As empresas privadas e os órgãos e entidades públicos foram obrigados a adotar o teletrabalho durante meses para reduzir a propagação da Covid-19. Contudo, com a flexibilização das medidas sanitárias e o retorno ao modelo presencial, brechas na legislação precisam ser preenchidas. Para a iniciativa privada, o Governo editou em março deste ano a Medida Provisória nº 1108. As inovações resolveram questões relativas, por exemplo, a horas extras e ao direito de não ser importunado com pendências do trabalho nos horários de folga.
Na iniciativa privada, há uma forte tendência de manutenção do trabalho remoto ou mesmo um modelo híbrido e flexibilidade de horários, uma vez que há vantagens tanto para empregadores, que economizam com toda a estrutura para acomodar os trabalhadores, quanto para os empregados, que desfrutam de melhor organização de horários para realização de outras atividades, o que traz bem-estar e aumenta a produtividade.
Para aqueles que são servidores públicos, porém, é difícil apontar se a tendência prevalecerá, apesar da economia que o trabalho remoto trouxe ao Governo Federal. Só entre março de 2020 e junho de 2021 a redução de gastos com itens como diárias, despesas com locomoção, serviços de energia, água e esgoto e reprodução de documentos foi de R$ 1,419 bilhão.
No dia 5/5, o Ministério da Economia soltou a Instrução Normativa 36 (IN 36), que entrará em vigor em 6/6/2022 e estabelece o retorno ao trabalho em modo presencial dos servidores e empregados públicos dos órgãos e entidades do Sistema de Pessoal Civil da Administração Pública Federal (Sipec). A opção à modalidade presencial no setor público é disciplinada pelo Decreto 1590/1995 e normatizada pela IN 65/2020, que cria o teletrabalho, possível de ser realizado de forma remota e mediado por tecnologia da informação. No entanto, a IN 65 tem foco em um “programa de gestão”, ou seja, em um disciplinamento da realização de atividades que serão mensuradas por critérios quantitativos. Em consequência, o serviço público passa a ter uma lógica de “entregas” e resultados que, além de diminuir a autonomia na definição das prioridades de trabalho, dificulta o atendimento às reais necessidades da população.
De acordo com Ana Maria Ribeiro, técnica em assuntos educacionais da UFRJ, que participou das análises da instrução normativa, “a lógica do teletrabalho descrito na IN 65 institui uma dinâmica de controle e vigilância do trabalho que tende a piorar o atendimento da população e dos estudantes e as condições de trabalho dos servidores, ao estipular metas, que uma vez alcançadas pelo servidor, pode deixá-lo limitado a fazer só o determinado. As universidades são ambientes de trabalho sazonal, em que há uns períodos de muita intensidade e outros de baixa em função da dinâmica acadêmica. Nossa produção é mais qualitativa do que quantitativa”, apontou.
Embora a decisão de aderir ao teletrabalho previsto na IN 65 caiba às instituições e não a decisões individuais, o teletrabalho também é negativo aos servidores que optarem pela modalidade, pois terão de arcar com as despesas com mobiliário, serviços de energia e comunicação (internet e telefone), entre outros, além da perda de direitos, como horas extras e adicional noturno. “O fazer dos trabalhadores de educação dentro da instituição não pode ficar preso a um programa de gestão produtivista, uma vez que as atividades e os serviços nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) estão vinculados ao Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), cujo foco é o desenvolvimento acadêmico e administrativo para a atividade-fim, que são o ensino, a pesquisa e a extensão, e tem seu próprio sistema de avaliação − o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes – Lei 10.861/2004), instituído em lei federal”, destacou Ana Maria.
Ao se eximir da responsabilidade de custeio da estrutura, o Governo deixa, aos poucos, de investir recursos do orçamento público para atender melhor e há queda de qualidade, o que é prejudicial para a população. Na UFRJ, foi criado um Grupo de Trabalho (GT) que analisou a IN 65 e refutou a adesão ao teletrabalho. Todavia, percebeu que, da mesma forma que o governo criou o teletrabalho, que não existia na legislação, também deu origem à expressão “trabalho externo”, apresentando clara distinção entre ambos e permitindo aos órgãos e entidades escolherem qual adotar.
De acordo com Ana Maria Ribeiro, os decretos 1590/1995 e 1.867/1996 já previam que as atividades executadas fora da sede, sem a possibilidade do registro diário de ponto, poderiam ser controladas por um relatório semanal. “Pela produção nas IFES serem mais qualitativas do que quantitativas, o boletim semanal se adequa mais ao controle da prestação do serviço do servidor que será autorizado a executar suas atividades fora da sede pela chefia”, destacou.
Vale lembrar que trabalho remoto não é atividade mediada por tecnologias da informação, segundo Ana Maria, mas sim uma terminologia dada pelo Governo, não sendo nem teletrabalho, nem trabalho externo. “O que fizemos durante a pandemia foi trabalhar comunicando via tecnologia da informação nossas atividades, ou seja, continuamos a fazer o que sempre fizemos, usando a estrutura de casa e não do local de trabalho. O teletrabalho é outra coisa completamente diferente: é necessário estar dentro de um sistema que monitora seu tempo de trabalho e produtividade. E só ele traz essa questão da mediação por tecnologia da informação”, acrescenta.
À espera de regulamentação
Joana de Angelis, representante dos técnicos-administrativos no Conselho Universitário, informou que uma alternativa foi construída considerando os pontos da legislação pertinente à educação pública de ensino superior, desde o previsto constitucionalmente sobre a autonomia universitária aos pontos instituídos pelo Sinaes. “Fazer economia e controlar as universidades parece ter sido a ideia do Governo. Construímos esse documento institucionalmente, com todas as categorias de trabalhadores da Universidade e o levamos ao Consuni. Mas a própria IN 65 trouxe a possibilidade de regulamentação do trabalho externo, que nós já conhecíamos como trabalho fora da sede, deixando claro que não é teletrabalho, possível apenas na adesão à IN 65”, explicou Joana, que coordena o GT institucional, que envolve a PR-4 e todos os centros acadêmicos, as entidades sindicais (Sintufrj e Adufrj) e as representações dos estudantes e dos técnicos no Consuni, onde se originou a pedido da reitora Denise Pires de Carvalho.
De acordo com Joana de Angelis, em outubro do ano passado, a proposta de regulamentação do trabalho externo foi entregue à reitora, que se comprometeu a submeter e colocar em votação no Conselho Universitário. “A reitora prometeu que esse seria um dos primeiros pontos a serem pautados, mas estamos aguardando. Desde o início de todas as sessões do Consuni em 2022, eu faço essa cobrança. O que sabemos é que o procurador deu um parecer e o encaminhou para a PR-4 dar os encaminhamentos”, informou.
Há grande expectativa dos trabalhadores da Universidade a fim de saber o desfecho da organização do trabalho na instituição dentro de regras que deem segurança ao servidor e à Universidade. “Mostramos na pandemia que podíamos ser eficientes com o trabalho externo. É claro que a modalidade não atende a todos os afazeres, temos várias funções que não podem ser feitas externamente, mas há as que são possíveis assegurando um serviço de qualidade. Se são necessárias adequações, o Consuni é o espaço ideal para fazer isso”, disse.
Para Ana Maria Ribeiro, a resolução do trabalho externo sendo aprovada, resolveria o que já era feito informalmente. “Isso permitiria um maior gerenciamento da força de trabalho nos ambientes insalubres pós-pandêmico e de organização flexível da força de trabalho, criando assim uma organização híbrida com servidores em atividade presencial e outros em trabalho externo, independente se a atividade é ou não mediada por tecnologia da informação” concluiu.
O reitor em exercício, Carlos Frederico Leão Rocha, informou que houve uma reunião com Joana de Angelis, o advogado do Sindicato dos Trabalhadores da UFRJ e representantes da Pró-reitoria de Pessoal (PR-4), na qual ficou acertada a elaboração de um documento com mais foco na legislação voltada para o ensino superior e menos na IN 65, que era usada como referência para organização da proposta de trabalho externo. “Nosso entendimento é que uma posição calcada apenas na IN enfraqueceria a posição da Universidade. Assim, procuramos ser mais prudentes e conservadores e evidenciamos isso ao Sindicato, para que a referência seja direta às leis e não às normativas emitidas pelo Sipec. O Sindicato ficou de refletir sobre a proposta de uma nova normativa”, disse Rocha.