Um estudo liderado por pesquisadoras da UFRJ e da Unirio trouxe luz a um dos mistérios que a ciência enfrenta desde a descoberta do Sars-Cov-2, em 2019: entender as complicações que a covid causa nas pessoas que contraem o vírus. A perda de memória, um dos efeitos mais relatados, agora pode ser melhor compreendida pela Ciência. A pesquisa, feita por 25 cientistas, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), foi publicada na revista Cell Reports.
O experimento demonstrou que a presença da proteína spike, que fica acoplada na superfície do coronavírus, provoca reações destrutivas no hipocampo, área do cérebro responsável pela memória. A proteína é transportada por células, chega até a região cerebral e consegue passar da barreira hematoencefálica, que controla a entrada de substâncias no cérebro. Ainda não há consenso científico de que o vírus inteiro consiga chegar à região.
No cérebro, a spike do coronavírus é reconhecida por receptores TLR4 que, em resposta ao agente estranho, geram uma inflamação. Nesse momento, as células de defesa, na tentativa de combater as proteínas, destroem as sinapses dos neurônios, o que impede a transmissão de informações, gerando perdas de memória. Essa reação demora a acontecer e varia de pessoa para pessoa − não é na fase aguda da doença, mas sim tempos depois, no que é conhecido como covid longa. Os pesquisadores utilizaram camundongos para entender esse fenômeno e perceberam que, nesses animais, existe um espaço de 30 a 45 dias entre a infecção e o comprometimento cognitivo. O porquê disso ainda é um mistério para a ciência, mas, segundo Gisele Passos, uma das líderes do estudo e professora da Faculdade de Farmácia da UFRJ, a descoberta é importante para “a gente avançar no entendimento de qual é o impacto da covid longa”.
Esse fenômeno a longo prazo causado pelo coronavírus impacta muitas funções do corpo, como as respiratórias, neurológicas, emocionais e cardiovasculares, provocando fadiga, alterações de humor, tosse, ataque cardíaco, perda de memória, entre outros sintomas. De acordo com uma pesquisa da Fiocruz, 50% das pessoas que foram infectadas pelo vírus têm covid longa. Dentre elas, 78% relataram terem comprometimento cognitivo. A recuperação é uma grande dúvida, mas o estudo liderado por Passos abre caminho para a possibilidade de reversão do quadro, já que os camundongos voltaram ao normal depois de 60 dias.
Nesse cenário, o maior entendimento do mecanismo das perdas de memória é um passo para desenvolver medicamentos que bloqueiem a ação do receptor TLR4, evitando a destruição das sinapses cerebrais. Como a produção de remédios é um processo por vezes demorado, a professora destaca outras soluções para melhorar a cognição cerebral:
“Como profissional de saúde e como alguém que também estuda Alzheimer, defendo que tudo que favorece a saúde cerebral pode ser interessante e válido para esses pacientes: atividade física, boa alimentação e sono são muito importantes. Durante o sono, acontece o reparo cerebral. Eu acho que qualquer estratégia que leve a uma qualidade de vida maior, que traga mais saúde para o organismo como um todo, também vai trazer mais saúde para o cérebro.”
A especialista recomenda, também, a procura por um médico especializado em covid longa para o acompanhamento dos sintomas e o tratamento individualizado.
Leia a íntegra do estudo no site da revisa Cell Reports.
*Sob supervisão das jornalistas Vanessa Almeida e Carol Correia