceito, a intolerância e os ataques enfrentados por pessoas trans e travestis estiveram no centro das discussões do evento. O professor Rodrigo Borba destacou o relato de uma ex-aluna da UFRJ que foi vítima de bullying, violência e constrangimento por parte de colegas. Ele ressaltou a importância de trazer essas experiências para o debate acadêmico, permitindo que situações assim sejam analisadas e transformadas em aprendizados para evitar a repetição.
Para o professor, a diversidade nas universidades públicas é uma questão fundamental: “As universidades públicas devem refletir a realidade socioeconômica do Brasil. É essencial assegurar o acesso aos grupos que historicamente foram excluídos do ensino superior no país”.
Por Maria Rita Nader, Tatiane Alves e Vanessa Almeida