Nesta quarta-feira, 1/11, a direção do Complexo Hospitalar e da Saúde (CHS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro realizou uma audiência pública para discutir a situação das negociações quanto à possibilidade de adesão da UFRJ à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). O evento reuniu cerca de 70 pessoas e aconteceu no Auditório Rodolpho Paulo Rocco, no Centro de Ciências da Saúde (CCS). O canal da UFRJ no Youtube transmitiu a audiência. Assista.
A mesa, presidida pelo diretor do CHS, José Leoncio Feitosa, contou com a participação dos professores Carla Araujo e Amâncio Carvalho, o qual fez uma apresentação de cerca de 20 minutos acerca do processo de negociação da UFRJ com a Ebserh. Antes, o reitor, Roberto Medronho, e o decano do Centro de Ciências da Saúde (CCS), Luiz Eurico Nasciutti, abriram o evento.
“O debate democrático já tem ocorrido em vários centros (…) Mais uma vez [quero] reafirmar que qualquer decisão sobre a Ebserh será votada no Conselho Universitário (Consuni)”, garantiu o reitor. Ele lembrou que, em 2013, o Consuni retirou o assunto de pauta. “Um outro compromisso que quero reafirmar com vocês é que desta vez nós votaremos, porque não podemos ficar nesse limbo. Se o Consuni, autônoma e majoritariamente, decidir [ser] contrário à Ebserh, nós vamos escolher um outro caminho”, continuou Medronho.
Segundo José Leoncio, a UFRJ está rediscutindo o assunto a pedido dos diretores das unidades do CHS. “Nós precisamos de uma solução. Não basta dizer ‘não’ [à Ebserh] (…). Qual a solução para os hospitais fechando leitos e salas de cirurgia, reduzindo o número de pacientes por alunos?”, questionou. Para ele, a Ebserh é uma resposta possível à situação. Para o diretor do CHS, apenas dizer que o governo precisa financiar os hospitais é insuficiente.
Amâncio dividiu sua apresentação em três tópicos centrais: o CHS, a Ebserh no Brasil e o processo de negociação com a Ebserh. O docente lembrou que a Reitoria criou um grupo de trabalho para coordenar o processo de negociação com a empresa, negociação esta que foi autorizada pelo Consuni em 2021. Participam do GT os professores José Leoncio, Carla Araujo e Carlos Alberto Peixoto.
Um dos pontos centrais da apresentação foi o destaque às carências pelas quais passam as unidades do CHS. De acordo com Amâncio, de 2009 a 2020, por exemplo, houve uma perda substantiva de profissionais de saúde na UFRJ de quase 20%, considerando servidores públicos e extraquadros. Ainda segundo o professor, em 2018, os diretores das unidades do CHS se reuniram e, após estudo, concluíram a necessidade de cerca de 1,9 mil novas contratações. Amâncio apresentou ainda notas dos cursos de graduação em Medicina e em Enfermagem da UFRJ no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), que reúne informações do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) e das avaliações institucionais e dos cursos. Os dados apontam uma redução das notas dos cursos, os quais utilizam as unidades hospitalares e de saúde como local de aprendizagem.
O professor também chamou a atenção para a redução do número de leitos ativos desde a década de 1990 no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), maior unidade de saúde da UFRJ. Naquele ano, eram 550 leitos. Em 2008, caíram para 430. Em 2019, reduziu outra vez: 302. No ano seguinte, eram apenas 200 leitos. Durante a pandemia de covid-19, o número saltou para 290, em 2021. Neste ano, o número de leitos ativos caiu de novo e foi para 194.
Quando tratou da Ebserh, Amâncio frisou alguns pontos sobre a empresa, como o fato de ser uma empresa pública 100% contratada pela União. Ele destacou que a Ebserh atua apenas como suporte, “mantendo o protagonismo acadêmico das universidades federais”, e que o relacionamento das instituições com a empresa é feito por meio de contrato de gestão. Além disso, a contratação de pessoal é realizada por processo seletivo público, sob regime celetista.
“A Ebserh foi criada como uma política pública, uma empresa pública, para dar conta da necessidade de gestão dos hospitais universitários. Ao longo destes 10 anos, 41 hospitais estão contratualizados com a Ebserh. Eles pertencem a 32 universidades federais e estão espalhados por 23 estados e pelo Distrito Federal”, disse Amâncio. Ele citou que, hoje, além da UFRJ, apenas a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) não aderiram à Ebserh.
Reabertura de negociações
Na apresentação, Amâncio lembrou que, após a posse do reitor Roberto Medronho, houve alinhamento em conversas para retomada das discussões e negociações. Por isso, o grupo de trabalho foi criado para pensar sobre o tema. Um protocolo de intenções entre a Ebserh e a UFRJ foi assinado em 9/8, cujos pontos de partida são:
- assinatura do contrato de gestão especial, por meio do qual a Ebserh assume a gestão das unidades do CHS, no todo ou em parte;
- elegibilidade do HUCFF, Instituto de Pediatria e Puericultura Martagão Gesteira (IPPMG) e da Maternidade Escola (ME) na primeira etapa;
- início da elaboração de plano de redimensionamento assistencial e de pessoal;
- reservas preliminares de R$ 100 milhões no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e R$ 27 milhões no teto financeiro do HUCFF;
- liberação de R$ 10 milhões, pelo MEC, para investimentos para aquisição de mobiliários e equipamentos hospitalares;
- encaminhamento ao Consuni, órgão máximo da UFRJ.
“Este processo de negociação está em curso. Estamos em uma fase em que já há um desenho – ainda não fechado – da recuperação da nossa capacidade essencial. Nós já temos um acordo de que vai haver um aumento em torno de 100 leitos, indo para 290, aproximadamente, que é um aumento muito expressivo”, disse Amâncio.
Para o docente, existe uma situação crítica nas unidades do CHS, o que afetaria o ensino nos cursos da área da saúde. “É muito importante perceber que os outros [cursos] evoluíram e nós involuímos”, disse. Segundo Amâncio, no momento, a Ebserh seria uma “política pública consolidada, eficaz e de alto nível de adesão” e que “a contratualização inclui novos recursos, contratações e aumento do número de leitos”. Ele frisou a importância de o Consuni vir a apreciar e deliberar sobre a adesão da UFRJ à Ebserh ainda em 2023, para que entre no orçamento do ano que vem.
Opiniões em debate
Após a apresentação do professor Amâncio, a audiência pública abriu espaço para a expressão de dúvidas e opiniões, em sua maioria contrárias à aceitação à Ebserh. Grupos contrários à parceria destacaram preocupações relacionadas ao espaço ao contraditório no debate, à autonomia da Universidade e à possível interferência externa na gestão hospitalar e acadêmica, já que os hospitais universitários também são espaços de aprendizagem.
Alguns estudantes e membros da comunidade acadêmica manifestaram temores sobre as implicações da adesão ou sobre a impossibilidade de um debate mais acurado. Houve citação, inclusive, de que a realidade seria ruim no Hospital Universitário Antônio Pedro (Huap), da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, unidade da rede Ebserh. Amâncio enfatizou, entretanto, que há a necessidade da análise de dados de conjuntura e não de um hospital isolado.
“Parabenizo o reitor pela convocação. Parabenizo os membros do GT e da comissão. Eu acho que tem que começar o debate, recomeçar o debate. Nós não podemos de forma açodada achar que em dois meses nós vamos votar no Consuni (…) Nós temos que retomar a discussão na Universidade, porque inclusive essa discussão pode ser uma oportunidade de nos unificarmos mais para avançarmos na tão necessária, esperada e almejada melhoria das condições de trabalho do conjunto do CHS”, disse Esteban Crescente, coordenador-geral do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFRJ (Sintufrj). “Nós estamos no caminho correto, fazendo o debate”, afirmou.
Em seguida, Amâncio citou números do HUCFF, como o marco de já ter sido o 3º hospital no país em número de transplantes de fígado e rim. “Houve redução de leitos principalmente porque não tinha pessoal (…) Nós tivemos uma perda enorme. Quem tem pressa não sou eu, não é o doutor Leoncio, não é o professor Medronho. Quem tem pressa são os nossos pacientes. É a população que deixou de ser atendida. Nós temos 57 habilitações de alta complexidade. Poucos hospitais no Brasil têm esse número de habilitações e nós continuamos a ter, mas praticamente sem ter atividade na maioria delas, porque a gente deixou de ter as condições para isso”, enfatizou Amâncio.
O diretor do Instituto de Economia e ex-reitor, professor Carlos Frederico Rocha, também levantou questões. “Eu acho que o contrato tem que ser discutido e disponibilizado. (…) Quantas pessoas serão contratadas pela Ebserh? (…) Quais são os custos que os hospitais têm hoje e que serão cobertos pela Ebserh? Porque nós teremos uma desoneração de alguns custos da Universidade. Qual é essa dimensão? Como serão decididos os cargos que serão ocupados dentro da Ebserh? (…) A intenção e a convergência são as mesmas: nós queremos ver como conseguimos melhorar o nosso Complexo Hospitalar”, argumentou.
Mais audiências
Novas audiências públicas acontecerão na Universidade em datas a serem divulgadas em breve. Além disso, as discussões nos conselhos de centros universitários da instituição continuam.
A Ebserh e os hospitais universitários federais no Brasil
Os hospitais universitários ligados ao governo federal operam como centros de formação de recursos humanos na área da saúde e prestam apoio ao ensino, à pesquisa e à extensão das instituições federais de ensino superior às quais estão vinculados. Na assistência à saúde, esses hospitais são referência de média e alta complexidade para o Sistema Único de Saúde (SUS).
Na UFRJ, nove unidades integram seu CHS:
- Hospital Universitário Clementino Fraga Filho;
- Instituto de Atenção à Saúde São Francisco de Assis;
- Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira;
- Maternidade Escola;
- Instituto de Ginecologia;
- Instituto de Neurologia Deolindo Couto;
- Instituto de Psiquiatria;
- Instituto de Doenças do Tórax;
- Instituto do Coração Edson Saad.
A Ebserh foi criada em 2011 como parte de medidas adotadas à época pelo governo federal para o Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (Rehuf). Seu objetivo era a promoção de ações para garantir a recuperação física e tecnológica, bem como atuar na reestruturação do quadro de recursos humanos das unidades.
A partir da fundação da Ebserh, empresa pública vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a entidade passou a ser a responsável pela gestão de hospitais universitários federais vinculados a ela. Entre as atribuições assumidas pela empresa, estão a coordenação e avaliação da execução das atividades dos hospitais, o apoio técnico à elaboração de instrumentos de melhoria da gestão e a elaboração da matriz de distribuição de recursos para os hospitais.