Depois do pesadelo ocorrido há pouco mais de três anos, começa a concretização de um sonho: devolver à sociedade brasileira o Museu Nacional do Rio de Janeiro. A intenção é que a primeira fase de obras termine até 7/9/2022, data do bicentenário da independência do Brasil. Ao custo de R$ 23,6 milhões, a vencedora da licitação dessa etapa, a empresa Concrejato, deverá entregar a fachada e o telhado da parte frontal da edificação, voltada para a alameda das Sapucaias, na entrada principal da Quinta da Boa Vista. O Museu deverá, entretanto, ser totalmente aberto ao público apenas em 2026.
O projeto de reconstrução do prédio foi dividido em quatro blocos. A obra agora iniciada se refere ao bloco 1. As obras nos outros três setores ainda estão em fase de projeto, que deve ser concluído em 2022. “Hoje nós damos o pontapé inicial para virar a página de uma das maiores tragédias que aconteceram no campo científico e cultural do nosso país. Aprendemos, da pior forma possível, mas aprendemos. Temos a chance de construir uma instituição que sirva de referência e modelo não só no Brasil, mas na América Latina”, afirmou o diretor do Museu, Alexander Kellner, durante a cerimônia para anunciar as obras, ocorrida em 12/11.
O Museu Nacional já recebeu R$ 244,8 milhões para sua reconstrução. Os recursos vieram de doações via Lei Rouanet, do Bradesco, da Vale e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) — os três principais doadores privados, com R$ 50 milhões cada. Logo após o incêndio, o Ministério da Educação (MEC) aportou em torno de R$ 18 milhões para intervenções emergenciais. Emendas parlamentares e R$ 20 milhões da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) complementam a verba arrecadada até o momento. Faltam, porém, cerca de 135 milhões para que todo o projeto de restauro esteja concluído.
Segundo a reitora da UFRJ, Denise Pires de Carvalho, o país não tinha uma cultura para prevenção de sinistros em patrimônios públicos e culturais. Ela lembrou não só o que ocorreu ao Palácio de São Cristóvão, mas também os incêndios na Cinemateca de São Paulo e no Museu da Língua Portuguesa. “Aprendemos, infelizmente com a perda do nosso Museu”, lamentou. A Polícia Federal investigou as causas do incêndio, motivado por um curto circuito em um aparelho de ar-condicionado, que ficava no Auditório Roquette Pinto, no primeiro andar. Os investigadores descartaram a hipótese de que o episódio tenha sido criminoso.
O novo Museu Nacional será dotado de equipamentos modernos de prevenção de incêndios. A reitora informou também que foi criada uma diretoria de combate a incêndios para prevenir que prédios tombados sob a responsabilidade da Universidade voltem a sofrer com o fogo. “Precisamos combater incêndios rapidamente para que não se espalhem. Nos países mais desenvolvidos, há equipamentos que são acionados com a fumaça. Vamos instalar esse sistema no Museu Nacional”, afirmou.
A intenção inicial era de que as obras começassem em 2019, mas diversos imprevistos relacionados ao processo de licitação, bem como aos estudos das características arquitetônicas do local, atrasaram o calendário, sem contar o advento da pandemia. “Tudo atrasou. Nosso resgate [de peças], por exemplo, já deveria ter terminado, mas ainda falta um pouquinho”, informou o diretor do Museu Nacional.
Aproximadamente 85% do acervo de 20 milhões de peças do Museu foram perdidas, mas até a reabertura, em 2026, a meta é ter entre 20 e 50 mil itens, de acordo com Kellner. Ele anunciou que será aberto em breve um Centro de Visitação para estudantes a fim de expor coleções doadas e próprias, restauradas pelo Museu. O terreno, com cerca de 44 mil m², fica próximo ao Maracanã e foi doado pela União. O vice-presidente executivo da Vale, Luiz Eduardo Osório, atendeu a um pedido feito durante a cerimônia de apresentação das obras e se comprometeu a doar R$ 500 mil para abrir a exposição para crianças, que deve ter quatro circuitos: Histórico; Universo e vida; Ambientes brasileiros; e Diversidade cultural.
Uma nova Quinta no bicentenário da independência
Toda a Quinta da Boa Vista se beneficiará com as obras de recuperação. O secretário Municipal de Planejamento Urbano do Rio, Washington Fajardo, afirmou que a Prefeitura prepara um plano de conservação para toda a região onde fica o palácio. “Queremos celebrar o bicentenário da Independência com o Museu no ano que vem. Ciência e Cultura não serão mais renegados nessa cidade”, afirmou.
O trabalho de restauração de todo o prédio é longo e ainda vai demorar um pouco para o lugar, que sediou a primeira plenária da constituinte republicana brasileira entre 1889 e 1891 e foi morada família imperial, volte a ter visitantes em seu interior. Todavia, a partir de 2022, o público poderá conhecer o Jardim das Princesas, que não foi danificado pelas chamas e até então era fechado à visitação.
Assim que as lonas e andaimes saírem, em 2022, toda a beleza da edificação com mais de 200 anos poderá ser contemplada. O novo telhado contará com trechos que permitirão maior luminosidade para todo o interior. Os vãos de portas e janelas, esquadrias, ferragens, gradis, alvenaria e outros detalhes do prédio também serão recuperados. A meta é preservar o aspecto original da fachada do prédio bicentenário e todo o processo de restauração do local ficará sob a responsabilidade da Associação Amigos do Museu Nacional.
Presidente da associação, o professor Luiz Fernando Dias Duarte confessou que um turbilhão de sentimentos tomou conta dele nos últimos anos. “A emoção que, inicialmente, após o incêndio, foi de intensa raiva, depois se substituiu por uma emoção de tremendo luto e, agora, felizmente, se transmutou para uma emoção de luta, luta ferrenha pela recomposição dessa instituição que é uma casa da nação, mas também uma casa de cada um de nós”, concluiu Duarte, que também já dirigiu o MN (1998-2001) e tem profundos laços com o Palácio da Quinta.