Categorias
Sociedade

Alimentação para além do prato

Projeto de extensão da Gastronomia promove alimentação acessível, sustentável e agroecológica em parceria com o Armazém do Campo, do MST

Em 16 de outubro é comemorado o Dia Mundial da Alimentação, tema importante que atravessa diversas áreas do conhecimento e da sociedade. Pensando nessa transdisciplinaridade, o Conexão UFRJ traz uma série de reportagens sobre iniciativas da UFRJ que abordam a alimentação de diferentes formas e possibilidades. Porque alimentação é direito, conhecimento e saúde.

Todos os sábados os alunos de Gastronomia da UFRJ entram em contato com a prática do “slow food”, ato de cozinhar que vai além da comida em si para considerar outros aspectos, como a escolha dos alimentos, a forma de produção e o respeito pelo meio ambiente, até chegar à mesa. Esse movimento fundamenta o “Culinária da Terra”, uma iniciativa do projeto de extensão Convivium, vinculado ao Instituto de Nutrição Josué de Castro da UFRJ. Em parceria com o Armazém do Campo, loja do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) no coração da Lapa, a ação visa fortalecer a agricultura familiar e valorizar as cadeias curtas de produção e distribuição de alimentos.  

Semanalmente, os extensionistas e bolsistas do projeto criam o cardápio a partir dos produtos disponíveis no Armazém do Campo, que vêm de assentamentos da reforma agrária e de pequenos produtores do estado do Rio de Janeiro. Além de valorizar a produção local e regional, a iniciativa também busca respeitar a sazonalidade dos alimentos e estimular a criatividade dos alunos ao elaborarem cardápios a partir do que se tem disponível. Segundo o coordenador do projeto, Ivan Bursztyn, essa lógica de produção não é algo convencional no universo da gastronomia. 

“Geralmente um restaurante tem um cardápio fixo ou então alguém pensa no cardápio e depois corre atrás dos alimentos necessários. O que nós fazemos é o oposto. Acho que a grande inovação que a gente faz aqui é começar um processo criativo na concepção do cardápio a partir da disponibilidade de insumos que vêm do assentamento da reforma agrária”, conta Ivan, que também é professor do curso de Gastronomia da UFRJ.

Trabalho constante 

Além da produção dos cardápios, os estudantes também são responsáveis por todo o preparo das refeições, organização do evento e treinamento dos funcionários diaristas do MST, que ficam responsáveis pelo serviço de alimentação no local. Os alunos extensionistas chegam à loja por volta das 8h nas manhãs de sábado para já começar o preparo das comidas, organizar as mesas e as comandas, arrumar o espaço e o que mais for necessário. Apesar da ação ser apenas aos sábados, a organização começa durante a semana: um aluno mais experiente fica responsável por ir até o Armazém verificar os alimentos disponíveis e cuidar de toda a logística de armazenagem e organização do espaço. De acordo com Johnatan, funcionário da loja, a lógica do projeto está em completa consonância com as visões do movimento. 

“Eles fazem todo um trabalho que não é só no sábado. Vêm aqui toda semana para ver a nossa geladeira e ver o espaço que vai ter,  inclusive para estocar o alimento. Quando sobra [do sábado], a gente congela e distribui. E isso faz parte da nossa ideologia também, de lutar contra a fome. Então, tem todo um sistema que está operando por dias no Culinária da Terra e também vai surgir na lógica de redistribuição de alimentos e impedir o desperdício”, diz ele.

Cadeias curtas de produção 

 “O nosso objetivo não é simplesmente operar um serviço. Isso aqui também é pesquisa.” É o que diz o professor Ivan ao se referir à ação da Culinária da Terra no Armazém do Campo. Ele conta que foi a partir dessa experiência da extensão com o MST que eles criaram o Índice de Proximidade das Preparações (IPP), uma fórmula para medir o grau de proximidade do alimento com quem o produziu ou o local onde foi produzido. Assim, além de promover maior conhecimento sobre o sistema de produção dos alimentos anterior à mesa, o projeto também é capaz de incentivar uma valorização cada vez maior das cadeias curtas alimentares, bem como o trabalho de pequenos produtores e a agricultura familiar. Segundo Ivan, eles começam fazendo duas listas de compras: uma com o quanto gastariam comprando de fora e outra com o que gastam com os alimentos do Armazém. A partir daí, o IPP começa a ser calculado. 

“Eu pego o quanto eu gasto comprando aqui dentro [do Armazém], o quanto eu gasto comprando fora e faço uma regra de três. Então é um índice muito fácil de entender e que gera uma informação muito importante, que é de tangibilizar o quanto estamos apoiando o ciclo curto de comercialização. E quanto à sustentabilidade, nós estamos fomentando a economia local e de base agroecológica e também escoando a produção deles.  É um serviço que tem uma agregação de valor inegável”, explica o professor. 

Diferentemente do modelo tradicional de alimentação que conhecemos, o qual se utiliza de modos de produção industrial, distribuição em grande escala e uso de produtos químicos para o aumento da produtividade, o projeto pressupõe maior proximidade entre produtores e consumidores. Além da cultura de alimentos geralmente mais saudáveis, a agricultura familiar também tem como base a produção agroecológica, um modelo de agricultura que visa integrar e diversificar ao máximo o cultivo de alimentos. É esse modo de produção que o Culinária da Terra busca valorizar, incentivar e divulgar. 

“Queremos mostrar que é possível fazer um almoço de qualidade e por um preço justo. E principalmente ter esse espaço para mostrar que também é possível fazer uma gastronomia sustentável, que a gente saiba o rosto da pessoa que vendeu o nosso alimento. Então é um novo modelo de alimentação que nós queremos valorizar aqui”, conta Gabriela Vidori, bolsista do projeto e aluna de Gastronomia da UFRJ.

Conhecimento para além da comida

Os eventos de sábado no Armazém do Campo também são espaços de grandes trocas de experiências, conhecimento e informação entre os extensionistas, funcionários da loja e os clientes. Gabriela conta que, sempre quando é possível, buscam conversar com os clientes, explicar o projeto e trocar informações. “Ter essa conexão e explicar sobre o que são os nossos pratos e a ideia do projeto é muito bom, tanto para falar dos alimentos e mostrar essa gastronomia sustentável quanto para a gente testar os nossos conhecimentos para além da sala de aula”, diz a estudante. 

Foto: Raphel Pizzino (SGCOM/UFRJ)

Segundo ela, a oportunidade de praticar em grande escala o que aprendem na faculdade é enriquecedor. “Nas aulas, nós geralmente fazemos as refeições para cinco pessoas. Aqui estamos cozinhando para uma média de 50 clientes”, conta. Além disso, Gabriela também explica que estar em contato com essas cadeias produtivas mais curtas, com pequenos produtores e feirantes, também é importante porque permite que os estudantes expandam ainda mais a ideia do que é a Gastronomia e recebam muito conhecimento a partir desse contato. “Então é uma troca muito rica para ambas as partes”, finaliza.