Um laboratório a céu aberto, que capacitará os estudantes da UFRJ a desenvolver novas tecnologias para um enfrentar o desafio da transição energética e minimizar os efeitos das mudanças climáticas, passou a funcionar no início da semana na Cidade Universitária, no Rio. É a Ilha de Policogeração Sustentável, um projeto que ocupa 200 metros quadrados e conjuga o uso de energia solar com a recuperação de calor para produzir eletricidade, água dessalinizada e, em breve, biodiesel. A ideia é de pesquisadores do Laboratório de Nano e Micro fluídica e Microssistemas (LabMEMS), que quer difundir o sistema pelo semiárido brasileiro para melhorar a qualidade de vida em regiões remotas.
De acordo com a professora Carolina Naveira Cotta, a iniciativa pode ser um importante aliado de prefeituras e comunidades remotas do Nordeste que não estão conectadas ao Sistema Interligado Nacional, mas também pode ser empregada em fazendas de energia solar. Aliás, a Petrogal Brasil, ligada a um grupo português do setor de energia e petróleo, foi parceira do projeto. O grupo poderá se beneficiar da tecnologia para uso nas próprias fazendas de energia solar, uma vez que os painéis solares requerem, para manter a eficiência, a lavagem frequente com água destilada. “A Ilha de Policogeração Sustentável pode ser usada ainda em campos nearshore de óleo e gás, ilhas e regiões inóspitas, áreas em conflito ou de desastres ambientais”, informou a professora.
O demonstrador tecnológico conta com 450 células de silício e uma lente de fresnel para cada uma, concentrando 820 vezes a energia solar. Além do painel de alta concentração, o protótipo conta com três coletores solares, que podem trabalhar em série ou em paralelo com o painel para aquecimento de água. “O protótipo foi concebido com o conceito de modularidade, a partir do qual é possível se adequar a várias demandas. A ilha é flexível, podendo ser modificada para uso em outros locais e adaptada para cogeração de outros insumos, dependendo do objetivo e uso”, explicou Carolina Cotta, acrescentando que o projeto tem custo estimado entre 500 mil reais e 1 milhão, conforme os módulos de produção.
A Ilha de Policogeração Sustentável tem capacidade de gerar cinco quilowatts de energia elétrica e oito quilowatts de energia térmica recuperáveis. Geralmente o calor gerado na conversão da energia solar para energia elétrica é desperdiçado pelo arrefecimento passivo, que o libera para o ambiente. Mas, com o sistema, esse calor pode ser recuperado e utilizado a partir de uma técnica de destilação de água via membranas, em um processo conhecido como osmose reversa, no qual o vapor d´água atravessa uma camada hidrofóbica, mas deixa retidos os sólidos no outro lado. Posteriormente, o vapor volta a se condensar, gerando água destilada – que, para consumo, precisa ser remineralizada.
A energia elétrica gerada pode atender até 25 residências e o dessalinizador é capaz de produzir mil litros de água por dia – o equivalente ao consumo diário de mais de 100 pessoas, de acordo com a professora Carolina Cotta, que coordena a equipe de 15 pesquisadores envolvidos no projeto do Programa de Engenharia Mecânica do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ). O rejeito de água salgada é destinado a piscinas para cultivo de erva-sal para caprinos e criação de tilápias, em colaboração com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Investimento público e parceria privada
O protótipo está no TRL 6 (Technology Readiness Level ou “Nível de Prontidão Tecnológica” – escala criada pela Nasa para indicar o amadurecimento tecnológico de um produto, podendo variar de 1 a 9). O projeto é financiado pela Petrogal Brasil, via Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e Embrapii-Coppe, e conta com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Marinha do Brasil.
Como destacou a vice-diretora da Coppe, Suzana Kahn, no evento de inauguração, no momento em que o mundo passa por uma transição energética, a universidade apresenta as potencialidades que têm com um projeto desse nível. “As emissões dos gases do efeito estufa tendem a ficar mais rigorosas e a gente, como UFRJ, também vai se transformando. Esse projeto sintetiza bem tudo, não só por ser sustentável, não só por reunir várias possibilidades, mas se preocupa com a inclusão social e com o atendimento de regiões com carências”, disse Suzana.
O presidente da Petrogal Brasil, Daniel Elias, ressaltou que as características relevantes da empresa são o pioneirismo, as parcerias e a performance. “Fomos pioneiros no pré-sal e somos uma empresa que sempre faz parcerias para atender às comunidades da melhor forma possível”, afirmou.
O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Thiago Vasconcellos Barral Ferreira, que representou o Ministério de Minas e Energia no evento, destacou que o projeto mostra como a tecnologia pode ser aliada para resolver problemas concretos do Brasil e com alto impacto social. “A proposta vai além de descentralizar a geração de energia para atender à demanda de eletricidade em regiões remotas. Trata-se de integrar numa solução de suprimento de energia a cogeração de insumos essenciais, como água e até biocombustíveis, para a qualidade de vida nessas regiões”.
No ponto de vista de Barral, hoje lidamos com um contexto de transição energética para matrizes de baixo carbono, com o objetivo e limitar o aquecimento global e seus impactos. Contudo, essa transição energética, embora seja fenômeno global, se desenvolve conforme condições e realidades regionais. “Este projeto mostra, com maestria, como a tecnologia pode ser aliada para resolver questões fundamentais, como acesso à água e eletricidade, e demonstra a importância das políticas públicas para o fortalecimento das bases tecnológicas do país, impactando com sustentabilidade o desenvolvimento econômico e social”, enfatizou ele. Para a reitora da UFRJ, Denise Pires de Carvalho, é importante ver que a universidade atua para chegar na casa de cada brasileiro e transformar a sociedade. De acordo com a reitora, as mentes da universidade pensam um futuro melhor para o nosso país, mas é preciso ter investimentos. “Seja qual for o desafio, nós estaremos preparados para enfrentar. A UFRJ é modelo em ensino e pesquisa, mas também será em extensão, transformando nossa sociedade de modo que seja mais justa e equânime. É este o Brasil do futuro, que acontece aqui no presente, em nossa Universidade, que mantém acesa a chama do professor Coimbra, o qual lutou nos anos 1960 para que isso acontecesse e foi muito bem-sucedido”, concluiu.