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Meio Ambiente

A palmeira-juçara para além do palmito

Dissertação de mestrado da UFRJ estuda a reprodução da espécie e as consequências de pressões ambientais para o seu desenvolvimento

A partir de observações em trabalhos de campo ainda na graduação, o ecólogo Guilherme Gama quis entender melhor como questões ambientais afetam a população da palmeira-juçara (Euterpe edulis), espécie da Mata Atlântica ameaçada de extinção. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ecologia (PPGE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e formado em Ciências Ambientais  pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Gama pesquisou as causas da reprodução clonal e as possíveis consequências na natureza.

Há uma lacuna na literatura científica em relação aos dados da rara reprodução clonal palmeira-juçara, bem como o que isso poderia contribuir para conservação da espécie, segundo o ecólogo. A partir disso, Gama estudou quatro populações da planta localizados em diferentes Unidades de Conservação: no Parque Nacional Restinga de Jurubatiba e na Reserva Biológica Poço das Antas, locais de temperaturas mais elevadas e ao nível do mar, e nos Parques Nacionais do Itatiaia e da Serra dos Órgãos, onde a altitude é maior e a temperatura é mais fria. De acordo com o pesquisador, o fato de os locais ao nível do mar apresentarem regimes de alagamento também contribuiu para a observação do estudo. 

“Se pensarmos que eventos extremos vão ficar cada vez mais frequentes, entender como os indivíduos os enfrentam é primordial. Em Jurubatiba, por exemplo, quando chove alaga  bastante porque o lençol freático é muito raso. Eu estive em campo por mais ou menos dois meses e estava alagado durante esse tempo. Esse problema vai se agravando ainda mais, quando as chuvas persistem e não dá tempo de essa água escoar. Então, entender como as plantas reagem é fundamental para saber como preservar essas populações”, disse.   

A palmeira-juçara é uma planta que pode se reproduzir de duas formas: sexuada, na qual há produção de frutos e sementes espalhados por animais, e assexuada (ou clonal), em que um novo indivíduo é gerado diretamente das raízes da planta-mãe, formando uma touceira. Segundo o pesquisador, este comportamento assexuado é considerado muito raro na literatura científica, pois existem apenas dois relatos de ocorrência. 

Além do valor socioeconômico da planta devido à extração de palmito e manejo sustentável dos frutos da espécie em comunidades tradicionais, a palmeira-juçara também é considerada um recurso-chave nos ambientes onde ocorre, por conta da produção de frutos que alimentam a fauna local. Por isso, a ideia do primeiro capítulo de sua dissertação era entender se os indivíduos clonais apresentavam uma resposta diferente às condições ambientais do que os indivíduos solitários – aqueles que se reproduzem apenas sexuadamente. “Eu tinha uma preocupação de entender se isso iria afetar a produção de fruto dos clonais, mas encontrei que não. Tanto os clonais quanto os solitários, estatisticamente, possuem produção de frutos semelhantes. Então, a reprodução clonal não afeta a sexuada dos indivíduos”, explicou o pesquisador. 

Além disso, o ecólogo também observou uma diferença na proporção de raízes adventícias –  que surgem nos caules das plantas – entre as das juçaras clonais e das solitárias. De acordo com as observações, o maior aparecimento desse tipo de raiz nas populações de Jurubatiba e Poço das Antas pode ser entendido como uma resposta ao regime de alagamento desses locais. 

Já no segundo capítulo dos estudos, Gama focou em entender as consequências demográficas dessa reprodução clonal para a população da Juçara. A partir da medição de parâmetros demográficos, observou que tanto a população de Jurubatiba como a de Poço das Antas estão decrescendo. “Eu encontrei que as populações desses locais decrescem a uma taxa muito mais severa quando simulo a remoção da  reprodução clonal das análises. E, nos locais onde a reprodução clonal é mais intensa, a população decresce a uma taxa mais branda. ”

No entanto, segundo Gama, é importante enfatizar que isso foi observado nos ambientes onde ocorre o regime de alagamento periódico, nos quais sobram poucos locais seguros para a muda da planta se desenvolver. Já em localidades como os Parques Nacionais do Itatiaia e da Serra dos Órgãos, não há esse tipo de questão quanto à reprodução dos indivíduos, como explicou o ecólogo. 

A palmeira-juçara é considerada uma espécie ameaçada de extinção devido ao longo histórico de extração do seu palmito. Atualmente sua distribuição está restrita a Unidades de Conservação e pequenos fragmentos florestais. Por esse motivo, segundo o pesquisador, é importante entender também como ela vai  reagir frente a adversidades ambientais. 

“A minha pesquisa é a primeira de fato a olhar do ponto de vista investigativo para a reprodução clonal da palmeira-juçara. Existem apenas dois registros de ocorrência deste comportamento para espécie, mas não há um estudo levantando perguntas, postulando hipóteses, testando e tudo mais, mesmo nós, pesquisadores, sabendo da sua importância socioeconômica e ambiental. Então, eu acho que a minha contribuição, olhando para essa dinâmica dos ambientes e eventos extremos, é entender o que poderia acontecer em outros locais caso isso venha ocorrer lá também”, completou.