No último sábado, 25/02, o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais do Departamento de Meteorologia da UFRJ (Lasa) e o Instituto Núcleo Maré (InMar), em parceria com o Laboratório de Cultivo e Ecologia de Microalgas Marinhas (LabCult), do Departamento de Oceanografia Biológica da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), e o Laboratório de Microalgas Marinhas (MiMar), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) promoveram o evento Guardiões das Águas, voltado para a microbiologia e o meio ambiente. O encontro possibilitou que crianças moradoras dos arredores e de outras comunidades do bairro aprendessem sobre qualidade da água, poluição e consciência ambiental.
A proposta do evento era desenvolver uma visão mais crítica e ambiental na população que frequenta a área, a partir da análise dos microrganismos marítimos que se reproduzem de maneira cada vez mais intensa nas águas, deixando-as com colorações esverdeadas, avermelhadas ou amarronzadas. Essa situação de reprodução intensa de algas, chamada de floração, pode gerar malefícios para o ecossistema marítimo e, consequentemente, para a vida humana. Para explicar tal situação ao público infantil, foram utilizados microscópios de papel, chamados de Foldscope. Com os instrumentos, as crianças puderam observar as amostras coletadas por elas mesmas no Canal do Joá durante o passeio de canoa havaiana realizado e conduzido pelo Instituto Núcleo Maré, localizado na Praia dos Amores, na Barra da Tijuca.
“A gente acredita que a transformação da mentalidade social sobre o meio ambiente está na educação, então as crianças são o alvo principal da atividade. E essa imersão delas no ambiente através do esporte foi super importante para elas se sentirem parte daquilo ali e manterem o ambiente saudável, tanto para o entretenimento, quanto para o seu bem-estar e da sua comunidade”, explica a pesquisadora do Lasa, Priscila Lange.
Após a observação das amostras, o evento contou com uma roda de conversa para explicar a todos os presentes, principalmente às crianças, a importância da observação e conservação das águas do mar e das lagoas. A pesquisadora Priscila, a professora de Oceanografia da Uerj Gleyci Moser e a professora de Biologia da Unirio Silvia Nascimento se encarregaram das explicações e interações com as crianças.
O evento faz parte do projeto de extensão conjunto entre os laboratórios, chamado de Sentinelas do Mar *, e contou com a presença de alunos extensionistas e pesquisadores de cada universidade. Segundo o professor do Departamento de Meteorologia da UFRJ Lino Sander, a extensão é um braço fundamental da Universidade justamente pelo fato de proporcionar um diálogo com a sociedade de forma prática.
“Como a população consegue nos mostrar sua percepção do lugar em que vive e como podemos aprender com isso e levar para os nossos informes, seja para as imagens de satélite, seja para as coletas, seja para a comunicação da rede social é o que buscamos fomentar com o projeto”, diz.
*Na UFRJ, o projeto está inserido como um subprojeto do Lasa, chamado de Satélites: luz e observação da Terra.
Problema socioambiental
As microalgas, conhecidas no meio científico como fitoplâncton, são espécies fundamentais, tanto para o ambiente marítimo, quanto para o terrestre. Além da produção de oxigênio, elas também são fonte de alimento para os animais marinhos, dos quais a espécie humana se alimenta. Essa relação entre os animais é chamada de cadeia trófica. Portanto, qualquer alteração em um ambiente gera um cenário de desequilíbrio em outro, quadro que vem se concretizando nas águas do litoral carioca.
Segundo Priscila, o mar do Rio de Janeiro tem apresentado colorações escuras desde novembro de 2022, o que preocupa cientistas, pesquisadores e professores. Isso porque existem espécies de algas que atuam como “ervas daninhas” no ambiente marítimo, pelo fato de se alastrarem e prejudicarem o desenvolvimento de outros organismos, como explica Priscila. Ainda mais preocupantes são as algas produtoras de toxinas capazes de gerar problemas de saúde em humanos e até mesmo matar animais marinhos. Na roda de conversa, a professora Silvia Nascimento, da Unirio, perguntou às crianças e aos pais presentes quem já havia tido dor de barriga após comer marisco. Alguns levantaram as mãos. Ela explicou que é comum isso acontecer devido à característica desses animais de filtrar a água. “Então, se tiver coisa boa na água, ele acumula o que é bom. E, se tiver alguma coisa tóxica, ele também vai acumular, pode ser desde bactéria até uma alga. Então, algumas dessas algas produzem toxinas que podem fazer muito mal à gente.” Além dos danos à saúde marítima e terrestre, as florações de algas também podem afetar atividades turísticas e econômicas. Isso porque, mesmo que as espécies não sejam prejudiciais, especialistas costumam não recomendar a entrada nas águas quando há coloração diferente, para prevenir problemas.
Do ponto de vista ambiental, o crescimento em massa de algas gera um grande desequilíbrio no ecossistema marinho. Segundo Priscila, com a grande quantidade de fitoplânctons nas águas, a entrada do sol é prejudicada, o que afeta a fotossíntese do ambiente e, consequentemente, a produção de oxigênio para os animais que precisam dele para respirar. Em um local como a Praia dos Amores, onde muitos moradores dependem da pesca para a própria subsistência, essa reação em cadeia, que resulta na mortandade de peixes, é muito prejudicial. Priscila explica que o problema não está na floração de algas, mas sim na espécie que está se reproduzindo ali.
“Quando se tem florações saudáveis, elas nunca se acumulam tanto porque, mesmo a alga crescendo, ela está sendo comida. Os peixes gostam de comê-las. Então, as florações são necessárias. Só que, se for uma floração ‘daninha’, ela começa a ser nociva, mais ainda se for uma espécie tóxica.”
Apesar de já existirem consensos em relação às causas do problema, isso ainda é objeto de estudo e pesquisa dos laboratórios. Dentre as causas já identificadas, a pesquisadora diz que as principais são o esgoto despejado nos mares e lagoas e as ondas de calor. Segundo ela, a associação das duas é o pior cenário possível para o meio ambiente, o que tem acontecido frequentemente na época do verão.
Instituto Núcleo Maré
O instituto socioambiental Núcleo Maré foi o responsável pela realização do evento e interação direta das crianças com o meio ambient. Além disso, é um dos parceiros do Lasa para a coleta de amostras e monitoramento das águas do Canal da Barra da Tijuca. Tal interlocução da instituição com os laboratórios é fundamental para manter os moradores da região informados e alertas quando o usufruto da água é apropriado ou não. A Praia dos Amores e o Canal do Joá contemplam pescadores e outras populações ribeirinhas que dependem da região para sobreviver.
Os principais pilares do Instituto são a educação ambiental e a proteção do bioma costeiro, os quais são fomentados por eles a partir do esporte, lazer e atividades socioambientais. Com ações de limpeza de praia, turismo ecológico, eventos culturais e esportivos, coleta seletiva e plantio de mangue, o Núcleo Maré incentiva moradores das comunidades da região e visitantes do projeto a participarem das ações e fomenta a conscientização ambiental. Segundo o idealizador do instituto, Márcio dos Santos, a proposta do local é promover a transformação da região de forma coletiva e interromper os colapsos ambientais que atingem não só as camadas diretamente ligadas às águas, como os pescadores, mas também a sociedade como um todo.
“Para dar uma resposta para esse colapso todo, nós não conseguimos fazer nada sozinhos. Então, a ideia do projeto é juntar as pessoas, a mídia, as universidades, as empresas e o poder público para agir com a gente,” diz.
Laboratórios unidos em prol do meio ambiente
O Lasa, da UFRJ, o LabCult, da Uerj, e o MiMar, da Unirio, trabalham de forma conjunta para monitorar as florações nas águas do Rio de Janeiro, identificá-las e alertar a sociedade sobre o assunto por meio das redes sociais. O Lasa é responsável pelo sensoriamento remoto dos mares e lagoas por meio de satélites, e os outros dois laboratórios encarregam-se da análise de amostras e identificação das espécies coletadas. Especializado em Ecologia, o LabCult analisa a qualidade da água e consegue identificar se as espécies presentes são benéficas ou não para a saúde dos humanos e do meio ambiente. Já os integrantes do MiMar, especialistas em algas nocivas, são responsáveis pela parte de classificação das espécies e definição dos problemas que elas podem causar.
“Nós vamos a campo, coletamos amostras e, a partir do que conseguimos identificar na água, criamos modelos que conseguimos estimar pelo satélite. Então, passa um satélite, tira uma imagem e, a partir da cor da água do local, podemos identificar um ‘boom’ de algas [floração] e alertar a população do que tem ali” , explica o professor Lino Sander sobre a ação dos laboratórios.