O Departamento de Biologia Marinha já colhe resultados do seu esforço por tecnologias sustentáveis e inovadoras. Um grupo de pesquisadores do Instituto de Biologia (IB) publicou, em setembro, o artigo Entendendo o papel de microrganismos na saúde e doença de organismos aquáticos da aquicultura em uma das 100 maiores universidades da Ásia, a Ocean University of China. O trabalho foi submetido para publicação na revista Marine Life Science & Technology, voltada para cientistas que pesquisam biologia marinha.
A aquicultura hoje é uma das maiores atividades do setor marinho, ultrapassando a pesca. Enquanto a piscicultura se restringe à criação de peixes, a aquicultura é definida pelo cultivo e criação de diversos organismos marinhos, como crustáceos, algas e moluscos, em grandes reservatórios de água. Mar aberto, lagos ou até tanques são usados para desenvolver a cultura. “Talvez a gente não tenha noção do que é esse mercado [de peixes]. É uma atividade que já chegou ao número de 223,2 milhões de toneladas de pescado. Hoje, a aquicultura é responsável, desse montante todo, por 130,9 milhões de toneladas. Isso representa, aproximadamente, 51% de todo esse volume de produção de animais aquáticos”, disse Felipe Landucci, um dos autores do artigo publicado e professor adjunto do IB.
Além de Felipe, o trabalho tem autoria de mais 15 cientistas focados em entender novas tecnologias que trazem sustentabilidade e rentabilidade ao setor. Desse grupo, mais da metade são professores e pesquisadores da UFRJ, como Fabiano Thompson, Mateus Thompson, Michele Lima, Cristiane Thompson, Leonardo Bacha, Wanderley de Souza e Tatiana Silva. Participaram da pesquisa representantes da Universidade Federal de Santa Catarina e nomes internacionais do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, de Portugal; da Universidade Estadual do Mississippi, dos Estados Unidos; e da Unidade Acadêmica de Mazatlán em Agricultura e Gestão Ambiental, do México.
O grupo inovou ao listar microrganismos e parasitas que estão envolvidos nessa atividade. Quando atrelados a ferramentas tecnológicas e análises científicas, os micróbios podem deixar de ser inimigos do produtor. “O confinamento expõe os animais ao surgimento de doenças, e essas doenças, no ambiente aquático, não têm limites físicos, se disseminam muito mais rápido do que no ambiente terrestre […] As novas tecnologias estão baseadas na utilização dos microrganismos vivos para reduzir as grandes cargas de antibióticos”, explica Felipe.
Redução na mortalidade
Os probióticos e as vacinas são as principais formas de evitar o uso de antibióticos e ajudar na menor quantidade de perda dos animais marinhos. Além disso, a qualidade da água e da ração e a genética do peixe influenciam diretamente na produção da aquicultura. Wagner Camis, zootecnista e dono do pesqueiro Recanto Sol Nascente, diz: “A essência do negócio é criar água, e não peixe. Com a utilização dos probióticos, o peixe não tem que se preocupar em se defender contra a doença, pois tudo que ele ingere é convertido em massa muscular”. Assim, os autores apontam a importância da sustentabilidade ao utilizarem mecanismos como os citados por Wagner para evitar elementos químicos nos frutos do mar e nas águas.
Além dos antibióticos, a crise climática vivida pelo mundo impacta na aquicultura. De acordo com a Organização Meteorológica Mundial, o planeta pode ultrapassar 1,5°C nos próximos cinco anos. Dados como esse mostram como a aquicultura precisa estar preparada para enfrentar intensas mudanças climáticas, pois, quanto mais elevada a temperatura, menor a taxa de oxigênio da água. No artigo, estratégias como a de baixo carbono e o cultivo de algas ajudam a aprimorar a saúde dos animais diante dos problemas climáticos e, consequentemente, fazem uma agricultura mais sustentável. Wagner relatou que antes a mortalidade do seu pesqueiro era muito alta devido aos estreptococos, uma das principais doenças da aquicultura, com 30% a 35% de mortalidade. Atualmente, dos dez mil peixes, ele tem uma perda de apenas 5%, devido à alta tecnologia e aos cuidados citados anteriormente.
No Brasil, a expectativa é que, cada vez mais, pesquisadores e especialistas se aprofundem no assunto: “A aquicultura vai muito além de fornecer produtos a serem consumidos; há aspectos ligados aos serviços ecossistêmicos, à fixação de carbono, à proteção costeira e de ecossistema”, disse Felipe, um dos participantes do artigo. Segundo o professor, o interesse pela área aumentou até no meio acadêmico. Em uma turma que começou com quatro alunos, hoje ele dá aulas para 18. A cada ano que passa, é possível perceber um aumento na competitividade do mercado e na produção. O que antes era um cenário dominado pelo extrativismo, hoje já é uma área com horizonte repleto de tecnologias inovadoras e um futuro promissor.
Reportagem de Eduardo Cassar e Maria Rita Nader sob supervisão de Sidney Rodrigues Coutinho